卷宗編號: 418/2022
日期: 2022年09月15日
關鍵詞: 濫用代理、返還款項
摘要:
- 倘未能證明案中原告及第一被告曾有不使用授權書的協定,有關濫用代理的理據並不能成立。
- 倘證實原告及第一被告簽署了《確認預約抵押合同》,當中載明第一被告向原告借貸予港幣500,000元,原告預約抵押有關單位予第一被告,而原告亦聲明已收取相關款項,原審法院認定第一被告可在買賣價金的餘款中扣除借貸本金及利息並沒有任何錯誤。
裁判書製作人
何偉寧
民事及勞動上訴裁判書
卷宗編號: 418/2022
日期: 2022年09月15日
上訴人: A(原告)
被上訴人: B(第一被告)
C(第二被告)
D股份有限公司(第三被告)
*
一. 概述
原告A,詳細身份資料載於卷宗內,不服初級法院民事法庭於2022年01月21日作出的決定,向本院提出上訴,有關內容如下:
1) 本上訴的標的為原審法院於2022年1月21日對本案所作出的判決。
2) 上訴人僅爭議被上訴判決中涉及「濫用代理」及「返還款項」的部份。
3) 被上訴判決主要認為上訴人未能證明案中上訴人與第一被告曾有不使用授權書的協定,因此裁定濫用代理的理據不成立。在尊重不同見解的前提下,上訴人認為原審法院在適用法律方面存有錯誤。
4) 濫用代理是指,代理人雖有權行使相關權力,但其有意識地將權力用於非屬授權目的之用途上,又或不遵守所收到的指示。
5) 上訴人認為已證事實仍足以認定第一被告有意識地將權力用於非屬授權目的之用途上,故濫用代理的理據應予成立。
6) 按照已證事實s項,上訴人簽署本案的授權書予第一被告,目的是為了擔保第一被告給予的貸款。然而,已證事實或案中的其它資料未能顯示該授權書在具體上是如何擔保第一被告給予的貸款。這樣,我們必須從
案中其它已證事實中得出結論。
7) 案中資料顯示,第一被告的貸款是具有意定抵押所擔保的。
8) 在考慮該授權書如何用作擔保第一被告所給予的貸款時,必須要考慮到 上訴人對第一被告所設定的意定抵押。
9) 雖然該授權書中的權力容許第一被告將涉案單位出售,但上訴人簽署授權書予第一被告的目的是加強及補充第一被告的意定抵押,而不是讓第一被告可以隨時出售涉案單位。
10) 該授權書是用作加強及補充第一被告已具有的意定抵押。倘上訴人未有還款時,第一被告可以透過執行抵押物以獲得受償。透過授權書出售涉案單位用以求償,僅應在特殊情況下方可作出。
11) 考慮到涉案單位的市值以及負債,上訴人設定予第一被告的抵押,已能適當地擔保其所給予的貸款。故此,倘上訴人沒有履行還款的義務,第一被告完全可以透過執行抵押物去要求上訴人償還債務,但第一被告並無如此為之,而是在未有上訴人的同意下直接以將涉案單位出售。.
12) 事實上,在已證事實中未有顯示上訴人同意第一被告可使用授權書出售涉案單位,而在涉案的《確認預約抵押合同》或授權書中亦未有載明第一被告可在上訴人未能償還款項時將涉案單位出售。
13) 這樣,在第一被告在具有物之擔保(抵押)的情況下,未有向法院提出訴訟以主張其權利,而是直接將涉案單位出售,便是將授權書用於非屬授權目的之用途上,屬於濫用代理。
14) 根據《民法典》第262條的規定,適用濫用代理的前提是必須以他方當事人明知或應知悉該濫用代理為限。因此,我們有必要考究第二被告在本案中是否具有正常注意,根據合理的標準與一般人的判斷,在具體情況中是否有條件知悉有關的濫用。
15) 在本案中,雖然原審法院未能直接證明第二被告知悉第一被告利用上述的授權書出售該單位,但面對已證事實o、p及q項,我們不能認為第二被告具有正常注意。
16) 眾所週知,購買一個不動產,動輒需要動用數百萬甚至過千萬,倘若第二被告作為一個正常的買家,在購買前必然會去有關單位視察。
17) 其次,第二被告在購買前已清楚知悉有關單位當時已抵押予第一被告,而第一被告同時持有授權書代表上訴人告將有關單位出售。在這情況下,即使第二被告不知道上訴人向第一被告作出授權的原因,那麼至少第二被告在釐清第一被告為何以上訴人的受權人身份參與訂立合同的問題上是十分粗心及存在過失的。
18) 只要第二被告稍作了解,不難知道第一被告使用授權書是否符合本身的目的(同一見解可參閱澳門中級法院在卷宗編號536/2018的上訴案)。
19) 因此,根據合理的標準與一般人的判斷,第二被告在具體情況中完全有條件知悉有關的濫用,但其並沒有如此為之,因此其違反了應有的義務。
20) 綜上所述,第一被告的行為屬於濫用代理,根據《民法典》第261條及第262條的規定,第一被告代表上訴人出售該單位予第二被告的買賣合同不產生效力。因第一被告與第二被告之間的買賣合同不產生效力,隨後由第二被告將該單位抵押予第三被告的合同亦不產生效力。
21) 因此,被上訴的判決違反了《民法典》第261條及第262條的規定,請求中級法院裁定「濫用代理」的上訴理由成立,並改判上訴人在起訴狀第i)至iv)的訴訟請求理由成立。
22) 倘若尊敬的中級法院認為上述濫用代理的理據未能成立,上訴人提出如下補充理據,請求廢止被上訴判決中第一被告可在買賣價金的餘款港幣1,170,000中扣除港幣500,000的借貸本金及港幣183,286的利息。
23) 原審法院認為第一被告可以在買賣價金餘款港幣1,170,000中扣除澳門幣350,200的特別印花稅、港幣500,000的借貸本金及港幣183,286的報酬性利息(juro remuneratório),因此,第一被告僅須向上訴人支付餘款港幣146,714。
24) 在尊重不同見解的前提下,上訴人認為原審法院在法律方面存有錯誤。 上訴人認為第一被告無權在買賣價金餘款中扣除港幣500,000的借貸本金及港幣183,286的報酬性利息。
25) 上訴人認為本案中的已證事實不足以讓第一被告以「抵銷」的機制作出 扣減。
26) 在本案中,僅有已證事實c項顯示上訴人與第一被告簽訂了一份《確認 預約抵押合同》。
27) 然而,已證事實c項僅是上訴人與第一被告在《確認預約抵押合同》中所作出的聲明內容,但不能據此認定第一被告實際上曾向上訴人作出交付貸款的事實。
28) 在《確認預約抵押合同》中簽署人所聲明的內容並不等於曾經發生過所聲明的事實,即使是公文書或經認證文書的完全證明力亦不可以涵蓋這一部份。
29) 消費借貸合同屬要物合同,第一被告必須陳述及證明曾經作出交付貸款的事實,方可成立借貸關係。
30) 在已證事實中,並沒有任何事實表明第一被告曾向上訴人交付港幣500,000的借貸款項。而單還已證事實c項,實不足以證明第一被告曾向上訴人貸予港幣500,000的借貸款項。
31) 由於第一被告擬透過抵銷這一永久抗辯去對抗上訴人要求返還價金的 請求,因此第一被告必須證明其對上訴人享有債權。然而,單憑已證事實c項(當事人所聲明的內容),並不足以讓認定第一被告對上訴人享有債權。
32) 因此,第一被告不得透過抵銷去扣減港幣500,000的借貸本金及港幣 183,286的利息。
33) 因此,被上訴的判決違反了《民法典》第838條的規定,請求中級法院裁定此一部份的理由成立,並廢止被上訴判決中第一被告可在買賣價金的餘款港幣1,170,000中扣除港幣500,000的借貸本金及港幣183,286的利息。
34) 倘若法庭未能裁定上述理據成立,上訴人仍補充提出如下上訴理據。
35) 原審法院認為第一被告可以透過抵銷去扣減港幣183,286的報酬性利息(juro remuneratório)。
36) 在尊重不同見解的前提下,上訴人認為原審法院錯誤認定涉案的《確認 預約抵押合同》中存有報酬性利息的約定。
37) 事實上,在涉案的《確認預約抵押合同》中,並無約定報酬性利息。
38) 在《確認預約抵押合同》的第7條中,上訴人與第一被告約定在某一期限內簽立抵押公證書,只要有關責任不在第一被告,上訴人須向第一被告作出賠償,賠償金額自簽立本合同起至簽立上述抵押公證書之期間,以貸款金額乘以年利率29厘計算。
39) 由此可見,《確認預約抵押合同》的第7條並非在報酬性利息,而是違約金條款,該條款所指的賠償是建基於上訴人不履行簽立抵押公證書的義務。
40) 根據《民法典》第800條第1款的規定,違約金之履行,僅於債務人有過錯之情況下方可要求,但另有明確訂定者除外。
41) 因此,即使第一被告認為上訴人違反了《確認預約抵押合同》的第6條所指簽立抵押公證書的義務,第一被告必須陳述及證明上訴人是因過錯不履行該義務。
42) 在已證事實中,並無任何事實顯示是上訴人有過錯地不履行簽立抵押公證書的義務。因此,第一被告不得主張存有利息或賠償金。
43) 原審法院錯誤地認定《確認預約抵押合同》的第7條的訂定為「報酬性利息」,因此在法律上存有錯誤,違反了《民法典》第800條第第1款的規定。
44) 基於此,請求中級法院裁定此一部份的理由成立,並廢止被上訴判決中第一被告可在買賣價金的餘款港幣1,170,000中扣除港幣183,286的報酬性利息的部份。
45) 綜上所述,請求尊敬的中級法院法官閣下裁定本上訴理由成立,並:
(a) 以濫用代理為據改判上訴人在起訴狀第i)至iv)的訴訟請求理由成立;或
(b) 廢止被上訴判決中裁定第一被告可透過抵銷拒絕向上訴人支付港 幣500,000(借貸本金)及港幣183,286(報酬性利息)之決定;或
(c) 廢止被上訴判決中裁定第一被告可透過抵銷拒絕向上訴人支付港 幣183,286(報酬性利息)之決定。
*
第三被告D股份有限公司就上述上訴作出答覆,有關內容載於卷宗第526至530背頁,在此視為完全轉錄。
*
二. 事實
原審法院認定的事實如下:
a) A autora adquiriu, por escritura pública de compra e venda celebrada em 23 de Fevereiro de 2017, a fracção autónoma J, no 12º andar, para habitação, do Edf. “XX” (ou seja, fracção “J12”), sita em Macau, XXX, descrita na Conservatória do Registo Predial de Macau sob o n.º XXX, a fls. XXX do livro B61.
b) O registo da referida adquisição foi efectuado em 14 de Março de 2017 na Conservatória do Registo Predial de Macau, sob a inscrição n.º 324088G.
c) Em 12 de Abril de 2017, celebraram entre a autora e o 1º réu no Cartório Notarial das Ilhas, um documento designado por “Confirmação do contrato-promessa de hipoteca”, onde consta que o 1º réu concedeu à autora um empréstimo no valor de HKD500.000,00 e a autora prometeu constituir a hipoteca a favor do 1.º réu sobre a fracção em causa, tendo a autora declarado que recebera o montante de HKD500.000,00.
d) A autora outorgou uma procuração através de qual conferiu ao 1º réu o poder de vender a fracção autónoma “J12”.
e) Em 24 de Abril de 2017, em relação à referida “Confirmação do contrato-promessa de hipoteca”, o 1º réu efectuou junto da Conservatória do Registo Predial de Macau o registo provisório de hipoteca voluntária, sob a inscrição n.º 218126C.
f) Em 25 de Maio de 2018, o 1º réu recebeu o montante de HKD100.000,00 pago pelo 2º réu, a título de sinal para a aquisição da fracção em causa.
g) Em 07 de Junho de 2018, celebraram entre os 1º e 2º réus, o “contrato-promessa de compra e venda de imóvel”, onde o 1º réu prometeu, na qualidade de procurado da autora, vender a fracção em causa ao 2º réu, no valor de HKD3.400.000,00, equivalentes a MOP3.502.000,00.
h) Em 07 de Junho de 2018, o 1º réu recebeu do 2º réu o montante de HKD260.000,00, destinado ao segundo sinal para a aquisição da fracção em causa pelo 2º réu.
i) O 1º réu, munido da procuração outorgada pela autora no dia 12 de Abril de 2017, celebrou, na qualidade de procurador da autora, com o 2º réu, uma escritura pública em 10 de Agosto de 2018, através da qual vendeu ao 2º réu, a fracção em causa, pelo preço de HKD3.400.000,00, equivalentes a MOP3.502.000,00.
j) Em 10 de Agosto de 2018, o 2º réu constituiu, a favor do 3º réu, a hipoteca sobre a fracção em causa, para a garantia do empréstimo no valor de HKD2.720.000,00.
k) Entre o remanescente de HKD3.040.000,00, a quantia de HKD2.230.000,00 foi depositada na conta da autora, aberta no HongKong and Shanghai Banking Corporation Limited, mediante a ordem de caixa sacada pelo 3º réu, para descontar o remanescente do empréstimo hipotecário que a autora pediu junto do referido Banco.
l) O 2º réu efectuou, em 17 de Agosto de 2018, o registo da aludida aquisição junto da Conservatória de Registo Predial de Macau, sob a inscrição n.º 349881G.
m) O 3º réu efectuou, em 17 de Agosto de 2018, o registo da aludida hipoteca voluntária junto da Conservatória de Registo Predial de Macau, sob a inscrição n.º 238130C.
n) A autora residia na referida fracção por mais de 30 anos. (Q 1.º)
o) O 2º réu, na qualidade de comprador, nunca foi à referida fracção para uma inspecção ao local (vulgarmente conhecida como “visita da fracção in loco”) antes da outorga da escritura pública de compra e venda ou até à data da dedução da presente acção. (Q 5.ºC)
p) No momento da aquisição da referida fracção, o 2º réu estava ciente da existência de uma inscrição provisória, em relação à hipoteca voluntária sobre a referida fracção, destinada a garantir o empréstimo concedido pelo 1º réu à autora, no montante de MOP500.000,00. (Q 5.ºD)
q) O 2º réu teve conhecimento de que o 1º réu utilizou a referida procuração para o acto da venda da fracção. (Q 5.ºE)
r) O 1º réu não entregou à autora os sinais que recebera nas duas ocasiões acima referidas. (Q 6.º)
s) A autora outorgou a referida procuração ao 1º réu com o objectivo de garantir um empréstimo. A autora outorgou a procuração ao 1º réu com o objectivo de garantir o empréstimo devido ao 1º réu. (Q 7.º e 8.º)
t) O 1º réu nunca entregou à autora o preço de venda acima referido, no valor de HKD1.170.000,00. (Q 9.º)
u) O 3º réu desconhecia a extinção da procuração outorgada pela autora ao 1º réu. (Q 13.º)
v) O 3º réu recebeu instruções de emissão de uma cashier order a favor da autora, no valor de HKD2.230.000,00. (Q 14.º)
w) A inscrição referida na alínea E) dos factos assentes ainda não havia sido cancelada no dia anterior à escritura de 10 de Agosto de 2018, referida na alínea I) dos factos assentes. (Q 15.º)
x) A inscrição referida na alínea E) dos factos assentes apenas foi cancelada em 10 de Agosto de 2018. (Q 16.º)
y) A autora só deu entrada à presente acção um ano depois de ter tido conhecimento da venda da fracção ao 2º réu. (Q 17.º)
z) A fracção mencionada na alínea A) dos factos assentes foi vendida por um preço próximo do valor do mercado. (Q 18.º)
aa) Após o 1º réu ter recebido a quantia indicada na alínea K) dos factos assentes, de HKD3.040.000,00, e ter deduzido a quantia indicada na alínea L) dos factos assentes, de HKD2.230.000,00, despendeu, pelo menos, MOP200.000,00 para pagamento da comissão da agência imobiliária, MOP350.200,00 para pagamento de imposto do selo devido pela autora e MOP8.145,00 para pagamento de despesas notariais relativas à venda. (Q 19.º e 20.º)
*
三. 理由陳述
原審判決內容如下:
“…
1. Da inoponibilidade da venda à autora.
A autora outorgou uma procuração declarando conceder poderes ao primeiro réu para vender um imóvel de que a própria autora era proprietária. Isso não é questionado pelas partes nem na matéria de facto provada o tribunal encontra razões para questionar.
A autora não mandatou o primeiro réu para vender e o réu não se obrigou a vender. Por isso, não existe entre as partes qualquer contrato de mandato (art. 1083º do CC), mas apenas representação voluntária (art. 255º do CC). Também aqui não há controvérsia: a autora apenas declarou que concedia poderes ao réu para vender em nome dela, autora.
O primeiro réu, em representação da autora com base na referida procuração, vendeu efectivamente o imóvel ao terceiro réu. Também não é controvertido.
O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica do representado (art. 251º do CC).
A divergência entre as partes que importa solucionar consiste em saber se a venda vincula a autora/representada. A autora entende que não, dizendo que o seu representante actuou para lá dos limites que lhe competiam. E diz que aqueles limites foram excedidos por duas razões: porque a procuração já se havia extinguido antes da venda e porque, conforme o acordo entre representante e representado, não deveria ser feita a venda.
Para solucionar a divergência três questões se colocam: se a procuração já se havia extinguido na data em que foi celebrado o contrato de compra e venda; se o procurador excedeu os poderes concedidos pelo mandante e se o comprador tinha conhecimento da extinção e/ou do excesso de representação na data da celebração do contrato de compra e venda.
Da extinção da procuração.
A procuração extingue-se quando cessa a relação jurídica que lhe serve de base, dispõe o art. 258º, nº 1 do CC.
A autora disse que a procuração foi outorgada para garantir que restituiria a quantia que o primeiro réu lhe havia emprestado e disse ainda que já havia restituído tal quantia quando o primeiro réu utilizou a procuração para vender.
A relação jurídica que serviu de base à outorga da procuração foi, na alegação da autora, a garantia de um empréstimo. E essa relação jurídica cessou, também segundo alegou a autora, pelo cumprimento da obrigação garantida. Cumprida a obrigação garantida, cessou a garantia e extinguiu-se o instrumento da garantia, a procuração.
Quer a razão justificativa da outorga da procuração, quer o pagamento do empréstimo são factos que pertencem ao ónus da prova da autora, pois que são constitutivos do direito que invoca de ficar imune à actuação do seu procurador.
Pois bem, nos factos provados não pode concluir-se que a autora restituiu ao primeiro réu a quantia mutuada, cumprindo a obrigação de restituição cuja garantia através de procuração era a relação jurídica que serviu de base à outorga da procuração.
Mesmo que se conclua que é uma relação jurídica de garantia a relação jurídica que esteve na basa da outorga da procuração, não está demonstrado que essa relação cessou de modo a determinar a extinção da procuração. Com efeito, não foi alegado nem provado prazo para extinção da garantia/procuração nem outro acordo quanto à sua extinção. Por outro lado, não se provando a extinção da obrigação garantida (pelo cumprimento), não pode concluir-se pela extinção necessária, lógica e consequente da garantia.
Não pode, pois, concluir-se pela extinção da procuração no momento da celebração da compra e venda.
Do abuso dos poderes de representação.
A autora sustenta a alegação do abuso de representação dizendo que acordou com o primeiro réu que a procuração que outorgou não seria usada para vender o imóvel e que se destinava apenas a garantir o empréstimo (garantir o cumprimento da obrigação de restituir a quantia mutuada) e dizendo ainda que o primeiro réu traiu o acordo e vendeu utilizando a procuração para esse acto de vender.
O abuso dos poderes de representação pode também conduzir à ineficácia da actuação do representante relativamente ao representado (arts. 262º e 261º do CC).
Porém, provou-se que a autora declarou conceder poderes ao primeiro réu para vender (al. d) da factualidade provada), mas a autora não logrou provar o acordo de não utilização efectiva da procuração, o qual delimitaria os poderes do procurador advindos da procuração. Cabia-lhe o ónus da prova. Terá de ver improceder esta sua tese de abuso dos poderes de representação.
2. Da obrigação do procurador restituir o preço ao representado.
a) Considerações gerais.
Não procedendo a pretensão da autora de ver reconhecido que na sua esfera jurídica a venda não tem efeitos, resta então saber se os efeitos que tem o exercício da procuração geram na esfera jurídica do réu procurador a obrigação de entregar à autora representada o preço que recebeu em nome desta.
Nesta parte a controvérsia dos autos resume-se do seguinte modo: A autora proprietária vendedora pretende que o réu, seu procurador, lhe entregue a parte do preço que recebeu em nome dela e que não utilizou para pagar uma dívida hipotecária da própria autora. Já o réu procurador diz que utilizou aquela parte do preço para pagar outras dívidas da autora relacionadas com a venda (comissão de agente imobiliário, imposto do selo a cargo da autora e despesas notariais) e que ainda utilizou para ele próprio receber a quantia que havia emprestado à autora e juros por esta devidos.
O Direito que regula esta situação jurídica é claro. É evidente que o procurador que recebeu coisa alheia não pode recusar restituí-la ao seu dono, salvo se tiver um título que lhe permita deter, reter ou possuir, como é o caso do locador, do retentor e do possuidor de um direito real menor. Também se o procurador tiver uma razão jurídica para fazer sua a coisa que recebeu em representação de outrem, como é o caso do credor com direito de compensação, pode recusar a restituição. O direito de exigir a restituição é regra primordial dos direitos reais, pois que, reconhecido o direito sobre uma coisa, só pode ser recusada a restituição nos casos previstos na lei (arts. 1235º e 1240º do CC).
Lembre-se que o procurador não é mandatário e não recebeu o preço em cumprimento de nenhum contrato de mandato, razão por que não estamos em presença de um direito de crédito no que respeita à obrigação de restituir o preço. Neste particular, a pretensão da autora configura uma acção de reivindicação de coisa fungível, uma vez que reivindica o preço que lhe pertence e que em sua representação o réu procurador recebeu em dinheiro. A clareza do Direito atrás enunciado para esta situação leva à conclusão segura que o recebimento do preço pelo réu em representação da autora é facto constitutivo do direito à restituição e, portanto, cabe no âmbito do ónus da prova da autora. Impõe-se também a conclusão que cabe ao réu o ónus de alegação, por via de excepção peremptória, dos factos impeditivos do direito do proprietário à restituição, factos relativos à detenção titulada que justificam a recusa da restituição. E incumbe-lhe também o ónus de prova de tais factos.
A autora provou que o réu recebeu e que detém e o réu alegou e provou o destino que deu ao preço que recebeu (pagamento de comissão da agência imobiliária, imposto do selo, despesas notariais, compensação de créditos). Ambos cumpriram o ónus de prova que sobre cada um deles impendia.
A autora logrou provar que o réu procurador recebeu o preço da venda que fez em nome da autora (HKD3.400.000,00). Dessa quantia o réu procurador pagou uma dívida da autora a terceiros e por isso a ré não pede a condenação do autor a entregar-lhe essa parte do preço (HKD2.230.000,00 – al. k) da factualidade provada).
A questão coloca-se quanto à parte restante do preço (HKD1.170.000,00). O réu recebeu-a e utilizou-a, mas não a entregou à autora. Resta saber se a utilizou de forma permitida pelo Direito que regula a sua situação enquanto procurador e credor da autora. Provou-se que o réu procurador usou a parte do preço reclamada pela autora para pagar a comissão da agência imobiliária (HKD200.000,00 – al. aa) da factualidade provada), despesas notariais (MOP8.145,00), imposto do selo a cargo da autora (MOP350.200,00) e para compensar um crédito seu sobre a autora.
Resta saber se o Direito consente a recusa de restituição com tais fundamentos que o réu invocou, pois, como se disse, “havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei – art. 1235º, nº 2 do CC”.
Pois bem, tal Direito há-de procurar-se em primeiro lugar no regime da representação, pois que foi o regime que as partes discutiram ao longo do processo. Mas também se deve procurar noutros institutos, pois que “iura novit curia”, não havendo nessa procura do Direito aplicável aos factos provados qualquer excesso de conhecimento por parte do tribunal, mesmo considerando que as partes não discutiram esse direito.
b) Quanto à comissão da agência imobiliária.
Poderá o réu procurador recusar restituir a parte do preço que recebeu e utilizou para pagar a comissão da agência imobiliária que o auxiliou na venda?
i. O regime jurídico da representação voluntária.
O procurador não é mandatário, como já se deixou dito atrás. O procurador age em nome de outrem, o mandatário age por conta de outrem e deve prestar contas tendo direito a receber as despesas indispensáveis que fez na execução do mandato (arts. 1087º e 1093º do CC). Tanto o mandatário como o procurador podem socorrer-se de auxiliares na execução do mandato e da procuração (arts. 257º, nº 4 e 1091º do CC). É dos princípios interpretativos da lei que quem tem um dever tem de ter os meios de o cumprir e que quem tem um poder deve ter os meios para o exercer. Mas o mandato é sempre conferido no interesse do mandante, embora possa ser no interesse de mandante e mandatário. Já a representação pode ser apenas no interesse do representante, como foi no caso dos presentes autos em que a representação se destinou a garantir a satisfação de um crédito do representante sobre o representado, sendo o representante o único interessado na representação para poder obter satisfação do seu crédito. E é aí que está o critério de decisão. Sem ter de remontar a Savigny e Jering e à vontade e ao interesse como fundadores dos direitos subjectivos, crê-se que a solução da questão em apreço deve encontrar-se no interesse. É o interessado na realização da despesa que a deve suportar. É que à representação voluntária no interesse exclusivo do representante e fora do contrato de mandato não é aplicável a obrigação do mandante de reembolsar as despesas indispensáveis à execução do mandato. E foi o réu procurador o interessado na realização da despesa com a agência imobiliária. Não tem no regime da representação voluntária meio de imputar tal despesa à autora. O representante tem poderes de representação, mas exerce a representação no seu exclusivo interesse, pelo que também a exerce às suas exclusivas custas, não podendo satisfazer o seu interesse às custas do representado que não tem interesse na representação.
ii. O regime jurídico da gestão de negócios.
Tendo concluído que o regime da representação voluntária não confere ao representante o direito ao reembolso das despesas que teve com auxiliares da execução da procuração, quando essa procuração foi conferida no exclusivo interesse do representante, cabe agora apurar se o regime da gestão de negócios pode acudir à pretensão do réu procurador (primeiro réu) que assumiu a direcção da venda da propriedade de outrem com recurso a agente imobiliário.
Mas tal regime não lhe pode acudir. É que o direito ao reembolso das despesas feitas pelo gestor de negócios depende de serem indispensáveis e de ter a gestão decorrido “em conformidade com o interesse e a vontade, real ou presumível, do dono do negócio” ou que este se enriqueça com a gestão (art. 462º, nºs 1 e 2 do CC) e nada nos factos provados permite concluir por tal conformidade com o interesse e a vontade, nem pelo enriquecimento, nem pela indispensabilidade das despesa.
iii. O regime jurídico da responsabilidade por incumprimento contratual.
O réu procurador disse também que vendeu a fracção da autora para poder satisfazer o seu próprio crédito porque a autora não cumpriu voluntariamente a sua obrigação de restituir oriunda de um contrato de mútuo. O incumprimento contratual gera na esfera jurídica do inadimplente a obrigação de indemnizar o credor pelos prejuízos sofridos com o incumprimento culposo (art. 787º do CC). O réu procurador para obter cobrança do seu crédito teve despesas com pagamento de comissão da agência imobiliária. Pode exigir o reembolso ao devedor relapso a título de dano decorrente do incumprimento?
Para poder exigir as referidas despesas a título de indemnização têm as mesmas de se considerar causadas pelo incumprimento. Com efeito, a obrigação de indemnizar só abrange os danos causados ao devedor com um nexo de causalidade adequada com o incumprimento (art. 557º do CC). Tal causalidade consiste num juízo de probabilidade de ocorrência do dano em consequência do incumprimento. Ora, existe probabilidade de o credor ter de suportar despesas com a agência imobiliária em consequência do incumprimento do contrato de mútuo garantido com uma procuração para venda de um imóvel? A resposta impõe-se negativa. Os danos prováveis do incumprimento são os decorrentes da privação da prestação incumprida. Assim, se alguém adquiriu um veículo automóvel para utilizar como táxi e o veículo não é entregue pelo vendedor, os danos prováveis são os lucros não obtidos com a utilização que se pretendia fazer. E se alguém comprou uma casa para habitar e não lhe foi entregue, os seus prováveis danos são as rendas e outras despesas que teve de suportar com outra casa. O dano mais provável da privação de uma quantia monetária que era devida são os juros que tal quantia poderia produzir enquanto frutos civis não auferidos. É por isso que o nº 1 do art. 795º do CC dispõe que “na obrigação pecuniária a indemnização corresponde aos juros a contar do dia da constituição em mora”. A taxa de juro pode ser ou não igual à taxa legal, mas o dano com adequação, com nexo de causalidade e com probabilidade são os juros quando está em causa a privação da disponibilidade de uma quantia monetária.
Não pode misturar-se o dano decorrente do incumprimento da obrigação de restituir com o dano decorrente da execução da garantia de cumprimento.
Assim, por falta de um dos pressupostos da obrigação de indemnizar (nexo de causalidade entre o incumprimento e a despesa/dano), também no regime da responsabilidade por incumprimento contratual não encontra o réu acolhimento para a excepção que opôs ao dever de restituir o preço que recebeu em representação da autora e que despendeu no pagamento da comissão da agência imobiliária.
iv. Em conclusão.
Na factualidade apurada nos presentes autos não se encontra nada de jurígeno capaz de gerar qualquer realidade jurídica que possa justificar que a autora seja responsável pelo reembolso ao primeiro réu da despesa por este suportada com o pagamento da comissão da agência imobiliária e que possa justificar que o primeiro réu possa recusar a correspondente restituição do preço de que o representado é dono.
Improcede, pois, nesta parte a excepção do réu procurador.
c) Quanto às despesas notariais.
Também esta parte da excepção do réu procurador improcede pelas mesmas razões por que improcede na parte relativa às despesas com o pagamento da comissão da agência imobiliária. Com efeito, a situação é idêntica quanto ao interesse na representação, quanto à gestão de negócios e quanto ao direito a indemnização por incumprimento contratual. E, utilizando a expressão do nº 2 do art. 1235º do CC, também não se vê qualquer outro “caso previsto na lei” que possa fundar a recusa de restituição da parte do preço que o primeiro réu recebeu em representação da autora e que despendeu para pagar despesas notariais com a venda que fez do imóvel da autora.
d) Quanto ao imposto do selo.
O primeiro réu utilizou uma parte do preço que recebeu pela venda que fez em representação da autora para pagar o imposto do selo devido pela mesma autora (al. aa) da factualidade provada).
Do que temos vindo a dizer é já de concluir que o réu procurador só terá fundamento para recusar entregar o preço ao proprietário representado no âmbito da gestão de negócios, pois que nesta questão não se coloca qualquer situação de indemnização por incumprimento contratual nem qualquer actuação dentro dos poderes de representação conferidos pela autora.
Vejamos então.
Nos termos do disposto no art. 458º do CC, “dá-se a gestão de negócios, quando uma pessoa assume a direcção de negócio alheio no interesse e por conta do respectivo dono, sem para tal estar autorizada”.
Foi o que o primeiro réu fez. Assumiu a direcção do pagamento do imposto do selo devido pela autora sem para tal ter poderes de representação ou outra autorização e fê-lo por conta da autora e no interesse desta, a qual assim vê cumprida com dinheiro seu uma obrigação fiscal também sua.
O primeiro réu actuou, pois, no âmbito da gestão de negócios alheios.
Verificados que estejam determinados pressupostos, esta fonte das obrigações gera na pessoa dona do negócio o dever de reembolsar as despesas indispensáveis feitas pelo gestor (art. 462º do CC) e gera também o dever de ratificar a boa gestão feita pelo gestor e o dever de assumir para si os actos praticados pelo gestor, quer em nome do dono do negócio, quer em nome do próprio gestor. Com efeito, se a gestão for feita em nome do dono do negócio, o gestor representa-o sem poderes de representação e se o gestor actuar em nome próprio aplica-se o regime do mandato sem representação, nos termos do disposto no art. 465º do CC.
O que releva é que o gestor actue “em conformidade com o interesse e a vontade, real ou presumível, do dono do negócio” (art. 462º do CC). E o primeiro réu actuou claramente em conformidade com o interesse e com a vontade presumível da autora em face da venda validamente feita pelo seu representante. A vontade presumível da autora é a de honrar o pagamento das suas dívidas fiscais. Nem pode ser outra em face dos dados dos autos em que não se levantam quaisquer dúvidas contra a obrigação fiscal da autora. Assim, a autora, enquanto dona do negócio, tem o dever de reembolsar a despesa fundadamente julgada indispensável pelo gestor e julgada também indispensável por qualquer pessoa respeitadora das obrigações fiscais.
Por outro lado, caso o primeiro réu tenha procedido ao pagamento do imposto invocando que o fazia em nome da autora, o que se desconhece, então a autora, porque outorgou procuração ao primeiro réu para este vender, contribuiu para que os Serviços de Finanças pudessem fundadamente confiar que o primeiro réu tinha poderes de representar a autora no pagamento do imposto e, logo, a autora deve assumir para si esse pagamento. É a economia do nº 2 do art. 261º do CC ao dispor que “… o negócio celebrado por representante sem poderes é eficaz em relação ao representado, independentemente de ratificação, se tiverem existido razões ponderosas, objectivamente apreciadas, ..., que justificassem a confiança do terceiro de boa fé na legitimidade do representante, desde que o representado tenha conscientemente contribuído para fundar a confiança do terceiro”.
Por outro lado ainda, caso o primeiro réu tenha procedido ao pagamento do imposto invocando que o fazia em seu próprio nome, o que também se desconhece, então a autora, nos termos do disposto nos arts. 465º e 1108º do CC deve reembolsar o primeiro réu como se fosse seu mandatário.
Procede, pois, de acordo com o regime jurídico da gestão de negócios a excepção do primeiro réu, não tendo este que devolver à autora a parte do preço que recebeu pela venda que fez do imóvel da autora e que despendeu no pagamento do imposto do selo devido pela própria autora (MOP350.200,00).
E não se diga em contrário, como faz a autora nas suas alegações de Direito na tentativa de afastar que a gestão de negócios fosse no interesse da própria autora, que a autora não teria de pagar o imposto se a sua casa só fosse vendida mais tarde. O interesse da autora em honrar a sua dívida fiscal é diferente do interesse em contrair a dívida fiscal. A autora seguramente não em interesse em contrair a dívida fiscal, mas, uma vez contraída esta dívida, tem interesse em pagá-la. Ora, a dívida foi validamente contraída, pois o primeiro réu tinha poderes para vender e, a vendendo validamente dentro dos poderes que tinha, gerou a obrigação tributária da autora.
Conclui-se, pois, que o primeiro réu pode deduzir no preço a quantia que pagou pela autora a título de imposto.
e) Quanto à compensação de créditos.
Considerações gerais.
O primeiro réu pretende ainda recusar a devolução de parte do preço por pretender utilizá-lo para pagar o seu próprio crédito sobre a autora.
A controvérsia é aqui linear: o réu diz que a autora lhe conferiu procuração para garantir a obrigação de restituição da quantia mutuada com juros remuneratórios e que, como a autora não cumpriu aquela obrigação, a qual se venceu após interpelação, o réu utilizou a procuração, vendeu e pagou a si próprio a dívida da autora.
Como resulta da epígrafe do capítulo iniciado com o art. 828º do CC, a compensação de créditos é uma forma de extinção das obrigações diferente do cumprimento.
Vejamos se o instituto da compensação de créditos concede ao réu procurador a faculdade de recusar a restituição nos termos do já referido nº 2 do art. 1235º do CC.
Já se concluiu que o réu procurador deve restituir o preço à autora (HKD3.400.000,00), com excepção da parte que esta não peticionou (HKD2.230.000,00) e com excepção da parte que utilizou para pagar o imposto do selo devido pela autora (MOP350.200,00).
Também é inquestionável que a autora deve restituir a quantia que recebeu do primeiro réu (HKD500.000,00). É uma obrigação do mutuário, decorrente do contrato de mútuo que a autora e o primeiro réu celebraram e que não questionam aqui (art. 1070º do CC).
Dispõe o art. 838º do CC no seu nº 1 que “quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio da compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos cumulativos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele excepção, peremptória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas obrigações por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade”.
Todos os pressupostos da compensação se verificam no caso dos autos. Apenas a exigibilidade do crédito do primeiro réu reclama algumas considerações. Na verdade, é inegável que as duas obrigações têm por objecto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade e nenhuma excepção, peremptória ou dilatória, de direito material foi oposta pela autora ao crédito do primeiro réu de forma a merecer procedência. Com efeito, apenas foi excepcionado o pagamento, mas de forma improcedente por não se ter provado. E cabia à autora alegar e provar as razões impeditivas do direito do réu à compensação de crédito.
Da exigibilidade do crédito do primeiro réu (juros).
Os créditos são exigíveis judicialmente se as correspectivas obrigações estão vencidas e se a sua exigibilidade por via judicial não está excluída, como ocorre com as obrigações naturais.
Por regra, as obrigações vencem-se no termo do seu prazo de vencimento ou por interpelação, se não têm tal prazo.
O autor alegou que foi acordado em 12/04/2017 que se não fosse constituída em 180 dias a hipoteca garantindo o empréstimo a autora tinha de pagar juros à taxa anual de 29% desde o dia da celebração do mútuo (12/04/2017). E alegou também que a referida hipoteca não foi constituída. É certo que tais factos não foram submetidos a julgamento por não terem sido selecionados originariamente no despacho de selecção da matéria de facto nem terem sido aditados à base instrutória posteriormente, mas devem aqui ser considerados como provados, pois que foram alegados, não foram impugnados e, nos termos do art. 562º, nº 3 do CPC, devem ser aqui objecto de solução de Direito. Com efeito, de acordo com tal normativo, devem ser considerados na fundamentação da sentença, não os factos que foram seleccionados no despacho saneador como assentes e controvertidos, mas “os factos admitidos por acordo ou não impugnados, provados por documento ou por confissão” escrita “e os que o tribunal considerar provados…”. Ora, o acordo de constituição de hipoteca em 180 dias e de vencimento de juros e a falta de constituição de hipoteca são factos que foram alegados e estão assentes por falta de impugnação. Devem pois ser tomados em conta na presente sentença.
Está, portanto, assente que, nos termos acordados (art. 400º do CC) a autora deve pagar ao primeiro réu juros do empréstimo de HKD500.000,00 desde 12/04/2017, remuneratórios enquanto o contrato de mútuo vigorar e moratórios em caso de mora do devedor, mas sempre à taxa anual de 29% (art. 795º, nº 2 do CC).
Tal obrigação de juros está vencida, não carecendo de interpelação para se vencer. Com efeito, tem prazo, vencendo-se anualmente e, na falta de acordo em contrário, deve ser paga no domicílio do credor (art. 794º, nº 2, al a) e nº 4 e art. art. 763º do CC).
Está, pois, demonstrado o crédito de juros do primeiro réu. E está demonstrado que é judicialmente exigível, pelo que reúne este requisito de compensação.
Da exigibilidade do crédito do primeiro réu (capital emprestado HKD500.000,00)?
Aqui a situação é um pouco mais complexa. De facto, tal como as partes alegaram, a obrigação de restituição do capital mutuado não tinha prazo de vencimento, necessitando de interpelação para se vencer (art. 794º, nº 1 do CC).
O primeiro réu alegou, e provou por falta de impugnação, que não foi convencionado prazo para restituição. Assim, só a interpelação leva ao vencimento da obrigação da ré restituir a quantia mutuada (arts. 766º e 794º, nº 1 do CC). O primeiro réu alegou a interpelação, mas desta vez a autora impugnou na réplica (art. 27º da réplica da autora à contestação do primeiro réu). Os factos relativos à interpelação não foram submetidos a julgamento por nunca terem sido inseridos na base instrutória, nem originalmente, nem através de reclamação, nem em sede de audiência de julgamento, nos termos da al. f) do art. 553º do CPC. Não podem, pois, ser aqui considerados.
Porém, outro facto ocorre que pode ser aqui conhecido, está provado e pode “salvar” a referida situação processual patológica: a notificação da contestação do primeiro réu à autora.
Tal notificação tem de valer como interpelação por aplicação analógica da regra processual que atribui à citação o efeito de provocar o vencimento da obrigação pura ou sem prazo (arts. 565º, nº 3 do CPC) e também por aplicação directa da norma substantiva do art. 794º, nº 1 do CC sobre interpelação judicial. Com efeito, com a notificação da contestação a autora fica a saber que o primeiro réu pretende receber a quantia que emprestou e que a pretende compensar com o preço que recebeu em nome da autora.
O tribunal pode aqui conhecer da referida notificação. É que a situação fáctica que a sentença deve solucionar é aquela que “corresponda à situação existente no momento da discussão” (art. 566º, nº 1 do CC) e que foi alegada pelas partes ou resulta dos termos do art. 5º do CPC, designadamente factos de conhecimento oficioso como é a notificação feita nos autos (arts. 566º, nº 1 e 567º do CPC). Pode pois levar-se em conta na pressente sentença o facto que consiste em a autora ter sido notificada da contestação do primeiro réu (facto que tem o efeito jurídico de interpelação, como se referiu).
Portanto, no momento do encerramento da discussão estava vencida a obrigação da autora de restituir a quantia mutuada.
Está, pois, vencida também a obrigação da autora de restituir a quantia mutuada, pelo que pode ser compensada com a obrigação do primeiro réu restituir o preço que recebeu em nome da autora.
Síntese acerca da compensação de créditos.
A compensação opera por comunicação ao credor (art. 839º, nº 1 do CC). Ora, não pode também deixar de atribuir-se à notificação da contestação o efeito de comunicação da vontade do primeiro réu de compensar créditos.
Assim, o primeiro réu recebeu em nome da autora HKD3.400.000,00. Deste valor, utilizou HKD2.230.000,00 para saldar a dívida hipotecária da autora (valor que não é peticionado pela autora); utilizou HKD340.000,00 para pagar o imposto do selo devido pela autora (MOP350.200,00:1,03); e utilizou HKD500.000,00 para compensar o crédito sobre a autora (restituição da quantia mutuada). Resta na posse do primeiro réu HKD330.000,00 (3.400.000 – 2.230.000 – 340.000 – 500.000 =330.000,00).
Nesta quantia de HKD330.000,00 têm de ser deduzidos os juros remuneratórios acordados nos termos supra referidos (29% ao ano).
Tais juros são devidos desde 12/04/2017 até 7/6/2018 sobre a quantia de 500.000,00 e sobre a quantia de HKD307.643,00 desde 08/06/2018 a 10/08/2018. Na verdade, o réu recebeu HKD100.000,00 em 25/5/2018 (al. f) dos factos provados), mas tal quantia era insuficiente para pagamento dos juros então devidos. Só em 7/6/2018 o réu recebeu quantia suficiente para pagamento dos juros então devidos (HKD260.000,00 - al. h) da factualidade provada) e ainda excedeu HKD192.357,00 (360.000 - 167.643 [[(500.000 x 29%) ÷ 365] x 422 dias]) para imputar no capital emprestado, que ficou reduzido a HKD307.643,00 (500.000 - 192.357), continuando a vencer juros até 10/8/2018, data em que foi recebida pelo réu quantia que lhe permitiu receber todo o capital emprestado.
Deve, pois, ser deduzida a quantia de HKD183.286,00 (167.643 + 15.643 [[(307.643 x 29%) ÷ 365] x 64 dias]) a título de juros.
Deve assim o réu restituir à autora a quantia de HKD146.714,00 (330.000 - 183.286), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento.
Conclui-se pois que só uma parte do crédito da autora sobre o primeiro réu (receber do primeiro réu a parte do preço por este recebida em representação da própria autora e não utilizada para pagar dívidas da autora) foi validamente compensado com o crédito do primeiro réu sobre a autora, pelo que só nessa parte se extinguiu a obrigação do réu, situação que confere a este réu o direito de recusar a restituição à autora de apenas parte do preço da venda e determina a improcedência parcial da pretensão da autora.
3. Da reconvenção do segundo réu comprador.
A reconvenção do segundo réu foi deduzida subsidiariamente, para o caso de não ser oponível à autora a compra e venda. Como não se concluiu pela inoponibilidade, não há que apreciar o pedido reconvencional.
4. Da inoponibilidade da hipoteca.
A autora entende que não lhe sendo oponível a venda, não lhe é oponível a actuação do comprador onerando com hipoteca a coisa comprada. Trata-se de um vício negocial em cadeia. Trata-se de uma ilegitimidade substantiva do comprador que adquiriu em contrato viciado e relativamente ineficaz por não ser oponível ao vendedor e, por isso, não pode o comprador onerar a coisa adquirida com limitações com hipoteca oponível ao vendedor. Trata-se de uma aquisição sem oponibilidade à autora e, portanto, sem possibilidade de ser exercida contra a autora onerando a coisa adquirida.
Já concluímos que a compra e venda não padece de ineficácia jurídica relativamente à autora, pelo que há que concluir também que tal inexistente vício do contrato de compra e venda não se transmitiu ao negócio jurídico de constituição de hipoteca.
Improcede, pois, também esta pretensão da autora.
5. Da litigância de má-fé.
O primeiro réu acusou a autora de litigar de má-fé por ter alegado que restituiu a quantia que lhe foi emprestada e por tal restituição não ter ocorrido.
“Diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave”, entre outras situações, “tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa” (art. 385º, nº 2, al. b) do CPC).
Dos autos resulta apenas que não se provou que a autora restituiu. Porém, tal situação não significa que esteja provado que não restituiu, pois a falta de prova de um facto não equivale à prova do facto contrário.
Não está, pois, demonstrado nos autos que a autora litigou alegando factos que sabia não terem acontecido, razão por que não se pode concluir que é de qualificar a forma de litigância da autora como sendo de má-fé.
6. Em conclusão.
1. Contrariamente ao que era seu ónus, a autora não logrou demonstrar que já havia restituído ao primeiro réu a quantia que este lhe emprestara quando este utilizou a procuração que a autora lhe outorgara para garantia de do empréstimo e vendeu o imóvel da autora. Assim, não logrou a autora demonstrar que já estava extinta a procuração quando foi utlizada, pelo que improcede a sua pretensão de não lhe ser oponível a venda feita através de procuração extinta.
2. Também contrariamente ao que era seu ónus, não logrou a autora demonstrar que acordou com o primeiro réu que a referida procuração não seria utilizada para vender e que apenas se destinava a garantir o empréstimo, razão por que não pode concluir-se que o primeiro réu excedeu os seus poderes de representação quando vendeu, sendo improcedente a pretendida inoponibilidade da venda derivada do abuso de poderes de representação.
3. Tendo o primeiro réu utilizado o preço que recebeu pela venda que fez do imóvel da autora no pagamento de dívidas da aurora e para compensação do seu crédito sobre a autora, tem obrigação de restituir à autora a parte do preço que não foi compensada.
4. Não procedendo a pretensão da autora de ineficácia da venda do seu imóvel, não há que conhecer do pedido do segundo réu de condenação da autora a devolver-lhe o preço que pagou pela compra, pedido que foi feito para o caso de proceder a referida ineficácia.
5. Não procedendo a pretensão da autora de ineficácia da venda do seu imóvel, também não procede a sua pretensão de ineficácia subsequente da hipoteca que o comprador, segundo réu, constituiu a favor do terceiro réu.
6. Não se encontra litigância de má-fé por parte da autora.
*
V – DECISÃO
Pelo exposto, julga-se a acção parcialmente procedente, julga-se prejudicado o conhecimento da reconvenção do segundo réu e, em consequência, decide-se:
a) Condenar o primeiro réu (B) a pagar à autora (A) a quantia de HKD146.714,00 (330.000 - 183.286), acrescida de juros de mora à taxa legal, contados desde a citação até integral pagamento;
b) Absolver os réus do demais peticionado em acção;
c) Não conhecer da reconvenção.
…”。
我們完全認同原審法院就有關問題作出之論證及決定,故根據《民事訴訟法典》第631條第5款之規定,引用上述決定及其依據,裁定上訴理由不成立。
*
四. 決定
綜上所述,裁決原告的上訴不成立,維持原審決定。
*
訴訟費用由原告承擔。
作出適當通知。
*
2022年09月15日
何偉寧
唐曉峰
李宏信
1
418/2022