卷宗編號:588/2023
(對澳門以外地方之法院或仲裁員所作裁判之審查案)
日期: 2024年4月18日
主旨: 遺囑認證裁判之審查及確認
裁 判 要 旨
一. 對澳門以外法院裁判的確認須符合澳門《民事訴訟法典》第1200條所列之各項要件,其中a及f項所述之內容由法院依職權作出認定(見同一法典第1204條)。
二. 如卷宗所載資料,或因履行審判職務獲悉其中存在不符合上引第1200條b, c, d及e項任一要件之事宜,法院不應確認有關裁判。
三. 由於澳門《民法典》第2147條及續後亦設有類似制度,故澳門以外的法院作出之關於執行遺囑之判決並不違反澳門法律體系之基本原則,亦無侵犯澳門地區之公共秩序。
四. 對於香港特別行政區法院作出之執行遺囑認證判決之確認,本法院無需作實體審查,由於有關判決符合《民事訴訟法典》第1200條之各項要件,故應予與確認。
裁判書製作法官
馮 文 莊
澳門特別行政區中級法院合議庭裁判
卷宗編號 : 588/2023
(對澳門以外地方之法院或仲裁員所作裁判之審查)
日期 : 2024年4月18日
聲請人 : - (A)
被聲請人 : - (B)
- (C)
- (D)
- (E)
- 不確定利害關係人 (Interessados incertos)
*
I. 概述
(A) (下稱聲請人),針對(B)、(C)、(D)、(E)及不確定利害關係人(Interessados incertos) (下稱第一至第五被聲請人),身份資料詳載於卷宗內,提起審查及確認外地裁判之特別程序,要求本中級法院確認香港特別行政區高等法院發出的第HCAG00xxx/2022號的遺囑認證,理據如下:
1.(G), irmã da ora Autora, faleceu em Hong Kong no dia 26 de Março de 2022, no estado de casado com o Primeiro Réu, tendo a sua última residência habitual em Hong Kong, XXX ("a Falecida").
2. A Falecida deixou testamento (Last Will), datado de 30 de Maio de 2021 (“o Testamento"). (cf. Doc. n.º 1 que se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3. A Falecida deixou bens não só situados em Hong Kong, mas também em Macau.
4. Do património hereditário da Falecida, fazem parte, nomeadamente, os seguintes bens localizados em Macau:
i) a fracção autónoma - designada por "Cx", correspondente ao xº andar, "C", para habitação, do prédio urbano denominado "XXX", inscrito na matriz predial sob o número XXXx e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número 22xx-XIII - propriedade adquirida pela Falecida e pelo Primeiro Réu na constância do casamento ("1ª Verba") (cf. Doc. n.º 2 que se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); e
ii) o saldo de todas as contas bancárias abertas pela Falecida junto das instituições bancárias situadas em Macau ("2ª Verba") (cf. Doc. n.º 1 que se junta supra).
5. Ao abrigo do parágrafo 4º do Testamento, o Primeiro Réu foi nomeado como legatário da 1ª Verba, e, por seu turno, os irmãos da Falecida, a ora Autora, a Segunda Ré, a Terceira Ré e o Quarto Réu, foram nomeados como legatários da 2ª Verba por partes iguais.
6. Em 31 de Maio de 2022, o Tribunal Superior da Região Administrativa Especial de Hong Kong ("the High Court of the Hong Kong Special Adminstrative Region"), proferiu a decisão sob o número HCAG00xxx/2022, (em Inglês: "Probate" ou em chinês: "遺囑認證" ), a qual se traduz na homologação sucessória do testamento da Falecida, que assim foi julgado válido e registado no referido Tribunal ( "Decisão Revidenda") (cf. Doc. n.º 1 que se junta supra).
7. E através da qual foram concedidos poderes de administração de todos os bens que integram o acervo hereditário da Falecida à Autora, na qualidade de única executora da herança (cf. Doc. n.º 1 que se junta supra).
8. A Decisão Revidenda transitou em julgado de acordo com as leis de Hong Kong.
9. De acordo com a Lei de Homologação de Testamento e Administração de Heranças de Hong Kong (denominado em Inglês: "Probate and Administration Ordinance" e em chinês: "遺囑認證及遺產管理條例") Cap.10, nomeadamente na sua Parte III, sessões 24 e 24A, n.º (3), se uma pessoa morrer em Hong Kong deixando testamento válido e, havendo bens imóveis e/ou sendo muitos os bens deixados pelo falecido, a pessoa nomeada para executar o testamento deve, em primeiro lugar, proceder ao registo de inventário junto do Tribunal Superior de Hong Kong.
10. Ainda nos termos da mesma Lei, estando registado o inventário, a pessoa que consta deste registo tem a responsabilidade de recolher e distribuir todo o espólio do falecido.
11. Ora, trata-se de um processo em tudo similar aos de habilitação de herdeiros e de partilha extrajudicial da herança em Macau.
12. No entanto, as verbas acima descritas não podem ser administrados pela Autora, conforme a última vontade da Falecida consignada no Testamento, enquanto a Decisão Revidenda não produz na sua plenitude os seus efeitos na ordem jurídica de Macau.
13. Pelo que a revisão e confirmação da mesma se impõe para que dessa forma, possa conferir a exequibilidade à Decisão Revidenda proferida pelo tribunal estrangeiro e permita efectivar a sucessão dos bens aqui deixados pela Falecida.
14. É uniforme tanto na doutrina como na jurisprudência que vigora em Macau o regime de revisão formal, limitando-se o tribunal a verificar os requisitos de forma e condições de regularidade sem ter de dar lugar a novo julgamento tanto da questão de facto como de direito, conforme estabelecido no artigo 1200º do Código de Processo Civil.
15. Ora, no presente caso, não se levantam dúvidas sobre a autenticidade nem sobre a inteligibilidade da Decisão Revidenda por ter sido devidamente certificada pelo Tribunal Superior da RAEHK, preenchendo assim, o requisito estatuído no n.º 1, alínea a) do art. 1200.º do CPC.
16. O Venerando Tribunal da Segunda Instância é o competente para apreciar a presente acção, conforme dispõe a alínea 14) do artigo 36° da Lei n.º 9/1999 de 20 de Dezembro, republicada pela Lei n.º 4/2019.
17. Quanto à questão de saber se a decisão em causa é efectivamente uma decisão definitiva e transitada, nas palavras deste Venerando Tribunal, "sempre se refere que não há elementos que permitam duvidar de que a sentença revidenda esteja, importando atentar que estamos perante uma decisão proferida no âmbito da Common Law, onde não é usual tal certificação, não obstante a existência de um regime da res judicata condition"1 (realce nosso)
18. Razão pela qual a decisão judicial sujeita à revisão e confirmação se deve ser considerada transitada em julgado de acordo com a lei do local em que correu termos, preenchendo assim, o requisito estatuído no n.º 1 alínea b) do artigo 1200.º do CPC.
19. A Decisão Revidenda não foi proferida por tribunal cuja competência tenha sido provocada em fraude à lei e não versa sobre matéria da exclusiva competência dos Tribunais de Macau.
20. De acordo com o artigo 20.º do CPC,
“A competência dos tribunais de Macau é exclusiva para apreciar:
a) As acções relativas a direitos reais sobre imóveis situados em Macau;
b) As acções destinadas a declarar a falência ou a insolvência de pessoas colectivas cuja sede se encontre em Macau."
21. Mesmo em relação à fracção autónoma acima referida, também não se coloca em questão a competência exclusiva dos tribunais de Macau, pois o que está em causa não é uma acção em que se discutem direitos reais, mas sim, a confirmação e revisão da sentença homologatória do testamento que traduz um acto de disposição dum bem imóvel situado em Macau, mortis causa, a favor do seu cônjuge sobrevivo.
22. No mesmo sentido foi proferida a decisão pelo Venerando Tribunal, "Este artigo2 fala de "acções" e não qualquer decisão. (...) o conceito de acções relativas a direitos reais sobre imóveis não deve ser interpretado no sentido se englobar toda e qualquer acção que se relacione como quer que seja indirectamente, ou se prenda a título secundário ou acessório com um direito real sobre imóvel, alheada do escopo garantístico de faculdades compreendidas na titularidade do direito, mas tão-somente aquelas que tendem a determinar a extensão, a consistência, a propriedade, a posse de um bem imóvel, ou a existência de outros direitos reais sobre estes bens, e a garantir aos respectivos titulares a protecção das prerrogativas emergentes dessa titularidade, tendo no direito real o seu objecto ou fundamento nuclear como causa petendi"3 (Realce nosso).
23. Com efeito, o presente processo não se encontra abrangido pela competência exclusiva dos tribunais de Macau prevista no artigo 20º, n.º al. a) do CPC, pelo que a Decisão Revidenda também respeita o estipulado pelo n.º 1, alínea c) do artigo 1200.º do CPC.
24. A Matéria objecto da Decisão Revidenda não foi sujeito ao conhecimento ou decisão dos Tribunais de Macau, não se verificando excepção de litispendência ou caso julgado que contra aquela possa ser invocada, conforme estabelecido na alínea d) do n.º 1 do artigo 1200º do CPC.
25. Também não se colocam questões relativas à regularidade da citação ou à observância dos princípios do contraditório e da igualdade das partes, devidamente cumprida a lei em vigor na Região Administrativa Especial de Hong Kong, não se verificando qualquer das situações previstas na alínea e) do n.º 1 do artigo 1200.º do CPC.
26. Finalmente, não contém a Decisão Revidenda matéria cujo conhecimento pelo Tribunal conduza a um resultado manifestamente incompatível com os principias da ordem pública de Macau, preenchendo, neste sentido, o n.º 1, alínea f) do artigo 1200.º do CPC.
27. Está assim em condições de ser revisto e confirmado por esse Venerando Tribunal a Decisão Revidenda que homologou o Testamento de (G), in totum, que correu seus termos pelo Tribunal Superior da Região Administrativa Especial de Hong Kong, sob o número HCAG00xxx/2022, atento o disposto nos artigos 1199.º e seguintes do CPC.
Nestes termos e nos melhores de Direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência ser revisto e confirmado por esse Venerando Tribunal a Decisão Revidenda de (G), que correu seus termos pelo Tribunal Superior da Administrativa Especial de Hong Kong, sob o número HCAG00xxx/2022, de forma a produzir na RAEM todos os efeitos legais, designadamente o de execução do referido Testamento.
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依法傳喚第一被聲請人(B),後者作出答辯,理據如下:
I. Da Falta de Interesse em Agir por Parte da Autora
1. A Autora intentou a presente acção especial de revisão e confirmação de decisões proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau pretendendo ver revista e confirmada em Macau, de modo a aqui poder produzir efeitos jurídicos, a decisão proferida pelo Tribunal Superior da Região Administrativa Especial de Hong Kong ("Hong Kong") que considerou válido, registou o testamento de (G), falecida em Hong Kong em Maio de 2022 (a "Falecida"), e atribuiu à Autora a administração de todos os bens que integram o acervo hereditário da Falecida, na qualidade de única executora do mesmo testamento (a "Decisão").
2. Assim, o interesse em agir por parte da Autora no presente caso, consiste, como resulta da petição inicial, na mesma poder via a exercer em Macau, na sequência da revisão e confirmação da Decisão, os poderes que lhe foram atribuídos no testamento alegadamente feito pela Falecida e, dessa forma, aqui executá-lo.
3. Ou seja, o fim último da Autora com a presente acção é proceder à sucessão da Falecida em Macau em conformidade com o testamento objecto da Decisão, exercendo, para o efeito, os poderes de executor que o mesmo lhe confere.
4. Acontece que o testamento objecto da Decisão não é apto a produzir quaisquer efeitos em Macau, pelas razões que infra se expõe, o que torna inútil e sem qualquer efeito a revisão ou confirmação da Decisão.
5. Dispõe o artigo 72° do CPC que há interesse processual em agir sempre que a carência do autor justifica o recurso às vias judiciais.
6. Como decidiu o tribunal da Relação de Guimarães, em Portugal - jurisprudência que nesta contestação se cita a título de direito comparado, dada à semelhança de regulamentação -, no acórdão de 26 de Setembro de 2019, disponível na internet no sítio dgsi.pt:
"I. O interesse em agir constitui pressuposto processual autónomo e consiste na necessidade ou utilidade da demanda, considerado o sistema jurídico aplicável às pretensões, tal como a acção é como configurada pelo Autor.
II. Visando impedir a prossecução de acções inúteis, o interesse em agir obsta ao conhecimento de mérito e impõe a absolvição do demandado da instância, constituindo excepção dilatória inominada.
III. O interesse em agir deve ser analisado à luz dos princípios constitucionais do acesso ao direito e à justiça, de modo a que não vede o acesso necessário ou útil nem permita o acesso inútil"
(destaques pelo Réu)
7. Aplicando a norma e jurisprudência referidas ao caso concreto, é evidente ser inútil rever-se e confirmar-se em Macau uma decisão que se limita a considerar válido, na jurisdição em que foi proferida, um testamento e a atribuir ao executor nele nomeado os poderes para o executar, quando em Macau esse testamento não é apto a produzir quaisquer efeitos.
8. E a verdade é que, no entender do 1° Réu, o testamento objecto da Decisão não é apto a produzir quaisquer efeitos em Macau, tendo em conta o disposto nos artigos 64°, nº2 e 2054°, ambos do Código Civil (CC).
9. Com efeito, contrariamente ao alegado pela Autora no artigo 1º da sua p.i. que vai assim impugnado nessa parte, a Falecida, quer à data da realização do suposto testamento, quer à data da sua morte, tinha residência habitual em Macau, ou, no mínimo, Macau era um dos locais onde tinha residência habitual.
10. Assim é, em primeiro lugar, porque a Falecida, era, desde 31 de Janeiro de 2002 e até falecer, portadora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau com o nº XXX (cfr. cópias do BIR da Falecida que ora se junta como Doc. 1),
11. o que, desde logo, cria uma presunção legal de que a Falecida tinha aqui a sua residência habitual, como decorre da parte final do nº3 do artigo 31º do Código Civil (CC).
12. Acresce que a Falecida residia efectivamente em Macau há muitos anos com o ora 1º Réu, seu viúvo
13. também ele, residente habitual de Macau e portador do Bilhete de Identidade de Residente Permanente com o nº XXX (cfr. Doc. 2, cópia do BIR do Réu),
14. com quem viveu maritalmente até a data da sua morte.
15. O 1º Réu e a Falecida tinham como seu lar conjugal e casa de morada de família a fracção autónoma que o 1° Réu adquiriu em 2002 e cuja certidão se encontra junta aos autos como Doc. 2 do requerimento inicial.
16. A Falecida exercia os direitos e cumpria as obrigações resultantes do seu estatuto de residente de Macau com residência habitual e efectiva em Macau.
17. Designadamente, a Falecida recebia os subsídios e apoios pecuniários atribuídos a residentes de Macau [cfr. notificações, com referencia nº35438/DP/2009, do Fundo de Segurança Social (FSS), e nº353/DFC-CASFA/2014, do Instituto de Acção Social (IASM), relativamente à atribuição da pensão de velhice, notificações do FSS deferindo o levantamento da verba da conta individual de previdência relativamente aos anos de 2014, 2015 e 2018 e comprovativos de recebimento da comparticipação pecuniária relativa aos anos de 2008 a 2013, que ora se juntam, a titulo meramente exemplificativo, como Docs 3 a 13].
18. Era em Macau que a falecida trabalhava e pagava imposto profissional (cfr., também a título meramente exemplificativo, cópia do título de pagamento emitido pela Direcção dos Serviços de Finanças em restituição do Imposto Profissional relativo ao ano de 2006, que ora se junta como Doc. 14).
19. e estava inscrita como eleitora em Macau de modo a poder exercer o seu direito de voto nas eleições locais (Cfr. cópia da notificação dos Serviços de Administração e Função Pública (SAFP) do deferimento do seu pedido de inscrição no recenseamento eleitoral de pessoa singular, que ora se junta como Doc 15)
20. No fundo, era em Macau que a Falecida, juntamente com o seu marido, o ora 1º Réu, tinha centralizada a sua vida.
21. É certo que a Falecida passou os dois últimos anos da sua vida em Hong Kong, onde acabou por falecer.
22. Porém, tal ficou a dever-se ao facto de lhe ter sido diagnosticada graves problemas cardíacos, tendo optado por ser acompanhada em Hong Kong onde várias vezes, durante esse período, teve de ficar internada em hospital.
23. Algures no início de 2020, estando em Hong Kong em tratamento, foram implementadas as conhecidas medidas restritivas de viagens, quer em Macau, quer em Hong Kong, no sentido de limitar a propagação da pandemia provocada pelo vírus Covid19.
24. Como é do conhecimento púbico e facto notório, essas medidas, que vigoraram até finais de 2022, implicavam, quer em Macau, quer em Hong Kong, longos períodos de isolamento em quarentena em hotéis, tonando impossível à Falecida, tendo em conta o seu estado de saúde, frequentes viagens entre Macau e Hong Kong para tratamento.
25. pelo que foi ficando em Hong Kong, mas sempre com intenção e esperança de voltar ao seu lar em Macau,
26. o que, infelizmente, acabou por não acontecer, já que veio entretanto a falecer ainda em plena vigência das medidas restritivas de viagens para controlo da pandemia, como é público e notório,
27. vitima dos problemas cardíacos de que padecia (cfr. Doc. 16, cópia da certidão de óbito da Falecida).
28. De resto, pelas mesmas razões, o 1º Réu passou cerca de um ano em Hong Kong sem vir a Macau, entre 2021 e 2022, cuidando, assistindo a Falecida até a sua morte e cuidar do seu enterro (Cfr. Doc. 16).
29. Decorre de todo o supra exposto que, além de ser portadora do Bilhete de Identidade de Residente Permanente de Macau, a Falecida, ao tempo em que alegadamente terá feito o testamento, Maio de 2021, tinha em Macau a sua residência habitual nos termos do nº 2 do artigo 31° do CC, pois era aqui que, nessa altura, tinha o seu lar conjugal e centro efectivo e estável da sua vida pessoal, pelo que, nos termos do nº1 do mesmo artigo, a sua lei pessoal era a de Macau.
30. De qualquer modo, ainda que se entenda que Hong seria também um dos locais de residência habitual da Falecida à data do testamento, sempre a lei de Macau seria a sua lei pessoal, por força do nº4, do referido artigo 31° do CC.
31. Ora, como resulta do próprio testamento objecto da Decisão, o mesmo foi feito por documento particular, alegadamente assinado pela Falecida na presença de uma advogada (solicitor) e uma especialista em cardiologia,
32. ou seja, na sua feitura ou aprovação não interveio um notário ou oficial público que, mesmo à luz das leis de Hong Kong, lhe conferisse autenticidade ou solenidade,
33. o que, naturalmente, não obstava à sua validade formal à luz da lei de Hong Kong, como de resto resulta da Decisão, pois a lei de Hong Kong exige, como forma para o testamento, um mero escrito particular, assinado pelo testador ou por outra pessoa na sua presença e sob a sua instrução, na presença de duas testemunhas (cf. Secção 5 (1) da Wills Ordinance de Hong Kong, disponível na internet, na versão inglesa em https://www.hklii.hk/en/legis/ord/30/s5.
34. Acontece que, não obstante o artigo 62°, nº1, do CC, utilizar conexões múltiplas alternativas, permitindo assim que seja tido em Macau como formalmente válido um testamento feito fora de Macau, desde que o mesmo tenha observado a forma prevista em qualquer uma das leis aí referidas, dispõe o nº2 do mesmo artigo que se a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração exigir, sob pena de nulidade e ineficácia a observância de determinada forma, ainda que o acto seja praticado no exterior, será a exigência respeitada.
35. Por seu turno, dispõe o artigo 2054° do CC que o testamento feito no exterior por residente habitual de Macau com observância da lei exterior competente só produz efeitos em Macau se tiver sido observada forma solene na sua feitura ou aprovação.
36. Ou seja, a lei de Macau é uma das leis que se enquadra no nº2 do artigo 62°, na medida em que uma norma do seu direito material, no caso o artigo 2054ª, obriga àqueles cuja lei pessoal seja a de Macau, a observarem uma determinada forma na feitura de um testamento fora de Macau, sob pena de não ter aqui qualquer eficácia, ainda que esse testamento tenha observado a forma prevista numa lei também competente.
37. Dito de outro modo, decorre da leitura conjugada dos artigos 62° e 2054º, ambos do CC, que se um residente habitual de Macau pretende que um testamento por si feito no exterior de Macau tenha aqui eficácia, não pode limitar-se a observar a forma prevista na lei exterior competente, se esta não obrigar a observar uma forma solene na sua celebração.
38. Assim, sendo a Falecida residente de Macau ao tempo do alegado testamento, se quisesse que o mesmo fosse eficaz em Macau, teria de ter observado uma forma solene na sua celebração ou aprovação, nos termos do artigo 2054º do CC.
39. Não se desconhece que a formulação do artigo 2054°, à semelhança do artigo 2223° do Código Civil Português, que é a sua fonte e que tem, mutatis mutandis, a mesma redacção, dá azo a duvidas quanto ao entendimento do que seja "forma solene", havendo quem entenda que a forma escrita é suficiente para preencher esse conceito.
40. Porém, julga-se que se o legislador tivesse querido referir-se simplesmente à forma escrita tê-lo ia dito de forma expressa e simples e não teria recorrido a uma expressão algo pomposa e que faz pressupor que na celebração do acto tem de haver um certo ritual e cerimonial tendentes a garantir que o mesmo é autêntico, ponderado e livre de interferências.
41. Por outro lado, estabelecendo a lei material de Macau cuidados acrescidos na celebração de testamentos em Macau - os quais apenas podem ser lavrados ou aprovados, no caso dos testamentos cerrados, por notários públicos, como decorre do artigo 7° do Código de Notariado - e querendo salvaguardar alguma solenidade na feitura de testamentos no exterior por parte de residentes habituais de Macau, não faria sentido resumir essa solenidade à forma escrita.
42. Assim, julga-se que o entendimento correcto quanto à solenidade a que se refere o artigo 2054° do CC é o de que a mesma pressupõe a intervenção de um notário ou oficial público na feitura ou aprovação do testamento, que o confira a tal solenidade ou um mínimo de autenticidade.
43. É essa, de resto, a posição defendida unanimemente, que se saiba, pela jurisprudência portuguesa mais recente e pela maioria da doutrina que se tem vindo a debruçar sobre a questão.
44. Na doutrina, cita-se, a título de exemplo, Pires de Lima e Antunes Varela, no Código Civil Anotado, Vol. VI, em anotação ao referido artigo 2223º do Código Civil Português, ao ensinar que:
"O artigo 2223°, que se refere à forma externa exigida para o testamento lavrado por cidadão português em país estrangeiro, tem o seu antecedente no artigo 1961 do Código de 1867°.
Prescrevia-se neste artigo 1961° que os testamentos feitos por portugueses em país estrangeiro produziriam os seus efeitos legais no reino, desde que formuladas autenticamente em conformidade com a lei do país onde foram celebrados.
Foi precisamente esta ideia fundamental que o novo Código pretendeu aproveitar.
Por um lado, com a solução ecléctica adoptada neste artigo, respeita-se o velho princípio de que é a lei do lugar onde o acto se realiza que compete regular a sua forma externa (Iocus regit actum) (...).
Por outro lado, porém, como requisito mínimo de obediência às leis do país onde o acto (testamento) se destina a produzir os seus efeitos, não se prescindiu de que ela revista o carácter solene que a lei portuguesa dele exige.
E esse carácter solene, que a lei exige do acto testamentário, traduz-se na intervenção da entidade dotada de fé pública, seja na elaboração da disposição de última vontade, seja na aprovação por mera delibação das disposições lavradas pelo declarante.
É, por conseguinte, a intervenção do oficial público com funções notariais que marca o sinal mínimo de autenticidade (ou solenidade) exigido neste artigo.
Em conformidade com este pensamento legal se encontra, aliás, traçado o disposto no artigo 65° (correspondente ao artigo 62° do CC), dentro da área do direito internacional privado."
(destaques da responsabilidade do 1° Réu)
45. No mesmo sentido veja-se Lima Pinheiro que, a propósito do artigo 2223° do Código Civil Português, refere:
"O que se deve entender como forma solene? O ponto é controverso (...) Também perante o direito vigente, Baptista Machado veio defender que é suficiente a forma escrita. Todavia, não encontro fundamento para esta posição no artigo 2223° do CC nem se encontra no Reg. Consular vigente qualquer disposição correspondente ao referido artigo 265° do Reg. Consular de 1920. Tudo leva a crer que o legislador do Código Civil de 1966 quis manter a solução contida no artigo 1961° do Código Civil de Seabra. O artigo 2223º do CC exige solenidade na feitura ou aprovação do testamento, o que aponta claramente para a necessidade de intervenção de uma entidade dotada de fé pública na sua elaboração ou aprovação. A substituição de forma autêntica por forma solene pode ser explicada pela controvérsia atrás referida, sobre o significado de forma autêntica" [Luís de Lima Pinheiro, Direito Internacional Privado Parte Especial (Direito de Conflitos), Almedina Coimbra, 1999, pag. 153 e 154, sendo os destaque pelo 1° Réu].
46. Na doutrina local, é essa também a posição defendida por João Nuno Riquito e Teresa Leong que, pronunciando-se especificamente sobre o arrigo 2054º do CC, afirma: "Daí que, por forma solene deva entender-se forma pública ou documento particular autenticado" (Vide João Nuno Riquito e Teresa Leong, Direito Internacional Privado, Faculdade de Direito da Universidade de Macau, 2013, pago 465, destaque pelo 1° Réu)
47. Na jurisprudência portuguesa mais recente, decidiu o Supremo Tribunal de Justiça de Portugal, pronunciando-se sobre um testamento feito por um cidadão português na Austrália, que, por ser também um país da common law tem uma regulamentação idêntica a de Hong Kong no que se refere aos requisitos de forma de um testamento, através do Acórdão de 27 de Junho de 2019, disponível na internet em dgsi.pt que:
"II Resulta do artigo 2223º do CCivil que «O testamento feito por cidadão português em país estrangeiro com observância da lei estrangeira competente só produz efeitos em Portugal se tiver sido observada uma forma solene na sua feitura ou aprovação.
IV Considerando as regras que a lei australiana - do Estado da Nova Gales do Sul - impunha para a celebração de um testamento documento escrito e assinado pelo testador e pelo menos por duas testemunhas - temos de concluir que o testamento que o inventariado outorgou é válido à luz daquela lei, vigente à data em que foi outorgado.
V Contudo, como resulta quer da lei australiana, quer até do próprio testamento, não houve a intervenção de qualquer entidade pública na sua outorga ou na sua aprovação, tratando-se de disposição feita e assinada pelo falecido, na presença de duas testemunhas: um solicitador (Advogado) e um secretário, mas o facto de uma das testemunhas ser um Advogado, não significa que o dito testamento sido realizado na presença de um oficial público, nem se justificava, pois a lei vigente àquela data no Estado da Nova Gales do Sul não o exigia, tal como ainda não exige, a presença de qualquer oficial público.
VI. Por outro lado, não tendo o dito testamento sido por qualquer oficial público (como seria no caso do testamento cerrado), estamos assim na presença de um testamento hológrafo, ou seja, um testamento, escrito, datado e assinado pelo próprio testador na presença de duas testemunhas, o qual carece de qualquer validade em Portugal”. (destaques pelo 1º. Réu)
48. Também o Tribunal da relação de Guimarães, no acórdão de 11 de Fevereiro de 2016, disponível no mesmo sítio, decidiu que "
"VI) Foram banidas da ordem jurídica portuguesa formas históricas de testamento, que por vezes ainda surgem em ordens jurídicas estrangeiras, como é o caso do testamento ológrafo - ou seja, do testamento escrito, e porventura datado e assinado, pelo testador, sem observância de qualquer outra formalidade - que é permitido no ordenamento jurídico francês.
VII) Os testamentos feitos por portugueses no estrangeiro só produzem efeitos em Portugal se tiver sido observada a forma solene na sua feitura ou aprovação. Esse carácter solene, que a lei exige do acto testamentário, traduz-se na intervenção da entidade dotada de fé pública, seja na elaboração da disposição de última vontade, seja na aprovação das disposições lavradas pelo declarante, sendo a intervenção do oficial público com funções notariais que marca o sinal mínimo de autenticidade/solenidade exigido nos art°s 65° e 2223° do Código Civil.
VIII) Por aplicação do artº. 65º do Código Civil e, em particular, do seu nº. 2, conjugado com o artº. 2223° do mesmo Código, não pode ser considerado válido e eficaz em Portugal, o testamento alegadamente elaborado por cidadão português em França, que não respeitou as exigências de forma da lei portuguesa".
49. No mesmo sentido, decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa, no Acórdão de 24 de Setembro de 2019, que:
"I. O artigo 2223º do Código Civil destina-se a salvaguardar a validade do testamento celebrado por português no estrangeiro, em conformidade com as prescrições exigidas pela lei aí vigente, respeitando o princípio de que é à lei do lugar onde o acto se realiza que compete regular a sua forma externa (locus regit actuam), impondo, porém, que o negócio revista o carácter solene, o que basicamente se traduz na intervenção de entidade dotada de fé pública, seja na aprovação por mera delibação das disposições lavradas pelo declarante.
II. O disjuntivo "ou" inserto na citada disposição legal significa precisamente que a exigência de solenidade terá que estar presente ou na feitura, ou na aprovação do testamento pela entidade dotada de fé pública.
III - Nos termos do artigo 2223° do Código Civil, o testamento feito por português no estrangeiro, onde reside, e de acordo com a lei desse lugar, é formalmente válido e, nessa medida, produz os seus efeitos em Portugal, desde que reduzido a escrito - excluindo-se portanto a validade dos testamentos nuncupativos - e se for acompanhado na sua feitura, directa e presencialmente, por funcionário dotado de poderes de fé pública - normalmente. um notário -, seja na fase da sua elaboração pelo testador (texto, data e assinatura), seja, em alternativa, na fase posterior da sua aprovação pelo dito agente público.
IV - Esta leitura da disposição legal, não exacerbando em demasia, exageradamente, as exigências de forma, é aquela que concorre no sentido da conservação do negócio jurídico celebrado de acordo com a vontade expressa do testador e em conformidade com a lei da celebração do acto, permitindo que a mesma se concretize em toda a sua plenitude, com natural prevalência sobre as regras da sucessão legítima, por natureza meramente subsidiária, e desde que exista uma garantia segura de autenticidade e fidedignidade do acto, o que é transmitido pela intervenção de um funcionário com poderes de fé pública durante toda a sua realização ou através da posterior aprovação do testamento
V - A solenidade exigida pelo artigo 2223° do Código Civil satisfaz-se com a celebração do testamento por português em cartório notarial sito em França, onde o testador reside habitualmente, quando o acto é inteiramente presenciado e orientado por notário que recebe o testamento das mãos daquele, devidamente redigido, datado e assinado, guardando-o no seu cofre forte, em plena conformidade com a lei civil francesa".
(destaques pelo 1º Réu.)
50. A propósito do facto de, também no presente caso, uma das testemunhas do alegado testamento ser um advogado, dá-se, por reproduzido, por serem inteiramente aqui aplicáveis, o dito no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de Portugal supra citado.
51. Na verdade, sendo um solicitor de Hong Kong uma espécie de advogado, o mesmo não tem o poder de conferir fé pública a um documento, nem tem funções notariais na lei de Hong Kong.
52. De resto, como no presente caso, a intervenção do solicitor no alegado testamento em causa nos autos foi de uma mera testemunha, e não como oficial público, até porque, também aqui, a lei de Hong Kong, como já se disse, não exige a intervenção de um oficial público na feitura de um testamento.
53. Porém, o direito de Hong Kong prevê a existência de notários públicos aos quais atribui poderes para atestar, autenticar ou certificar a devida feitura de documentos, como resulta da Secção 40B da "Legal Practitioners Ordinance" de Hong Kong.
54. Assim, conclui-se que, para o que testamento que a Decisão validou pudesse produzir efeitos em Macau, o mesmo teria de ser celebrado perante um notário público de Hong Kong, a quem a lei dessa Região Administrativa Especial atribui poderes para atestar, autenticar ou certificar a devida feitura de documentos, o que não foi feito, como resulta do próprio testamento.
55. Resulta de todo o exposto que, da leitura conjugada dos artigos 62º e 2054º do CC, o testamento que a Decisão que se pretende ver revista e confirmada em Macau valida não pode produzir quaisquer efeitos em Macau por não ter sido observada, na sua feitura, a forma mínima exigida na lei de Macau para o testamento celebrado por residente de Macau no exterior.
56. Assim, conclui-se, como se começou por referir supra, que não existe interesse processual em agir por parte da Autora no presente caso, pois, a decisão que vier a ser proferida confirmando a Decisão - que se limita a validar formalmente o testamento e a atribuir ao executor nele nomeado poderes para o executar - não terá quaisquer efeitos uteis em Macau na medida em que esse testamento que constitui o seu objecto não pode produzir quaisquer efeitos em Macau, resultando assim numa decisão inútil para todos os efeitos.
57. Como é pacífico, a falta de interesse processual constitui uma excepção dilatória inominada, cuja procedência conduz à absolvição da instância, nos termos dos artigos 72° e 230°, 1, e), ambos do CPC.
58. Termos em que requer, seja considerada procedente, por provada, a invocada excepção dilatória de falta de interesse processual da Autora e todos os Réus absolvidos da Instância.
Sem prescindir
II. Por Oposição
59. Dá-se aqui por reproduzido, para todos os efeitos legais, o supra exposto.
60. Como já se disse supra, o 1° Réu é residente habitual de Macau.
61. É também pacifico nestes autos que o 1° Réu é viúvo da Falecida,
62. com quem esteve casado desde 1980 até à sua morte, portanto, durante mais de 40 anos.
63. O 1º Réu acompanhou a Falecida até o seu último momento,
64. pelo que foi uma enorme surpresa para si a existência do alegado testamento.
65. Não sendo este o momento nem local para se levantar questões relativas à própria validade substancial do testamento, designadamente quanto à real, livre e consciente vontade testar da Falecida ao celebrar o alegado testamento - dúvida que a própria solicitor que terá testemunhado o testamento deixa no ar quando refere que a testadora "parecia" compreendê-lo - o 1º Réu não vislumbra quaisquer razões para que a sua falecida esposa tenha feito um testamento que pouco o considera e que, designadamente, atribuí a um terceiro poderes para vender, quando e como quiser, e à sua absoluta discrição, todos os bens que pertenciam à sua esposa e que, por lei, seriam inteiramente herdados por si.
66. Com efeito, a Falecida não deixou filhos,
67. pelo que, nos termos da lei de Macau, aplicável à sucessão da Falecida conforme resulta do supra exposto e nos termos do artigo 59º do CC, o 1º Réu seria o único herdeiro da Falecida.
68. Ora, o processo que conduziu à Decisão é um processo que se limita a verificar determinados requisitos formais e a homologar o testamento, como, de resto, a própria Autora alega.
69. Assim, não comporta citação nem oposição, nos termos da lei de Hong Kong, pelo que o 2° Réu, não teve, nem poderia ter, oportunidade de atacar o testamento validado pela Decisão.
70. Porém, embora não expressamente - precisamente devido ao facto de o processo que conduziu à sua tomada não comportar citação de interessados nem oposição - a Decisão não deixa de ser tomada contra o 1° Réu, na medida em que é afectado pela mesma e teria todo o interesse em a contestar, se tal lhe fosse possível.
71. Ora, dispõe o artigo 1202º do CPC, que se decisão tiver sido proferida contra residente de Macau, a impugnação pode fundar-se em que o resultado da acção lhe teria sido mais favorável se tivesse sido aplicado o direito material de Macau, quando por este devesse ser resolvida a questão, segundo as regras de conflito de Macau.
72. Julga-se, assim, que, no presente caso, verifica-se o fundamento de oposição à revisão e confirmação de sentença proferida por tribunal do exterior de Macau, previsto na referida norma.
73. Com efeito, sendo o 1° Réu residente habitual de Macau, se contestasse a validação formal do testamento, sem falar em questões substanciais, a questão seria resolvida pelo direito material de Macau, segundo as regras de conflito de Macau, designadamente os artigos 24°, 31° e 59° e seguintes do CC.
74. Segundo as normas materiais da lei de Macau, a decisão a tomar sena inquestionavelmente a de considerar o testamento nulo, por falta de forma, por não ter sido feito por escritura pública ou aprovado por notário.
75. Essa decisão seria naturalmente mais favorável ao 1° Réu, tendo em conta que, considerando-se o testamento nulo, seria ele o único herdeiro da Falecida, sua esposa, e não teria um terceiro a dispor, como bem entender, dos bens que a ela pertenciam.
76. Assim, no entender do 1° Réu, encontra-se, no presente caso, preenchido o fundamento de oposição à revisão e confirmação de sentença proferida por tribunal do exterior de Macau, previsto no artigo 1202° do CPC.
77. Nestes termos, para o caso de improceder a supra invocada excepção de falta de interesse processual da Autora - hipótese que apenas à cautela se considera - sempre deve ser recusada a revisão e confirmação da Decisão, nos termos do artigo 1202° do CPC.
*
聲請人作出答覆,理據如下:
I. INTRODUÇÃO: TOMADA DE POSIÇÃO QUANTO À OPOSIÇÃO DEDUZIDA PELO PRIMEIRO RÉU
1. Em sede da contestação, o 1º Réu deduziu defesa por excepção e por impugnação nos seguintes termos:
i) Por um lado, o 1º Réu invocou a falta de interesse em agir da Autora ao abrigo do artigo 72º, por considerar que a decisão que vier a ser proferida confirmando a Decisão Revidenda não terá quaisquer efeitos úteis em Macau na medida em que o testamento que constitui o seu objecto ("Testamento") padece da nulidade fundada no vício de forma, nos termos do disposto nos artigos 62.º, n.º 2 e 2054 do Código Civil ("CC") devendo, assim, ser ele absolvido da instância, e
ii) Por outro lado, o 1º Réu deduziu a sua oposição por impugnação à luz do artigo 1202º, n.º 2 do CPC, por entender que aplicando as normas materiais da lei de Macau,
seria ele o único herdeiro da Falecida a suceder os bens que a Falecida pertencia devido à referida nulidade do Testamento, sendo, assim, a Decisão Revidenda menos favorável e devendo ser rejeitada a confirmação.
2. Os referidos argumentos invocados pelo 1º Réu têm por sua base o pressuposto de que a Falecida tinha a sua residência habitual em Macau no momento em que fez o seu Testamento, e como tal, sendo por isso esta a lei material designada pelas regras de conflitos para regular a forma do testamento.
3. Tal entendimento carece de qualquer fundamento de facto e de direito.
4. Embora reconhecendo a veracidade dos factos constantes nos artigos 10.º, 18.º 19.º, 21º, 22.º, 23.º, 27.º, 31.º, 33.º, 61.º, 62.º, e 66.º da contestação, a Autora impugna expressa e especificamente os factos, juízos e/ou conclusões expostos ou extrapolados pelo 1.º Réu nos artigos 4.º, 6.º a 9.º, 11.º, 12.º, 14.º a 17.º, 20.º, 24.º a 26.º, 28.º a 30.º, 32.º, 34.º a 43.º, 50.º a 58.º, 60.º, 63.º, 64.º, 65.º da mesma por não corresponderem à verdade.
5. Importa enfatizar que a contestação do 1º Réu é composta na sua maioria por factos falsos e descontextualizados, bem como por assunções e suspeições infundadas, quer para a determinação da lei pessoal da Falecida, quer para a apreciação da questão de validade do testamento que constitui o objecto da Decisão Revidenda.
6. Além de inconformada, a Autora não pode deixar de expressar a sua total surpresa pela atitude e posição tomadas pelo 1º Réu na sua contestação, uma vez que este sempre teve conhecimento da existência do Testamento, quer no momento anterior quer posterior ao falecimento da sua esposa, assim como o Réu sabe e tem perfeito conhecimento de que a Falecida residia em Hong Kong quer no momento da feitura do testamento, quer no da sua morte, e de que ela sempre teve uma ligação muito mais estreita com o território de Hong Kong do que com Macau, não podendo ser a sua lei pessoal a lei de Macau, como veremos melhor adiante.
7. Por outro lado, contrariamente ao que o 1ª Réu pressupõe no artigo 65º da sua contestação, os poderes de disposição atribuídos pela Falecida no parágrafo 15.º do Testamento à ora Autora, a sua irmã mais próxima (e não qualquer terceiro), relativamente a todos os bens móveis ou imóveis não expressamente referidos no Testamento, visam exclusivamente o pagamento das dívidas e despesas incorridas com o funeral e o Testamento (e não para qualquer finalidade livremente determinada pela Autora), tratando-se, assim, de simples poderes de administração (e não de apropriação) dos bens da Falecida, os quais impendem necessariamente sobre a Autora por ser a executrix do Testamento.
8. Na verdade, ao abrigo do imediato parágrafo 16.º do Testamento, a Falecida foi muito clara que após a liquidação do referido passivo, o remanescente dos referidos bens é atribuído exclusivamente ao 1º Réu, razão pela qual a Autora não compreende e lamenta profundamente pelas suspeições invocadas pelo 1º Réu sobre a real, livre e consciente da vontade que se mostram absolutamente infundadas.
9. Aliás, nunca foi intenção da Autora em se apropriar ou de dispor de nenhum bem que não lhe pertence ou não lhe seja atribuído, o único interesse da Autora com a propositura da presente acção é pura e simplesmente fazer cumprir a última vontade da Falecida em relação aos bens situados em Macau tal como expressamente referidos no Testamento, em particular, para o efeito de levantamento dos depósitos bancários.
10. Posto isto, pretende a Autora manifestar ainda a sua total discordância com a interpretação e a aplicação das disposições invocadas pelo 1º Réu para fundar a excepção arguida e a impugnação deduzida como referidas supra.
11. Por um lado, sem prejuízo do exposto no Capítulo I infra, cumpre à Autora sublinhar que o 1º Réu confundiu a falta do interesse em agir com a falta do mérito da causa, pois a questão de validade do testamento se trata de uma matéria de direito substantivo que se liga directamente com o provimento ou não da acção, e a "provável" improcedência da acção não significa nem implica a falta de interesse em agir, devendo ser este pressuposto processual averiguado somente pela utilidade do processo para a pretensão deduzida, e não pela utilidade prática da decisão a reconhecer pelo Tribunal.
12. Como tal, sem entrar no fundo da causa, verificando-se que o presente meio processual adoptado se mostra adequado e apto para satisfazer o interesse da Autora em obter o reconhecimento e confirmação pelo Tribunal da Decisão Revidenda, a exceção arguida pelo 1º Réu deve ser logo julgada improcedente.
13. Por outro lado, o invocado mecanismo de impugnação excepcionalmente previsto no artigo 1202.º, n.º 2 do CPC com vista ao reexame de mérito da decisão objecto da confirmação não é aplicável no presente processo, pois os requisitos naquele previstos para a sua operação não se encontram todos preenchidos.
14. Isto porque, desde logo, como o próprio 1º Réu reconhece nos artigos 68º e 69º da contestação, "o processo que conduziu à Decisão é um processo que se limita a verificar determinados requisitos formais e a homologar o testamento", assim como tal processo "não comporta citação nem oposição, nos termos da lei de Hong Kong, pelo que o 1º Réu, não teve, nem poderia ter, oportunidade de atacar o testamento validado pela Decisão".
15. O que mostra claramente que o "processo" aí referido não configura a acção apontada no artigo 1202.º, n.º 2 do CPC, nem pode ser processualmente qualificada como tal, pois uma acção judicial pressupõe a existência de uma relação material controvertida tida por duas partes, e se destina a resolver, por via de um processo contraditório, um litígio, através de reconhecimento de um direito, condenação na realização de prestação, ou constituição, modificação ou extinção de uma situação jurídica, nos termos dos artigos 1.º a 11.º do CPC.
16. Tratando-se apenas de um processo de homologação da validade do testamento e da administração, que equivale, de certa forma, à habilitação de herdeiros na ordem jurídica de Macau, o referido processo não foi proposto contra o Réu, nem configura uma verdadeira "decisão judicial" sobre o mérito de um litígio, não há lugar a aplicação do artigo 1202.º, n.º 2 do CPC que se afigura totalmente incompatível com a natureza e objecto da Decisão Revidenda.
17. Com efeito, também não compete ao Tribunal a quo a apurar e pronunciar, no presente processo, sobre as questões substanciais relativas à residência habitual da Falecida e da validade do Testamento ora invocadas pelo 1º Réu, que nunca constituíram objecto de nenhuma acção ou decisão judicial estrangeira anterior.
18. Em segundo lugar, como veremos adiante, é inequívoco, conforme estabelecida no parágrafo 2º do próprio Testamento, e suportada pela factualidade melhor descrita infra, que a Falecida teve sempre a sua residência habitual em HK quer no momento da morte, quer no momento da feitura do Testamento, nunca sendo, assim, a lei de Macau aplicável à sucessão nem à validade formal do Testamento. Daí que caía por terra a aplicação dos artigos 2054.º do CC e 1202.º, n.º 2 do CPC.
19. Em terceiro lugar, o Réu não logrou demonstrar e provar na sua contestação de que modo o resultado lhe teria sido mais favorável se tivesse sido aplicado o direito material de Macau.
20. Segundo as regras de conflito de Macau, a lei aplicável à validade formal do Testamento é a lei pessoal no momento da sua outorga (artigo 62º, n.º 2 do CC), e a lei aplicável à sucessão é a lei pessoal no momento da morte (59º do CC), ou seja, pode haver duas leis distintas a regular as referidas matérias e o resultado podia ser diferente.
21. Isto porque a simples conclusão pela invalidade do Testamento não é suficiente para apurar se uma decisão é mais favorável ou não a determinado herdeiro, pois é necessário conjugar também com as normas sucessórias para determinar os seus direitos sucessórios e respectiva quinhão hereditária.
22. Porém, o 1º Réu apenas alegou e invocou a residência habitual tida pela Falecida em Macau no momento da feitura do Testamento (artigo 30º da contestação), sem demonstrar se tal facto também se verificou no momento da sua morte, e deste modo, suscitam-se dúvidas de saber se o resultado seria também lhe mais favorável se a lei aplicável à sucessão fosse a lei de Hong Kong, mesmo concluindo pela invalidade do Testamento aplicando a lei de Macau.
23. Em face do exposto, na falta de preenchimento de todos os requisitos exigidos no artigo 1202º, n.º 2 do CPC, é de julgar improcedente a impugnação deduzida pelo 1º Réu, devendo ser assim revista e confirmada a Decisão Revidenda.
I. DA EXCEPÇÃO: ALEGADA FALTA DO INTERESSE PROCESSUAL
24. Nos artigos 1.º a 58.º da Contestação do 1.º Réu, este vem invocar a excepção dilatória de falta do interesse processual por entender que o testamento não pode produzir nenhuns efeitos úteis em Macau pelo incumprimento dos artigos 62.º, n.º 2 e 2054.º do CC.
25. Salvo o devido respeito, afigura-se difícil acompanhar o raciocínio e argumentação do 1.º Réu.
26. Dispõe o artigo 72.º do CPC, “Há interesse processual sempre que a situação de carência do autor justifica o recurso às vias judiciais".
27. Ou seja, o interesse processual ou interesse em agir que é um pressuposto processual consiste "na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a "acção", ou seja, "o autor tem interesse processual, quando a situação de carência, em que se encontre, necessite da intervenção dos tribunais"4.
28. Tanto a doutrina como a jurisprudência dominantes entendem que o interesse em agir se traduz numa inter-relação entre a necessidade e a adequação: a primeira consiste na indispensabilidade da actuação jurisdicional, e a segunda refere-se ao meio processual escolhido que seja apto a dar resposta à situação jurídica como o autor a configurou.
29. Ora, dispõe o artigo 1199.º, n.º 1 do CPC:
Artigo 1199.º
(Necessidade da revisão)
1. Salvo disposição em contrário de convenção internacional aplicável em Macau, de acordo no domínio da cooperação judiciária ou de lei especial, as decisões sobre direitos privados, proferidas por tribunais ou árbitros do exterior de Macau, só têm aqui eficácia depois de estarem revistas e confirmadas.
(fim de citação)
30. Não suscitam quaisquer dúvidas que o requisito de adequação relativamente ao meio escolhido pela Autora seja preenchido, pois a acção de revisão e confirmação de decisão estrangeira é a acção especial e especificamente prevista no CPC para a pretensão da Autora.
31. A respeito de apreciação do aspecto de necessidade, o Tribunal da Última lnstância5 já chegou a pronunciar que "[n]a acção de revisão e confirmação da sentença do exterior o requerente tem de alegar e provar ter um interesse concreto na revisão e confirmação de sentença do exterior, visto ser um pressuposto processual o interesse em agir ou interesse processual, o que, as mais das vezes, significará ter de haver uma qualquer conexão entre a decisão a rever e a Ordem Jurídica de Macau." (destaque da Autora).
32. A acção especial de revisão de sentença proferida por tribunais do exterior de Macau não é mais do que uma acção declarativa de simples apreciação na qual se aprecia se a decisão estrangeira, está, ou não, em condições de produzir efeitos em Macau.
33. O seu efeito é o de permitir a produção, no ordenamento jurídico do foro, dos efeitos jurídicos de uma decisão jurisdicional proferida num ordenamento estrangeiro, ou de, pelo menos, alguns desses efeitos, segundo o ordenamento onde foi proferida.
34. O reconhecimento pode ter lugar com diferentes propósitos ou finalidades:
(i) Produção do efeito de caso julgado e força executiva;
(ii) Produção de efeitos constitutivos;
(iii) Reconhecimento da sentença como simples facto jurídico.
35. Como referido pela Autora na sua petição inicial, a Decisão Revidenda corresponde a uma decisão preferida pelo Tribunal Superior da RAE Hong Kong (em inglês, the High Court of Hong Kong), através da qual o Testamento da Falecida foi reconhecido e confirmado como válido à luz das leis de Hong Kong.
36. Por sua vez, segundo o Testamento, parte dos bens, quer móveis ou imóveis, que integram o património hereditário encontra-se localizada em Macau, entre os quais, uma fracção autónoma situada em Macau (atribuída ao 1º Réu) bem como o saldo das contas bancária abertas pela Falecida junto das instituições bancárias situadas em Macau (atribuídos por partes iguais aos irmãos da Falecida) (cf. Documento 2 que se junta na petição inicial).
37. Verifica-se, assim, uma conexão directa entre a Decisão Revidenda in casu e a Ordem Jurídica de Macau e reconhecimento da mesma tem por objecto permitir a respectiva execução, ou melhor, o cumprimento dos efeitos jurídicos a que mesma tenderia a produzir no ordenamento em que foi proferida, em particular o cumprimento das disposições testamentárias que o mesmo reconhece como válidas, e sem o que a mesma não poderá produzir quaisquer efeitos no ordenamento jurídico da RAEM.
38. Portanto, a Autora tem todo o interesse em, por via da presente acção, obter a Decisão Revidenda revista e confirmada pelo douto Tribunal, devendo ser assim a excepção arguida pelo 1º Réu julgada improcedente, o que desde já, como afinal se requer.
39. A nulidade formal do Testamento invocada pelo 1º Réu para fundar a referida excepção, no entender da Autora, trata-se de uma questão substancial ou de mérito, que, quando muito, releva para apreciação do disposto no artigo 1202.º, n.º 2 do CPC, como se verá de seguida.
II. DA IMPUGNAÇÃO
a) Os requisitos da impugnação fundada no artigo 1202º, n.º 2 do CPC
40. O reconhecimento de sentenças estrangeiras tem por fundamento material a harmonia jurídica internacional e a uniformidade e estabilidade das relações jurídicas conectadas com vários ordenamentos jurídicos e assentam no reconhecimento, pelo ordenamento jurídico do foro - neste caso, Macau - da competência do tribunal estrangeiro para resolver da questão.
41. Nessa medida, o ordenamento jurídico da RAEM estabelece um sistema de reconhecimento de sentenças de base essencialmente formal, em que os interesses da estabilidade e continuidade da regulamentação das relações jurídicas plurilocalizadas prevalecem sobre o mérito das soluções materiais do ordenamento do foro.
42. É ponto pacífico na doutrina e jurisprudência que o sistema de revisão de Macau não se destina a um reexame do seu próprio mérito, com a ressalva das seguintes hipóteses:
a) da alínea f) do artigo 1200º do CPC - apenas quando o reconhecimento da decisão estrangeira conduza, ele próprio e não os fundamentos a um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional de Macau.
b) do n.º 2 do artigo 1202º do CPC - reexame do mérito relativamente ao direito privado de Macau.
43. Tratando-se a hipótese prevista no artigo 1202º, n.º 2 do CPC um desvio do referido princípio, não pode haver lugar interpretação extensiva do referido preceito, ou seja, só quando os requisitos nele previstos sejam, sem margem de dúvidas, todos preenchidos é que se pode negar a revisão e confirmação com base neste preceito.
44. Incumbe, assim, à parte interessada demonstrar e provar a verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
1) que a sentença foi proferida contra residente de Macau;
2) que o direito material da RAEM devesse aplicar-se ao caso, segundo as suas regras de conflitos; e
3) que o resultado da ação teria sido mais favorável para o Réu se o direito material de Macau tivesse sido aplicado.
O que o 1º Réu, não faz, como se verá de seguida.
b) A sentença não foi proferida contra residente de Macau
45. A impugnação com o fundamento no artigo 1202º, n.º 2 do CPC que importa o reexame do mérito de uma decisão revidenda não pode ter lugar nos presentes autos.
46. Isto porque um dos requisitos previstos no referido preceito exige que a sentença revidenda tenha sido proferida contra a pessoa residente habitual de Macau, e o processo de prolação de sentença homologatória da administração (grant of probate) se trata de um processo que visa verificar essencialmente a validade formal do testamento e a confirmação dos poderes de administração ao executor testamentário, não pressupondo, ou envolvendo, nem destinando-se a resolver qualquer litigiosidade ou matéria de natureza contenciosa.
47. Em Hong Kong, para a execução do Testamento junto das entidades públicas e privadas, é normalmente exigido por essas entidades a sentença de homologação da administração (grant of probate), que é regulada pela Probate and Administration Ordiance (Cap. 19) ("PAO")6,
48. Nos termos da Secção 2 de PAO, o termo "probate (遺產認證)" é definida por decisão homologatória emitida com o selo do tribunal, atribuindo poderes ao executor testamentário para a administração da herança do testador (cit.指以法院印章作出的授予書,授權其內指名的遺囑幸行人管理立遺囑人的遺產).
49. As Secções 3 e 5 da PAO dispõem que a competência de prolação de grant of probate é do High court, e incumbe ao Conservador Judicial (Registrar/司法常務官) desse tribunal exercer tal competência em todos os processos de pedidos de homologação (não contenciosos), sendo este assistida pela Conservatória de Homologação (Registry of Probate/遺產承辦處) inserida nesse tribunal no cumprimento das referidas funções.
50. O procedimento e a tramitação para processar pedidos de homologação estão regulados pelas Non-Contentious Probate Rufes Cap.10 subo Leg. A) (“NCPR”)7, que foram emanadas pelo juiz presidente do Supremo Tribunal de Hong Kong ao abrigo da Secção 72 da PAO.
51. À luz das Secções 5 a 20 da NCPR, a validade formal do testamento constitui um dos requisitos que o Conservador Judicial deve verificar antes de emitir a sentença homologatória, e no caso de suspeitar qualquer irregularidade ou invalidade relacionadas com a outorga ou conteúdo do Testamento, deve aquele remeter o processo para um juiz nos termos da Secção 6 da PAO.
52. Razão pela qual a própria PAO estabelece na sua Secção 6 expressamente os seguintes limites ao poder jurisdicional do Conservador judicial, ficando este impedido de proferir a sentença homologatória (grant of probate), designadamente, quando
a) há um pendente litígio ou controvérsia relacionada com o Testamento;
b) a prolação da sentença homologatória suscita dúvidas, especiais dificuldades, necessidade de orientação de um juiz ou quaisquer questões cuja apreciação ou decisão compete ao juiz.
Nas hipóteses previstas na alínea b), o processo deve ser remetido imediatamente para o juiz e nunca é decidido directamente pelo Conservador Judicial.
53. Por esta razão, na Secção 24 do referido diploma, estipula explicitamente que o pedido para prolação de sentença homologatória não deve ser formulado sob a forma de petição (contra determinada pessoa), assim como em lado nenhum se prevê a tramitação para citação judicial, exercício do contraditório, produção da prova e realização de audiência de julgamento.
54. Do mesmo modo que as Regras de Homologação Não Contenciosa (NCPR) estabelecidas para regular a tramitação do processo de Grant of Probate só é aplicável ao assunto testamentário não contencioso ou de forma comum (non-contencious or common form probate business 無爭議或普通形式的遺囑認證事務), que segundo a Secção 2 da PAO, significa sem envolver qualquer litígio sobre os direitos a que a homologação ou a administração dizem respeito.
55. Em face do exposto, é mais do que claro que a Decisão Revidenda não foi proferida pelo High Court contra o 1º Réu, por não se configurar um processo de partes (advesarial) e, deste modo, não importar citação judicial, razão pela qual a Decisão Revidenda não constitui caso julgado contra ele, e como tal, não se trata também aquela decisão de uma decisão produzida contra o mesmo.
56. Como efeito, o 1º Réu sempre terá ao seu dispor acções judiciais, quer em Macau, quer em Hong Kong, para fazer valer os seus direitos sucessórios, se os tiver.
57. Se o 1º Réu pretendia efectivamente invalidar o Testamento, deveria tê-lo feito através de uma acção judical junto dos tribunais de Hong Kong logo que souber da existência do Testamento, e não no âmbito de um processo de revisão e confirmação ocorrido cá em Macau, sobretudo quando já passado mais de um ano após o falecimento da Falecida.
58. Sem o ter feito, não compete ao Venerando Tribunal reexaminar ou pronunciar, no âmbito de uma acção de revisão e confirmação da sentença estrangeira, o mérito de uma decisão judicial (que nem sequer existe), relativamente às questões substanciais ora levantadas pelo 1º Réu à luz do direito privado de Macau, nem é possível falar do resultado mais favorável ou menos favorável.
59. Em face do exposto, é de julgar improcedente a impugnação deduzida pelo 1º Réu, o que desde já, como afinal, se requer.
c) A alegada aplicação do direito material da RAEM
60. Mesmo entendendo que a Decisão Revidenda tenha sido proferida contara o 1º Réu, a impugnação também não pode proceder, uma vez que a lei material aplicável nunca pode ser a lei de Macau, quer quanto à sucessão, quer quando à validade formal do Testamento.
61. Nos termos dos artigos 59º do CC, "a sucessão por morte é regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste, competindo-lhe também definir os poderes do administrador da herança e do executor testamentário". (realce da Autora)
62. Por seu turno, relativamente à validade formal do testamento, dispõe o artigo 62º, n.º 2 que "[s]e, porém, a lei pessoal do autor da herança no momento da declaração exigir, sob pena de nulidade ou ineficácia, a observância de determinada forma, ainda que o acto seja practicado no exterior, será a exigência respeitada".(realce da Autora)
63. No que respeita à lei pessoal, preceitua o artigo 30º do mesmo Código que "a lei pessoal é a da residência habitual do indivíduo", onde este fixa o centro efectivo e estável da sua vida pessoal.
64. É de sublinhar que a impugnação fundada no artigo 1202º, n.º 2 não é de conhecimento oficioso, pelo que o ónus da prova recai sempre sobre a parte interessada relativamente ao preenchimento dos requisitos.
65. Contudo, o cumprimento de tal ónus de prova não significa que asiste ao 1º Réu o direito de pedir ao Venerando Tribunal para sindicar a matéria de facto já aceite pela Decisão Revidenda.
66. De acordo com a jurisprudência dominante8, para efeitos do preceito do artigo 1202º, n.º 2, interessa atender à decisão e aos seus fundamentos jurídicos, mas nunca à matéria de facto, ou seja, não compete ao tribunal de revisão controlar a regularidade, proficiência ou suficiência da sentença revidenda relativa à matéria de facto.
67. Ou seja, o que o tribunal de revisão deve fazer é proceder à qualificação jurídica da factualidade dada como assente na Decisão Revidenda de acordo com a lei material de Macau, se é esta designada pelas regras de conflito.
68. Assim, estando expressamente constante do Testamento homologado pela Decisão Revidenda o facto de que a Falecida tinha em Hong Kong o seu domicílio pelo menos no momento da outorga do Testamento (artigo 2 do Testamento), não pode o Venerando Tribunal sindicar a Decisão Revidenda na matéria de facto para apurar novamente a residência habitual da Falecida no momento da outorga e determinar se o resultado seria mais favorável ao 1º Réu à luz da lei material de Macau.
69. Nestes termos, é de concluir que a lei aplicável à validade formal do Testamento segundo as regras de conflito de Macau tem de ser necessariamente a lei de Hong Kong onde a Falecida residiu à data da outorga do Testamento conforme a Decisão Revivenda.
70. Mesmo assim não se entendendo, no presente caso, também é pacífico que a Falecida passou os últimos anos da sua vida (entre 2020 e 2022) em Hong Kong sem ter regressado mais a Macau, facto confessado pelo 1º Réu no artigo 21º e s.s. da Contestação.
71. Ou seja, quer no momento da feitura do Testamento, em 30 de Maio de 2021, quer no momento da sua morte em 26 de Março de 2022, a Falecida encontrava-se a residir em Hong Kong.
72. Contrariamente ao que sustenta o 1º Réu, a permanência da Falecida em Hong Kong desde 2020 não foi motivada pela impossibilidade de regressar a Macau causada pela implementação das medidas restritivas, mas sim pela sua tomada de decisão de fixar a sua residência em Hong Kong para melhor receber os tratamentos médicos na sequência do agravamento da sua doença, bem como para passar esse tempo mais difícil com seus familiares num local que lhe dava mais segurança e conforto.
73. Razão pela qual no Testamento, a Falecida declarou expressamente no parágrafo 2º que tinha seu domicílio em Hong Kong no momento da sua feitura e que o Testamento deve ser regido pela lei de Hong Kong, assim como deixou no parágrafo 18º o seu último desejo de que os seus restos mortais fossem cremados e que as suas cinzas fossem espalhadas num jardim em Hong Kong.
74. A "residência habitual", conforme entendimento pacífico, é o local onde a pessoa tem centrada a organização da sua vida individual, familiar e social, isto é, é a casa onde a pessoa tem organizado, de forma estável e continuada no tempo, a sua economia doméstica, familiar e social, onde aquela dorme, confeciona e toma as suas refeições, passa o seu tempo a conviver com os seus familiares, receber os seus amigos, ou seja, onde tem centrada a sua vida, continuada e estavelmente.
75. Foi precisamente o que se verificou nos últimos dois anos da vida da Falecida ao residir em Hong Kong, onde centrou a sua vida de forma continuada e permanente, sem ter deslocado mais a outro lugar incluindo Macau.
76. Por esta razão, o próprio Réu, enquanto XXX único da sociedade de Hong Kong, XXX, totalmente detida pela Falecida, declarou voluntariamente junto da Conservatória de Registo Comercial de Hong Kong que a Falecida tinha residência em XXX, Hong Kong, em sede de declaração de rendimento anual para os anos 2021 e 2022 (cf. Documento n.º 1 que ora se junta e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
77. Visto isto, o que interessa para o apuramento da residência habitual da Falecida não são os motivos de fixação, quer as condições da saúde, quer a necessidade de tratamento, mas antes o facto objectivo de que viveu efectivamente em Hong Kong e que foi por decisão própria de optar por lá ficar de modo permanente, factos confessados pelo 1º Réu nos artigos 21º e 22º da Contestação.
78. Deste modo, é de concluir que quer no momento da feitura do Testamento, quer no momento da sua morte, a Falecida tinha a sua residência habitual em Hong Kong, e não em Macau, pelo que a lei pessoal determinada pelo artigo 30º, n.º 1 do CC deve ser a lei de Hong Kong.
79. Importa sublinhar que o facto de a Falecida ser titular do BIR de Macau não altera a conclusão chegada, uma vez que a presunção estabelecida no artigo 30º, n.º 3º é ilidível mediante prova do contrário nos termos do artigo 343º, n.º 2 do CC, o que se considera cumprido face ao exposto.
80. Assim como, ao contrário do que o 1º Réu defende, não é aplicável o artigo 30º, n.º 4 do CC ao presente caso, pois também com base no exposto, ficou absolutamente claro que a Falecida tinha fixada a residência habitual em Hong Kong, deixando de ficar ou se deslocar ocasionalmente a Macau, e o simples facto de ser titular do BIR de Macau não significa ter necessariamente também a sua residência habitual (efectiva) em Macau na medida em que a residência habitual deve ser apurada, nos presentes autos, com base na factualidade e não na titularidade de documentos de identificação.
81. Aliás, a aplicação do referido disposto pressupõe que a pessoa tem duas ou mais residências em simultâneo, residindo alternadamente numa e noutra de forma estável durante um certo período de tempo, sem que nenhuma se destaque, em termos de primazia, em relação à outra ou outras quanto à organização da sua vida, o que obviamente não foi o caso da Falecida quer à data do Testamento, quer à data do seu falecimento.
82. Caso o douto Tribunal tivesse dúvidas ou achasse impossível de determinar se a Falecida tinha efectivamente fixada a sua residência habitual da Falecida em Hong Kong no momento da feitura do testamento ou no da sua morte - o que se admite sem conceder por mera cautela de patrocínio -, deveria aplicar, analogicamente, o artigo 30º, n.º 5 do CC, ou seja, a lei pessoal da Falecida deveria ser determinada pela lei do lugar com o qual a sua vida pessoal se ache mais estreitamente conexa, que também só podia ser a lei de Hong Kong. Senão, vejamos.
83. A Falecida nasceu em 2 de Agosto de 1949 na cidade de Chiu Chow (潮州) no interior da República Popular da China e imigrou mais tarde para Hong Kong.
84. A Falecida viveu durante a sua infância e juventude em Hong Kong onde fixou o centro da sua vida, sendo este o local onde tem inserida a sua vida pessoal, familiar, social e profissional.
85. Em 19 de Agosto de 1980, a Falecida casou-se com o 1.º Réu em Hong Kong (cf. Documento n.º 2 que se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
86. Mesmo após o casamento, e enquanto o 1.º Réu veio viver para Macau, a Falecida continuou a residir em Hong Kong para tomar conta da sogra e da filha do 1.º Réu (do primeiro casamento).
87. Em 1989, a Falecida emigrou para Canadá com a sua irmã mais nova, a 2ª Ré, e durante o seu tempo no Canadá, foi-lhe diagnosticada uma doença cardíaca.
88. Depois de se ter separado do 1º Réu por mais de 22 anos após o casamento, a Falecida veio viver para Macau entre 2002 e 2020.
89. Contudo, mesmo durante esse período a Falecida deslocava-se a Hong Kong quase todas as semanas para visitar os seus pais e irmãos, continuando a manter, assim, os seus laços afectivos profundos com Hong Kong.
90. Além disso, era em Hong Kong que a mesma era acompanhada medicamente e onde realizava as suas consultas médicas com médicos Cardiologistas, que acompanhavam o seu estado de saúde.
91. Em 2008, a Falecida adquiriu uma fracção autónoma, destinada à habitação, situada em Hong Kong, "XXX" através de uma sociedade denominada “XXX” por si constituída e para o fim exclusivo da referida aquisição, em que ela era sócia única titular de 100% do capital social da mesma, sendo o 1º Réu o director único daquela (cf. Documento n.ºs 3 e 4 que ora se juntam e cujo teor se dá aqui integralmente reproduzido).
92. Na sequência do agravamento da sua doença em 2020, a Falecida decidiu passar a viver permanentemente na referida fracção em Hong Kong (Cf. Documento n.º 5 e 6 que ora se juntam e cujo teor se dá aqui integralmente reproduzido).
93. A Falecida esteve internada por diversas vezes num hospital em Hong Kong.
94. E após as altas hospitalares, a mesma sempre regeressou para o seu domicílio em Hong Kong, e contratou uma auxiliar do cuidado de saúde para a ajudar na sua vida quotidiana.
95. Foi só quando o 1.º Réu se apercebeu da gravidade da situação da Falecida, que decidiu em 2021 ficar em Hong Kong de forma permanente para acompanhar a Falecida (facto confessado pelo 1º Réu no artigo 27 da Contestação).
96. A falecida acabou por falecer em Hong Kong em 2022 (cf. Documento n.º 16 da Contestação).
97. Em face do exposto, ficou devidamente demonstrado que durante a maior parte da sua vida (cerca de 74 anos), com excepção do tempo passado no Canadá, a Falecida nunca deixou de ter o território de Hong Kong como o centro da sua vida, sempre mantendo fortes laços afectivos e identitários com o mesmo, incluindo o período em que esteve a residir em Macau com o seu marido.
98. E foi em Hong Kong que a Falecida se encontrava a residir de modo permanente, quer aquando da feitura do seu testamento, quer no momento da sua morte, sendo inequívoco, pelo menos nessa fase, que o território de Hong Kong era aquele com o qual a vida pessoal da Falecida se ache mais estreitamente conexa.
99. E foi aí que, já doente e apercebendo-se da proximidade do fim da sua vida, decidiu fazer testamento de modo a reconhecer, do modo que considerava justo, os laços que mantinha com os familiares mais próximos e que a acompanharam durante a vida, em especial durante os longos anos em que viveu separada do 1º Réu.
100. Todos os argumentos do Primeiro Réu destinados a sustentar a residência habitual da Falecida em Macau assentam na titularidade do Bilhete de Identidade de Residente de Macau e no recebimento de benefícios ao mesmo associados, e referem-se às datas muito anteriores às datas da outorga do Testamento e da morte da Falecida, pelo que não demonstram de forma nenhuma a ligação efectiva da mesma à RAEM naqueles momentos da sua vida.
101. Recusar o reconhecimento da sentença e a validade do testamento homologado pela mesma constituiria um factor de descontinuidade e de perturbação muito significativa da ordem jurídica internacional, contrária à última vontade da Falecida e contrário ao julgamento realizado pelos Tribunais de Hong Kong, que se julgaram internacionalmente competentes para conhecer da sucessão da Falecida por considerarem que a mesma residia naquela Região Administrativa Especial.
102. Deve, por isso, considerar-se a lei de Hong Kong como sua lei pessoal, quer para regular a sucessão, quer para determinar a validade formal do Testamento.
103. Como tal, não sendo a lei material de Macau aplicável segundo as regras de conflitos, não há lugar a aplicação do artigo 1202º, n.º 2 do CPC muito menos a discussão sobre a validade formal nos termos do artigo 2054º do CC, devendo, assim, ser julgada a impugnação deduzida pelo 1º Réu improcedente, o que desde já, como afinal, se requer.
d) O alegado resultado mais favorável segundo o direito de Macau: validade formal do testamento
104. Mesmo que se entender a lei pessoal da Falecida ao tempo da outorga do testamento seja a lei de Macau - o que se permite sem conceder por mera cautela de patrocínio -, não tem qualquer razão o 1º Réu ao considerar que o resultado lhe seria mais favorável segundo o direito de Macau.
105. Alega o 1º Réu que da aplicação do direito material de Macau resultaria uma decisão que o reconheceria como único sucessível da Falecida.
106. Tal argumento, porém, assenta exclusivamente no pressuposto da invalidade do Testamento, uma vez que no seu entender, à data da outorga do Testamento, a Falecida tinha a sua residência habitual em Macau e o Testamento por si outorgado não observou a forma solene exigida no disposto no artigo 2054º do Código Civil de Macau, padecendo assim de nulidade.
107. O motivo pelo qual o 1º Réu veio invocar a invalidade do Testamento é porque, nas suas palavras, "foi uma enorme surpresa para si a existência do alegado testamento", e "não vislumbra quaisquer razões para que a sua falecida esposa tenha feito um testamento que pouco o considera".
108. É falso que o 1.º Réu não sabia da existência do testamento, quer antes ou após o falecimento da Falecida.
109. Na verdade, o 1.º Réu estava presente no local e no momento imediatamente anterior à outorga do Testamento pela Falecida, e mesmo após o falecimento da Falecida, o 1º Réu foi contactado várias vezes pela Autora por causa da execução do Testamento (Cf. Documento n.º 7 que ora se junta e cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
110. Além disso, a Autora já teve a ocasião de transmitir verbalmente o teor do Testamento ao 1º Réu na presença da sua filha.
111. Pelo que é impossível que a existência do Testamento tenha sido uma surpresa para o 1º Réu.
112. Por outro lado, se bem lido o Testamento, é inequívoco que a pessoa que a Falecida mais considerou foi precisamente o 1.º Réu, uma vez que aquela atribuiu a totalidade do seu direito à propriedade do bem imóvel situado em Macau ao 1.º Réu, assim como atribuiu 50% da sua participação social da sociedade titular do bem imóvel sito em Hong Kong, e por fim, o 1º Réu é ainda o único beneficiary de todos os bens móveis e imóveis não referidos no Testamento.
113. Portanto, no entendimento da Falecida, não há razões de facto para que o 1.º Réu duvidasse as últimas vontades da Falecida, muito menos razões de direito para sustentar que a decisão lhe seria mais favorável aplicando o direito de Macau. Senão, vejamos.
114. A simples conclusão pela nulidade do Testamento não é suficiente para apurar se uma decisão é mais favorável ou não a determinado herdeiro, pois é necessário conjugar também com as normas sucessórias para determinar os seus direitos sucessórios e respectiva quinhão hereditária.
115. A verdade é que o 1º Réu ignorou por completo a relevância da regra de conflito constante do artigo 59º segundo o qual a sucessão é reguada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste, e não ao momento da feitura do testamento.
116. Na sua contestação, o 1º Réu apenas alegou e invocou a residência habitual tida pela Falecida em Macau no momento da feitura do Testamento (artigo 30º da contestação), sem demonstrar se tal facto também se verificou no momento da sua morte para que a lei de Macau fosse também aplicável à sucessão, e deste modo, suscitam-se dúvidas de saber se o resultado seria também lhe mais favorável se a lei aplicável à sucessão da Falecida fosse a lei de Hong Kong, ainda concluindo pela invalidade do Testamento aplicando a lei de Macau.
117. Sendo que tais dúvidas não foram esclarecidas pelo 1º Réu e como resulta da factualidade exposta supra, a lei aplicável à sucessão deve e só pode ser a lei de Hong Kong, o Venerando Tribunal não está em condições de concluir com firmeza que o resultado seria sempre lhe mais favorável no sentido de passar a ser o 1º Réu o sucessível único da Falecida, ainda que reconhecendo a invalidade formal do Testamento à luz do Direito de Macau.
118. Em face do exposto, é de concluir que os argumentos do 1º Réu de que a decisão seria lhe mais favorável não podem proceder.
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依法傳喚第二至第四被聲請人(C)、(D)及(E),後者並無作出答辯(第231, 232, 236, 214, 217, 219及第221頁)。
由於無法聯絡第五被聲請人不確定利害關係人 (Interessados incertos),故依法作出公示傳喚,並為其指定代理人,後者作出答辯,理據如下:
1. 首先,縱觀起訴狀及答辯狀內容可見由原告申請確認之由香港特別行政區高等法院發出之編號HCAG00xxx/2022號認證遺囑現被第一被告提出因欠缺訴之利益應被駁回起訴之抗辯;
2. 以及,第一被告同時指出即使訴訟不被駁回,根據《民事訴訟法典》第1202條第2款規定的爭執依據亦不應確認涉案之遺囑。
3. 在尊重不同之見解下,不確定利害關係人並不認同第一被告的見解。
4. 依照第一被告於起訴狀第1條至第56條當中強調,在根據《民法典》第30條第2款與第4款;第62條及第2054條的規定,認為本案之被繼承人(G)常居地為澳門,並指出以下問題:
根據《民法典》第2054條之規定常居於澳門之人遵照澳門以外地方之準據法而訂立之遺囑,只有在符合對莊嚴方式之要求下訂立或核准才在澳門產生效力。
6. 而由於被繼承人之遺囑並沒有在香港特別行政區官方公證機關之公證員面前繕立,不符合法律規定之莊嚴方式,其效力根據法律不應在澳門產生效力。
7. 接著,第一被告還指出既然被繼承人繕立之遺囑不產生效力,遺囑在沒有“有用”之效力下,亦即不存在任何可提起司法訴訟之利益或有用之手段。
8. 除應有之尊重外,不確定利害關係人根據法律規定提出見解如下:
9. 第一點,關於被繼承人繕立之遺囑是否有效方面,依照《民法典》第62條第1款的規定可見:“死因處分以其廢止或變更,如其方式符合訂立行為地法之規定(...)均為有效。”。
10. 而被繼承人繕立之遺囑根據原告起訴狀附隨之文件一可見,無疑其已符合香港特別行政區法律對繕立遺囑所規定之方式及要件;甚至,其亦已透過香港特別行政區高等法院認證並發出認證授予書。
11. 在此,不確定利害關係人並不能看出涉案之遺囑有任何不符合訂立行為地(香港特別行政區)法律,或違反當地對繕立遺囑規定之法定方式之情況。
12. 所以,在涉案遺囑為有效的情況下,原告作為其中一名遺贈人應具有足夠之正當性提起訴訟,而其為著確認涉案遺囑而可採用的合理司法途徑,正正只有《民事訴訟法典》第1190條規定之“對澳門以外地方之法院或仲裁員所作裁判之審查”。
13. 即換句話說,第一被告提出之不具有訴之利益的抗辯,在法律上並不能成立。
14. 其次,第一被告提出的《民事訴訟法典》第1202條第2款的爭執,同樣地不確定利害關係人尊重不同見解的情況下提出見解如下。
15. 在適用《民事訴訟法典》第1202條第2款的前提為按照澳門之衝突規範,應以澳門實體法解決有關問題,且在適用澳門實體法的情況下可得出一對第一被告較有利之結果。
16. 而根據澳門衝突規範《民法典》第59條規定繼承受被繼承人死亡時之屬人法規範;而屬人法根據《民法典》第24條及第30條第1款規定為個人之常居地法。
17. 而按照原告及第一被告提交之客觀書證顯示:被繼承人於被認證遺囑中明確表示其居於香港、被繼承人於香港成立公司(且根據卷宗第191頁之書證顯示被繼承人透過其作為唯一股東之公司於香港購買不動產)、被繼承人與第一被告於香港登記結婚(且根據卷宗第185頁之結婚證書可見在結婚時雙方之住址都位於香港),更甚者,被繼承人在生命最後兩年之時光依然選擇在香港度過,最後離世地點根據卷宗第128頁書證可見亦是在香港。
18. 需知在中國傳統文化中離世地點在人們心目中有一定的地位,通常在逝世者可選擇的情況下其都會在與其連接最深的地方“落葉歸根”,埋葬在心中的故鄉。
19. 所以,根據客觀之書證及事實可見被繼承人之常居地為香港是較為合理之結論。
20. 相反,倘尊敬的法官 閣下不認同上述見解,認為澳門為被繼承人之常居地,適用澳門之實體法,本案中亦不可得出一個對第一被告較為有利之結果。
21. 承接上述第9條事實不確定利害關係人認為認證遺囑有效的前提下,不難可見被繼承人繕立之遺囑當中,其將財產當中位於澳門XXX單位及YYY單位當中其占有之二分之一業權、其作為唯一股東公司之百分之五十股權(該公司持有地址為XXX, HONG KONG之單位及XXX之車位),以及其餘根據遺囑分配後所剩餘之動產及金錢都分配予第一被告所有。
22. 故根據上述遺囑內容不難看出第一被告已得到被繼承人大部分之遺產,其獲得之份額亦似乎已超出被繼承人遺產之一半。
23. 根據《民法典》第1996條規定:“如配偶並不與直系血親卑親屬或直系血親尊親屬共同分享特留份,則配偶之特留份為遺產之三分之一。”
24. 即,就算是以澳門作為實體法適用本案個案,亦沒有出現損害特留份需作出歸扣財產的情況。
25. 所以,涉案遺囑並沒有出現第一被告指出的《民事訴訟法典》第1202條第2款的情況。
26. 接著,倘在沒有出現第一被告提出的抗辯與爭執的情況下,涉案遺囑按照法律只要符合《民事訴訟法典》地1200條第1款的所有要件便須被予以確認。
27. 而根據《民事訴訟法典》第1200條第1款規定:
“一、為使澳門以外地方之法院所作之裁判獲確認,必須符合下列要件:
a) 對載有有關裁判之文件之真確性及對裁判之理解並無疑問;
b) 按作出裁判地之法律,裁判已確定;
c) 作出該裁判之法院並非在法律欺詐之情況下具有管轄權,且裁判不涉及屬澳門法院專屬管轄權之事宜;
d) 不能以案件已由澳門法院審理為由提出訴訟已繫屬之抗辯或案件已有確定裁判之抗辯,但澳門以外地方之法院首先行使審判權者除外;
e) 根據原審法院地之法律,已依規定傳喚被告,且有關之訴訟程序中已遵守辯論原則及當事人平等原則;
f) 在有關裁判中並無包含一旦獲確認將會導致產生明顯與公共秩序不相容之結果之決定。”(粗體為後加上)
28. 首先,涉案由香港特別行政區高等法院發出之編號HCAG00xxx/2022號認證遺囑是由澳門以外地方之法院所作之決定。
29. 原告提交之遺囑文件由香港高等法院認證發出,當中附有蓋章及簽名,對文件的真確性沒有異議。
30. 該認證遺囑已根據第62/99/M號法令第6條由律師發出翻譯證明,以葡語作成。
31. 涉案認證遺囑內容條理清晰,容易理解,一般人都可閱讀和明白其內容,故對決定之理解並無疑問存在。
32. 而認證遺囑亦已確定並產生效力。
33. 沒有跡象顯示該認證遺囑是在法律規避之情況下產生。
34. 認同該等認證遺囑所處理之事宜並非《民事訴訟法典》第20條所述之情況,不屬澳門法院之專屬管轄權範圍。
35. 而涉案之認證遺囑事宜亦未曾在本澳法院透過訴訟程序處理,並不存在《民事訴訟法典》第1200條第1款d)項所指之情況。
36. 透過認證遺囑之內容,亦未見存在違反辯論原則及當事人平等原則之情況。37. 認證遺囑事宜在本澳法律制度中亦屬普遍存在,沒有包含任何一旦獲確認將會導致產生明顯與公共秩序不相同的結果之決定。
38. 綜上所述,上述香港特別行政區高等法院發出之編號HCAG00xxx/2022號認證遺囑經過審查後未能發現不符合《民事訴訟法典》第1200條第1款規定之所有要件。
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聲請人作出答覆,理據如下:
1. Antes de mais, pretende a Autora manifestar a sua total concordância com as conclusões e posição tomada na Contestação, quer quanto à excepção dilatória da falta de interesse processual arguida pelo 1 º Réu, quer no que respeita à sua impugnação da Decisão Revidenda ao abrigo do artigo 1202º, n.º 2 do CPC.
2. Em particular, na parte relativa à determinação da lei aplicável ao Testamento, para além dos factos apontados no artigo 17º da Contestação que permitem concluir, de forma objectiva, que a Falecida tinha a sua residência em Hong Kong e, como tal, a lei pessoal deverá ser a lei de Hong Kong, existem outros factos suplementares susceptíveis de revelar inequivocamente a intensão da Falecida de fixar, de forma permanente, a sua residência em Hong Kong, i.e., na sua cidade natal do coração, tal como observado na Contestação (lê-se o original:心中的故鄉).
3. Em primeiro lugar, deve-se sublinhar que o facto de a Falecida ter adquirido um imóvel em Hong Kong (conforme referido no artigo 17º da Contestação) nunca foi com a finalidade de investimento ou de obtenção de proveitos passivos através do arrendamento, mas antes para estabilizar a sua vida matrimonial após a reforma do 1º Réu e passar os seus últimos tempos ao pé dos seus familiares em Hong Kong, tendo em conta a sua condição de saúde.
4. Tendo plena consciência da sua doença prolongada que tinha sofrido, a Falecida decidiu, em 2015, realizar grandes obras de renovação ao seu apartamento em Hong Kong, com o propósito de criar condições adequadas para residir um dia em Hong Kong quando o 1º Réu estivesse reformado e caso a sua condição de saúde estivesse a piorar.
5. Assim, a Falecida solicitou assistência à Autora para, em seu nome (ao invés do nome do casal ou da Sociedade, proprietária do imóvel), uma proposta de obras à XX Co., LTD para proceder à reparação e melhoramento do apartamento (Cf. Doc. n.º 1 que ora se junta).
6. Após a confirmação, a Falecida transferiu o montante de HKD$666,360.00, que corresponde ao 40% do valor total das obras em Março de 2015 para dar início à execução do projecto. (Cf. Doc. n.º 2 que se junta).
7. Posteriormente, pagou a Falecida o remanescente do valor das obras em 2 parcelas em Novembro de 2015, no montante respectivo de HKD$499,700.00 e HKD$662,218.00 (Cf. Doc. n.ºs 3 e 4 que ora se juntam).
8. Ora, em relação à realização das obras, foi a Autora a única pessoa responsável pela coordenação, execução e fiscalização, o 1º Réu não contribuiu para as decisões muito pouco para o pagamento dos valores, ou seja, não teve qualquer envolvimento no processo, sendo, assim, da iniciativa e exclusiva da ora falecida.
9. Ademais, foi precisamente sobre a questão de passar a viver em Hong Kong, a Falecida ficou insatisfeita com a atitude do 1º Réu.
10. A determinação da Falecida de levar a cabo as referidas obras de grande dimensão deveu-se ao facto de o 1º Réu ter comprometido a viver com ela em Hong Kong após a reforma em breve.
11. Após a conclusão das obras de renovação no apartamento em Hong Kong, a Falecida estava sempre à espera da reforma do 1º Réu para se mudarem juntos para Hong Kong.
12. Durante esse tempo, o apartamento nunca foi arrendado a pessoa alguma, permanecendo vazio até a residência da Falecida em 2020.
13. Se a Falecida não tivesse tido a intenção de residir de forma permanente em Hong Kong, para que serviria a realização das obras de reparação e melhoramento que perfazem um valor total de HKD1,828,348.00?
14. Além disso, precisamente por ter forte vontade de fixar a sua residência permanente no apartamento de Hong Kong, a Falecida cumpriu pontualmente as suas obrigações de pagamento das despesas consideráveis de renovação do condomínio no montante superior a HKD500,000.00 entre os anos de 2017 e 2021, em nome da sua sociedade constituída em Hong Kong, proprietária do imóvel (Cf. Doc. 5 que ora se juntam).
15. No entanto, o 1º Réu adiou repetidamente o seu plano de reforma, ignorando e desvalorizando a promessa que fez à Falecida.
16. Por volta de 2019, a Autora foi comunicada pelo seu médico de que teria apenas cerca de 5 anos de expectativa de vida e nessa altura, devido à sua condição de saúde, não foi recomendado fazer a operação ao coração.
17. Em Julho de 2020, depois de ter uma grande briga com o 1º Réu, a Falecida ficou tão desiludida que decidiu ir viver em Hong Kong sem mais esperar pelo marido.
18. O que mostra também que a relação matrimonial entre o 1º Réu e a Falecida, pelo menos durante o último tempo da vida da Falecida, já não era tão sólida e harmoniosa tal como descrita pelo 1º Réu.
19. Na mesma altura, a saúde da Falecida agravou-se, o que reforçou o seu desejo de permanecer em Hong Kong, sem mais demoras.
20. Portanto, é mister concluir que a decisão de passar a viver em Hong Kong resultou de um projecto planeado pela Falecida e não a foi tomada, de forma brusca, em 2020, ao contrário da alegação do 1º Réu de que a Falecida teve de ficar em Hong Kong devido às medidas restritivas de viagens impostas por causa da pandemia.
21. Por fim, importa fazer notar ainda que além de o seu óbito ter ocorrido. em Hong Kong, conforme referido no artigo 17º da Contestação, a cerimónia do funeral da Falecida teve igualmente lugar em Hong Kong, pelo que seria de absoluta falta de bom senso considerar a lei de Macau como a lei pessoal da Falecida, tal como entende o 1º Réu (Cf. Doc. 6 que ora se junta).
22. Em face do exposto, a posição defendida na Contestação quanto à determinação da lei pessoal da Falecida merece a nossa concordância integral, e consequentemente, deverá ser julgada improcedente a impugnação invocada pelo 1º Réu ao abrigo do artigo 1202º, n.º 2 do CPC.
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第一被聲請人(B)作出答覆,理據如下:
I. Da Falta de legitimidade dos interessados incertos
1. Salvo sempre o devido respeito por posição diversa, não se vislumbram razões para a intervenção de interessados incertos nos presentes autos, devendo, pois, os mesmos serem considerados parte ilegítima.
2. Com efeito, em causa está apenas o reconhecimento de uma decisão proferida no exterior de Macau, cujos fundamentos de oposição são limitados, pelo que apenas devem ter legitimidade para intervir no processo as pessoas que configuram como parte na decisão a reconhecer ou susceptíveis de serem afectadas pela mesma, como, no caso concreto, as pessoas que figuram no testamento.
3. Por outro lado, o reconhecimento da decisão em nada contende com os direitos dos herdeiros legais, pois desse reconhecimento da decisão - cuja oposição aqui se reitera pelas razões expostas na oposição do aqui Réu - apenas resulta a validade formal do testamento em Macau, o que não impede os herdeiros legais (quer sejam conhecidos, desconhecidos ou incertos) de fazerem valer os seus direitos, designadamente de redução do testamento se, de acordo com a lei aplicável à sucessão, os herdeiros forem legitimários e houver ofensa à sua legítima.
4. Nestes termos, devem os interessados incertos serem considerados parte ilegítima nos presentes autos e, assim, desentranhada ou desconsiderada a contestação apresentada em sua representação.
II. Da Inexistência do direito de resposta da Autora
5. Sem prejuízo do supra exposto, o certo é que a contestação apresentada em nome dos interessados incertos associa-se à posição da Autora, inclusivamente, no que se refere a factos sobre os quais, pela natureza das coisas, esses incertos desconhecem, sem obrigação de conhecer.
6. Independentemente de ser estranha essa tomada de posição, sobretudo no que diz respeito aos factos sobre os quais não têm qualquer conhecimento, a verdade é que ao manifestar total concordância com a Autora e ao não invocar qualquer excepção aos pedidos por ela formulados, julga-se que não assiste à Autora o direito de resposta, muito menos para voltar a responder ao aqui Réu, acrescentando, complementando ou corrigindo a resposta que tempestivamente já havia apresentado, como a Autora efectivamente fez.
7. Com efeito, o direito de resposta do autor previsto no nº2 do artigo 1202° do CPC, não pode deixar de ser visto à luz das regras do processo ordinário, aplicáveis ao presente processo especial por força do artigo 372º , nº1, do CPC, das quais resulta que o autor só tem direito a responder à contestação/oposição do réu caso este formule um pedido reconvencional ou invoque alguma excepção, nos termos do artigo 420°, nº1, também do CPC.
8. Assim, não tendo os interessados incertos na sua contestação/oposição formulado qualquer excepção, não tinha a Autora direito a responder à mesma, pelo que requer-se que seja, desentranhada e devolvida à Autora a sua resposta à contestação dos interessados incertos, ou ser desconsiderada, por inadmissível, nos termos conjugados dos artigos 1202º, 372°, nº1, e 420, nº1, todos do CPC.
Sem prescindir
III. Dos factos alegados e documentos juntos
9. Porque a Autora, nessa sua resposta, veio alegar novos factos e juntar documentos, a ser essa resposta admitida, tem o aqui Réu direito a pronunciar-se sobre a mesma, designadamente sobre os documentos juntos .
10. Relativamente a esses factos e documentos os mesmos supostamente visam, na sequência dos outros alegados e juntos pela Autora na sua resposta à oposição do aqui Réu, demonstrar que a Falecida tinha a sua residência habitual em Hong Kong.
11. É verdade que, como a Autora já havia dito na sua resposta à oposição do aqui Réu, que este e a Falecida constituíram uma sociedade em Hong Kong, embora o aqui Réu não figurasse nela como sócio mas apenas como administrador.
12. É também verdade que, nos documentos dessa sociedade, tanto a Falecida como o Réu indicavam como sua residência, uma morada de Hong Kong.
13. Porém, como é óbvio, tal morada era, como é prática nessas situações, apenas para facilitar o envio e recepção das comunicações relativas a essa sociedade.
14. De qualquer modo, o facto de se indicar, nos documentos relativos a uma sociedade constituída em Hong Kong, uma morada desse local não é demonstrativo, sem mais, de que a pessoa tem efectivamente residência nesse local.
15. De resto, a Falecida era também sócia e administradora de uma sociedade em Macau na qual a morada indicada era naturalmente a de Macau (cfr. Doc. ora junto).
16. Através dessa sociedade em Hong Kong, a Falecida e o aqui Réu adquiriram um imóvel em Hong Kong, inicialmente com o objectivo de investimento.
17. Porém, como os pais da Falecida viviam em Hong Kong num imóvel sem condições adequadas à sua saúde e idade avançada, a Falecida e o aqui Réu decidiram permitir que aqueles passassem a residir no imóvel que haviam adquirido através da sociedade em Hong Kong.
18. Para o efeito, realizaram as obras que a Autora menciona e documenta.
19. Embora seja irrelevante para os presentes autos, essas obras foram efectivamente pagas pelo aqui Réu, já que era este quem tinha condições económicas para o fazer.
20. Os pais da Falecida viveram no imóvel de Hong Kong até a data da sua morte, ambos em 2016.
21. Naturalmente que, com a doença da Falecida e na convicção de que em Hong Kong tinha melhores cuidados de saúde, a Falecida e o aqui Réu resolveram manter o imóvel como local de estadia sempre que se deslocavam a Hong Kong, o que era frequente, designadamente para efeitos de tratamento médico.
22. Porém, nunca o Réu e a Falecida discutiram a possibilidade de mudar definitivamente a sua residência para Hong Kong,
23. Nem nunca houve qualquer divergência de monta entre o casal relativamente a esse assunto ou a qualquer outro.
24. Aliás, como se disse na oposição, o 1º Réu passou também cerca de um ano em Hong Kong sem vir a Macau, entre 2021 e 2022, cuidando, assistindo a Falecida até a sua morte e, no fim, tratar do seu enterro (Cfr. Doc. 16 junto com a oposição).
25. Isso porque, como também se disse, o agravamento da doença da Falecida e a sua morte ocorreram em plena pandemia e vigência das medidas restritivas de viagens impostas quer em Macau quer em Hong Kong para evitar a propagação da mesma.
26. É assim falso ou deturpado, e por isso se Impugna, o alegado nos artigos 1º a 20º da resposta da Autora à contestação dos interessados incestos, bem como as conclusões que deles se retiram.
27. Relativamente ao facto de as cerimónias fúnebres da Falecida terem sido realizadas Hong Kong, tal é apenas uma consequência de a morte ter ocorrido em Hong Kong.
28. De resto, tendo a morte ocorrido em plena vigência das medidas anti pandémicas, não faria sentido e era impraticável qualquer tentativa de transladação do corpo.
29. Em conclusão, nada do que foi alegado pela Autora, quer na sua resposta à contestação apresentada pelo Réu, quer na resposta à contestação apresentada pelos interessados incertos, nem os documentos que juntou, conseguem abalar o facto indesmentível que a Falecida tinha aqui a sua residência habitual, juntamente com o aqui Réu, seu marido, e que só a doença e a pandemia de má memória para todos fizeram com que viesse a permanecer durante uns tempos em Hong Kong, onde veio a falecer.
30. Tais documentos apenas provam que a falecida mantinha ligações com Hong Kong, o que é natural por ser a terra onde nasceu e tinha familiares próximos, inclusivamente, até 2016, como acontece com qualquer emigrante ou expatriado em relação à sua terra natal ou de origem.
31. Reitera-se ainda que do artigo 30°. nº4, do Código Civil, resulta que mesmo que se admita, o que apenas à cautela se faz, que a Falecida tinha dupla residência, em Hong Kong e Macau, sempre a sua lei pessoal seria a de Macau, com todas as consequências daí resultantes.
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檢察院依法對案件作出檢閱,作出如下意見:
就聲請人(A)提出之聲請,法院僅限於對外地裁決是否符合形式要件及規範性條件作出審查。
根據《民事訴訟法典》第1204條的規定,對於聲請人(A)所提出之聲請,未見存在不符合同一法典第1200條a項及f項所指之條件,亦沒有在檢查卷宗後又或按照行使職能時所知悉之情況而證實欠缺同一條文b項、c項、d項及e項所要求之要件。
第一被聲請人(B)提出被繼承人之遺囑不符合法律規定之莊嚴方式。本院並不認同,因為按照澳門《民法典》第62條及第2054條規定:
第六十二條
(方式)
一、死因處分以及其廢止或變更,如其方式符合訂立行為地法之規定,或符合被繼承人作出意思表示時或死亡時之屬人法之規定,又或符合訂立行為地法之衝突規範所援引法律之規定者,均為有效。
二、然而,如被繼承人作出意思表示時之屬人法規定即使行為在外地作出,仍須遵守特定方式,否則無效或不產生效力者,須遵守之。
第二千零五十四條
(常居於澳門之人於外地訂立之遺囑)
常居於澳門之人遵照澳門以外地方之準據法而訂立之遺囑,僅在其訂立或核准已符合對莊嚴方式之要求下方在澳門產生效力。
而本案的審查標的是由中國香港高等法院發出的第HCAG00xxx/2022號遺囑認證,足見其符合訂立行為地法之規定,而訂立的方式亦符合對莊嚴方式之要求。
除此之外,第一被聲請人(B)提出有關遺囑認證一旦獲確認會導致明顯與公共秩序不相容之結果,尤其損害第一被聲請人(被繼承人之配偶)的相關特留份,其表示如適用澳門之實體法,則會產生一個對第一被聲請人較有利之結果。
就此,我們認同中級法院合議庭第1134/2019號合議庭裁判之見解“待確認的裁判書涉及遺囑繼承事宜,雖然確認裁判書將有可能損害到繼承人的特留份,但事實上,不論F、兩名聲請人及三名的被聲請人並非澳門居民,與澳門的唯一連結點只是F的部分遺產在澳門而已,因此即使確認裁判書也不會對澳門特區的法律及公共秩序造成明顯不相容之結果。
本案中,儘管第一被聲請人和被繼承人為澳門居民(但同樣亦為香港居民),且亦提出屬人法的質疑,可是,其並未能提出足夠相反的證據,以證明一旦適用澳門實體法,會如何產生一個對第一聲請人較有利之結果。相反,在有關認證的遺囑當中,遺囑人/被繼承人已將位於澳門XXX單位及YYY車位當中其占有之二分之一業權、其作為唯一股東XXX公司之50%股權、以及在分配後及在支付債務、喪葬費用、遺囑費用、所欠的權利後的剩餘之金錢餘額都歸第一被聲請人所有。
故此,在遺囑有效之情況下,未見有關香港的司法決定有損害第一被聲請人之特留份之份額(《民法典》第1996條—配偶並不與直系血親卑親屬或直率血親尊親屬共同分享特留份,則配偶之特留份為遺產之三分之一)。
基於此,我們認為聲請人(A)提出之聲請不存在可妨礙對該外地裁判作出審查及確認之事由。
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本案依法及適時送交兩名助審法官檢閱。
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II. 訴訟前提
本法院對此案在事宜及等級方面有管轄權,且訴訟形式恰當。
雙方當事人有當事人能力、訴訟能力,具正當性及訴之利益。
不存在妨礙審理案件實體問題之延訴抗辯及無效之情況。
* * *
III. 既証之事實列
根據附入卷宗之文件,本院認為既証之事實如下:
1.(G), irmã da ora Autora, faleceu em Hong Kong no dia 26 de Março de 2022, no estado de casado com o Primeiro Réu, tendo a sua última residência habitual em Hong Kong, XXX("a Falecida").
2. A Falecida deixou testamento (Last Will), datado de 30 de Maio de 2021 (“o Testamento"). (cf. Doc. n.º 1 que se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido).
3. A Falecida deixou bens não só situados em Hong Kong, mas também em Macau.
4. Do património hereditário da Falecida, fazem parte, nomeadamente, os seguintes bens localizados em Macau:
i) a fracção autónoma - designada por "x6", correspondente ao 6.º andar, "x", para habitação, do prédio urbano denominado "XXX", inscrito na matriz predial sob o número XXX e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número XXX - propriedade adquirida pela Falecida e pelo Primeiro Réu na constância do casamento ("1ª Verba") (cf. Doc. n.º 2 que se junta e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido); e
ii) o saldo de todas as contas bancárias abertas pela Falecida junto das instituições bancárias situadas em Macau ("2ª Verba") (cf. Doc. n.º 1 que se junta supra).
5. Ao abrigo do parágrafo 4º do Testamento, o Primeiro Réu foi nomeado como legatário da 1ª Verba, e, por seu turno, os irmãos da Falecida, a ora Autora, a Segunda Ré, a Terceira Ré e o Quarto Réu, foram nomeados como legatários da 2ª Verba por partes iguais.
6. Em 31 de Maio de 2022, o Tribunal Superior da Região Administrativa Especial de Hong Kong ("the High Court of the Hong Kong Special Adminstrative Region"), proferiu a decisão sob o número HCAG00xxx/2022, (em Inglês: "Probate" ou em chinês: "遺囑認證" ), a qual se traduz na homologação sucessória do testamento da Falecida, que assim foi julgado válido e registado no referido Tribunal ( "Decisão Revidenda") (cf. Doc. n.º 1 que se junta supra).
7. E através da qual foram concedidos poderes de administração de todos os bens que integram o acervo hereditário da Falecida à Autora, na qualidade de única executora da herança (cf. Doc. n.º 1 que se junta supra).
8. A Decisão Revidenda transitou em julgado de acordo com as leis de Hong Kong.
9. De acordo com a Lei de Homologação de Testamento e Administração de Heranças de Hong Kong (denominado em Inglês: "Probate and Administration Ordinance" e em chinês: "遺囑認證及遺產管理條例") Cap.10, nomeadamente na sua Parte III, sessões 24 e 24A, n.º (3), se uma pessoa morrer em Hong Kong deixando testamento válido e, havendo bens imóveis e/ou sendo muitos os bens deixados pelo falecido, a pessoa nomeada para executar o testamento deve, em primeiro lugar, proceder ao registo de inventário junto do Tribunal Superior de Hong Kong.
10. Ainda nos termos da mesma Lei, estando registado o inventário, a pessoa que consta deste registo tem a responsabilidade de recolher e distribuir todo o espólio do falecido.
11. Ora, trata-se de um processo em tudo similar aos de habilitação de herdeiros e de partilha extrajudicial da herança em Macau.
12. No entanto, as verbas acima descritas não podem ser administrados pela Autora, conforme a última vontade da Falecida consignada no Testamento, enquanto a Decisão Revidenda não produz na sua plenitude os seus efeitos na ordem jurídica de Macau.
* * *
IV. 理由說明
澳門《民事訴訟法典》第1200條規定如下:
“一、為使澳門以外地方之法院所作之裁判獲確認,必須符合下列要件:
a)對載有有關裁判之文件之真確性及對裁判之理解並無疑問;
b)按作出裁判地之法律,裁判已確定;
c)作出該裁判之法院並非在法律欺詐之情況下具有管轄權,且裁判不涉及屬澳門法院專屬管轄權之事宜;
d)不能以案件已由澳門法院審理為由提出訴訟已繫屬之抗辯或案件已有確定裁判之抗辯,但澳門以外地方之法院首先行使審判權者除外;
e)根據原審法院地之法律,已依規定傳喚被告,且有關之訴訟程序中已遵守辯論原則及當事人平等原則;
f)在有關裁判中並無包含一旦獲確認將會導致產生明顯與公共秩序不相容之結果之決定。
二、上款之規定可適用之部分,適用於仲裁裁決。”
另外,澳門《民事訴訟法典》第1204條還規定:
“法院須依職權審查第一千二百條a項及f項所指之條件是否符合;如法院在檢查卷宗後又或按照行使其職能時所知悉之情況而證實欠缺該條b項、c項、d項及e項所要求之要件者,亦須依職權拒絕確認。”
現在我們對有關要件作出分析,如不符合任一要件,則不得對判決作出確認。
1) 首先,被審查的文件為一份由香港特別行政區高等法院發出的遺囑認證,文件內容清晰、簡潔、易明,故我們對該文件之真確性及對裁判之理解並不存在任何疑問。
值得指出,第1200條第1款a項所要求的是對判決的決定部份要求清晰,即很易明白其中決定的內容。立法者並無要求法院重新考慮有關裁判之決定理據。換言之,無需對判決的事實及法律理據重新分析。
2) 按照卷宗的資料,尤其是文件一的內容,可以合理得知:有關待確認裁判已根據作出裁判地之法律轉為確定,而且處於執行階段。這符合«民事訴訟法典»第1200條第1款b項之要件。
3) 另外,沒有任何跡象顯示請求確認之裁判之法院的管轄權是在規避法律之情況下產生,且有關裁判並不涉及屬澳門法院專屬管轄權之事宜,即不涉及澳門《民事訴訟法典》第20條所規定之事宜。
4) 本案之死者為澳門永久居民,同時亦有香港身份,並在澳門留下不動產待繼承,在正常情況下澳門法院亦有管轄權,然雙方當事人從未在澳門司法機關提出性質相同之請求,因此不存在訴訟繫屬或案件已有確定裁判之抗辯。這符合《民事訴訟法典》第1200條第1款d項之要件。
5) 根據資料顯示,在該案中已依法對遺囑認證案中之被告作出傳喚,由此可見已適當給予雙方當事人行使辯論權及體現當事人平等原則,這亦符合«民事訴訟法典»第1200條第1款e項之要件。
6) 最後,法律還要求有關裁判一旦獲得確認,不會產生與公共秩序不相容之後果。
關於後述之內容,毫無疑問,待確認之裁判涉及執行遺囑事宜,由於澳門《民法典》第2147條及續後亦設有類似制度,故澳門以外的法院作出之執行遺囑並不違反澳門法律體系之基本原則,亦無侵犯澳門特區之公共秩序。
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關於聲請方及被聲請方皆提出證人名單及要求,聽取這些證人(見卷宗第111頁及166頁),由於在本個案裏法院不對實體問題作審查,故聽取證人全無意義,因此否決有關申請,對各聲請方處1/2 UC的附帶問題訴訟費。
*
最後,關於被聲請人提出的另外兩個問題:
1) – 關於欠缺訴之利益的問題:
由於死者在澳門留有動產及不動產,如果按其遺囑執行這些遺產,明顯聲請人有訴之利益(見《民事訴訟法典》第72條),因為如果遺囑未經澳門法院確認,不能在澳門發生效力,故有必要提起確認有關遺囑之程序。
2) – 關於倘適用澳門法律,則有關結果更為有利:
a) – 按照《民事訴訟法典》第1202條之規定,原則上本澳法院不對外地的裁判作實體審查,除非有證據證明有關待確認之裁判違反澳門法律體系之基本原則或澳門國際公共秩序。顯然本個案不存在這些證據或情況(上文所作關於確認之分析正印證這一點)。
b) – 另外,本個案並非針對澳門居民作出裁判,標的是一份在香港繕立的遺囑。
c) – 關於繼承及遺囑之效力方面,衝突規則見於《民法典》第59條及第62條,為此,死者可在香港訂立遺囑;而其形式效力亦只需符合香港法律之規定即可。
為此,被聲請人所提出之反駁理據全部理由不成立。
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已闡述及分析全部內容,本法庭具備條件作出最後判決。
* * *
V. 裁判
據上論結,本中級法院確認香港特別行政區高等法院發出的第HCAG00xxx/2022號的遺囑認證。
*
訴訟費用由聲請人及第一被聲請人承擔,比例分別為1/5及4/5。
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將公設代理人(律師)之報酬訂為澳門幣貳仟元正。
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依法登錄及作出通知。
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澳門特別行政區, 2024年4月18日
馮文莊
(裁判書製作人)
何偉寧
(第一助審法官)
唐曉峰
(第二助審法官)
1 Cf. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 14 de Abril de 2016, no processo n.º 933/2015, disponível em www.court.gov.mo.
2 Artigo 20.º do CPC
3 Cf. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 18 de Janeiro de 2018, no processo n.º 375/2017, disponível em www.court.gov.mo.
4 Antunes Varela, J, Miguel Bezerra, e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, Coimbra, Coimbra Editora, 1985, 2ª edição.
5 Acórdão do Tribunal da Última Instância n.º 86/2018, disponível em www.court.gov.mo.
6 Disponível em https://www.elegislation.gov.hk.
7 Disponível em https://www.elegislation.gov.hk.
8 Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 24/4/2018, processo 137/17, e de 2/12/2020, processo 210/19, disponível em www.dgsi.pt.
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2023-588-testamento 6