中國澳門特別行政區
中級法院合議庭裁判
卷宗編號:363/2023
(司法上訴卷宗)
日期:2024年10月17日
司法上訴人:A
上訴所針對之實體:保安司司長
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一、概述
保安司司長(以下簡稱“上訴所針對之實體”或“被訴實體”)於2023年3月17日作出批示,宣告A(以下簡稱“司法上訴人”)的居留許可無效。
司法上訴人不服,向本中級法院提起司法上訴,並在起訴狀中點出以下結論:
“1. O Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, por despacho de 17 de Março de 2023, decidiu declarar nula a autorização de residência concedida à Recorrente em 25 de Outubro de 2011, com base nos “fundamentos” constantes do parecer no relatório n.º 200157/SRDARPA/2022P do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência da PSP (cfr. Ofício cuja cópia se junta como doc. n.º 1, e que se considera reproduzido para os devidos efeitos), que a seguir se transcrevem:
“1. A interessada A [titular do Bilhete de Identidade de Residente de Macau n.º 15XXXX2(9)], titular do Salvo-Conduto Duplo da RPC (anteriormente titular do Salvo-conduto para Hong Kong e Macau), apresentou, em 2011, o seu pedido de permanência em Macau, com o objectivo de fixar residência em Macau com o seu cônjuge B. Em 28 de Outubro de 2011, foi emitido o Certificado de Residência n.º 6XX0/2011.
2. Em 25 de Fevereiro de 2022, o Tribunal Judicial de Base condenou A, pela prática de um crime de falsificação de documento, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, ficando provado que A obteve o Bilhete de Identidade de Residente de Macau através da celebração de um casamento falso com B, residente de Macau.
3. Uma vez que a interessada obteve a residência em Macau através de casamento falso com um residente de Macau e esteve envolvida em actos criminosos no processo de autorização de residência, este Departamento pretende declarar a nulidade da “autorização de residência” concedida por este Instituto à interessada, pelo que, nos termos dos artigos 93º e 94º do Código do Procedimento Administrativo, envia-lhe a Notificação da Audiência Escrita.
4. Em 27 de Junho de 2022, recebeu a audiência escrita apresentada pelo advogado constituído pela interessada.
5. Considerando que A foi condenada pelo Tribunal Judicial de Base pela prática do crime de falsificação de documento por ter obtido, por meios fraudulentos, a autorização de residência em Macau através da celebração de casamento falso com um residente de Macau, os crimes em causa são elementos-chave para a concessão de autorização de residência por parte da Administração. Nestes termos, nos termos do art.º 122º, n.º 2, al. c) do Código do Procedimento Administrativo, é declarado a nulidade da autorização de residência concedida por este Instituto em 25 de Outubro de 2011 a A.”
2. Ora, a Recorrente naturalmente não se conforma e não concorda, com a decisão do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, tomada com base nos “fundamentos” constantes do parecer no relatório n.º 200157/SRDARPA/2022P do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência da PSP, por no seu entendimento a mesma decisão estar inquinada de diversos e graves vícios, nomeadamente por não se encontrar devidamente fundamentada e, além disso, ser manifestamente desproporcional, pelo que, apresenta em seguida, DA IMPUGNAÇÃO, começando por referir que o princípio da legalidade, previsto no artigo 3º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, impõe que“Os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes estejam atribuídos e em conformidade com os fins para que os mesmos poderes lhes forem conferidos.”
3. A Recorrente entende, com o devido respeito, que a decisão do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, não está conforme, em obediência à lei e ao direito, pelos vícios que a seguir se identificam:
4. A – DO VÍCIO DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO: O Exmo. Senhor Secretário para a Segurança tomou como seus os “fundamentos” propostos pelo Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência da PSP que propôs declarar como nula a autorização de residência, apenas fazendo mera referência à decisão judicial, sem sequer dar a conhecer à Recorrente os factos e o direito em concreto que permitiram chegar a tal decisão.
5. Nos termos do artigo 114º do Código do Procedimento Administrativo (CPA), os actos administrativos que neguem, extingam, restrinjam ou afectem por qualquer modo direitos ou interesses legalmente protegidos, ou imponham ou agravem deveres, encargos ou sanções, devem ser fundamentados.
6. Tal decisão está em desconformidade, com o referido artigo 114º, como também com o imposto no artigo 115º também do CPA, de onde se podem extrair os seguintes requisitos cumulativos da fundamentação: a) – a explicitude que se traduz na declaração expressa dos fundamentos de facto e de direito; b) – a contextualidade no sentido de constar da mesma forma em que se exterioriza a decisão tomada; c) – a clareza; d) – a congruência e, e) – a suficiência (Lino Ribeiro, José Cândido de Pinho: Código do Procedimento Administrativo de Macau – Anotado e Comentado, pp. 637 a 642).
7. Para se apurar e demonstrar a desconformidade com as referidas normas, basta a simples leitura dos “fundamentos” da decisão e que se transcrevem excertos (cfr. Doc. 1): “2. Em 25 de Fevereiro de 2022, o Tribunal Judicial de Base condenou A, pela prática de um crime de falsificação de documento, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos, ficando provado que A obteve o Bilhete de Identidade de Residente de Macau através da celebração de um casamento falso com B, residente de Macau. 3. Uma vez que a interessada obteve a residência em Macau através de casamento falso com um residente de Macau e esteve envolvida em actos criminosos no processo de autorização de residência, este Departamento pretende declarar a nulidade da “autorização de residência” concedida por este Instituto à interessada, pelo que, nos termos dos artigos 93º e 94º do Código do Procedimento Administrativo, envia-lhe a Notificação da Audiência Escrita. (…) 5. Considerando que A foi condenada pelo Tribunal Judicial de Base pela prática do crime de falsificação de documento por ter obtido, por meios fraudulentos, a autorização de residência em Macau através da celebração de casamento falso com um residente em Macau, os crimes em causa são elementos-chave para a concessão de autorização de residência por parte da Administração. Nestes termos, nos termos do art.º 122º, n.º 2, al. c) do Código do Procedimento Administrativo, é declarado a nulidade da autorização de residência concedida por este Instituto em 25 de Outubro de 2011 a A.”
8. O Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, com base nos “fundamentos” constantes do parecer no relatório n.º 200157/SRDARPA/2022P do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência da PSP, não demonstrou em termos concretos, quais os factos, quais os factos, quais os critérios e quais as circunstâncias que o levaram a considerar e entender que “não era favorável à manutenção da autorização de residência concedido à Recorrente!”
9. Quanto à alegada “fundamentação”do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança com base no referido parecer, sempre se dirá que não é clara, adequada e suficiente! A Recorrente não conhece as razões que, no caso concreto, determinaram a denegação, a declaração de nulidade da autorização de residência, e quando a fundamentação não é clara, estamos perante uma manifesta violação dos artigos 114º, n.º 1, al. a) e 115º ambos do Código de Procedimento Administrativo, sendo um acto nulo nos termos do n.º 1 do Artigo 122º do mesmo Código.
10. O próprio Tribunal Judicial de Base, no momento da decisão entre a escolha entre a aplicação de uma pena de prisão efectiva e a aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, optou e decidiu pela aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução, o que demonstra de forma clara que esta pena com execução suspensa, realiza suficientemente as finalidades preventivas das penas, a proteção dos bens jurídicos em crise.
11. Considera a Recorrente, que o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, com base no referido parecer, ao ter decidido declarar nula a autorização de residência, com base naquela decisão judicial, em que se aplicou uma pena de prisão suspensa na sua execução, é levar ao extremo a interpretação e aplicação das normas! A Recorrente entende, tal como entendeu aquele Tribunal, que não constitui qualquer“perigo”, pelo que, nem sabe qual o “grau de perigosidade” que a mesma representa para a RAEM!
12. Ora, a Recorrente nasceu em XX de XX de 19XX, em XX, XX, China (cfr. Cópia de 常住人口登記卡 tirada do processo n.º CR1-21-0014-PCC que se juntou como Documento n.º 1 na audiência escrita; cfr. Docs. n.ºs 2 e 3 e que se consideram reproduzidos para os devidos efeitos).
13. A Recorrente tem como habilitações literárias o ensino secundário.
14. Em 29 de Agosto de 2014, a Recorrente e C, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente n.º 13XXXX9(5), casaram-se validamente na Conservatória do Registo Civil de Macau (cfr. Certidão de Narrativa de Registo de Casamento que juntou como Documento n.º 13 na audiência escrita e Doc. n.º 4, que se consideram reproduzidos para os devidos efeitos).
15. A Recorrente trabalha na D Limited como “Dealer” e aufere actualmente MOP18.627,99 por mês (cfr. Declaração de trabalho que se juntou na audiência escrita como Documento n.º 7 e que se junta uma declaração actualizada como Doc. n.º 5, e que ambos se consideram reproduzidos para os devidos efeitos.)
16. O marido da Recorrente C, que não tem qualquer registo criminal, ainda continua a trabalhar actualmente na D Limited como “PIT SUPERVISOR”, e aufere actualmente MOP29.195,00 por mês (cfr. declaração de trabalho que juntou como Documento n.º 14 na audiência escrita e que junta uma declaração actualizada como Doc. n.º 6; Doc. n.º 7, e que se consideram reproduzidos para os devidos efeitos).
17. Do casamento de ambos, nasceram em Macau dois filhos ainda menores: E, nascida em 11 de Dezembro de 2014, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente n.º 16XXXX0(5), e F, nascido em 28 de Junho de 2017, titular do Bilhete de Identidade de Residente Permanente n.º 16XXXX3(6) (cfr. cópias dos respectivos BIRs e Certidões de Narrativa de Registo de Nascimento que se juntaram como Documentos n.ºs 15 a 18 na audiência escrita e Docs. n.ºs 8 e 9, que se consideram reproduzidos para os devidos efeitos).
18. A filha E, tem à presente data 8 anos de idade e frequenta o 3º ano do ensino primário da Escola XX (cfr. Documento n.º 19 que foi apresentado na audiência escrita e que se apresenta pública-forma do mesmo como Doc. n.º 10, considerando-se ambos reproduzidos para os devidos efeitos) e o filho F tem à presente data 5 anos de idade e frequenta o K3 do ensino infantil da Escola XX (cfr. documento n.º 20 que foi apresentado na audiência escrita e que se apresenta pública-forma do mesmo como Doc. n.º 11, considerando-se ambos reproduzidos para os devidos efeitos).
19. Desde o nascimento das crianças, a filha foi internada em hospital 4 vezes e o filho 3 vezes, e sempre foi a mãe quem cuidou e acompanhou as crianças nos internamentos (cfr. Documentos n.ºs 21 e 22 que foram apresentados na audiência escrita e que se consideram reproduzidos para os devidos efeitos).
20. A filha E precisa de continuar a sujeitar-se a consultas periódicas de Otorrinolaringologia, devido às frequentes infecções do trato respiratório superior (URTI) e outras patologias (cfr. Doc. n.º 12 que se considera reproduzidos para os devidos efeitos) e o filho F precisa também de continuar a sujeitar-se a consultas periódicas de Otorrinolaringologia, e devido também às frequentes infecções do trato respiratório superior (URTI) e outras patologias (cfr. Doc. n.º 13 que se considera reproduzido para os devidos efeitos).
21. A Recorrente é quem sempre acompanha os filhos menores nas idas ao médico, às consultas médicas, aos Hospitais e clínicas privadas, e na obtenção da medicação junto das farmácias (cfr. Doc. n.º 14 que se considera reproduzido para os devidos efeitos).
22. Ora, a Recorrente e o seu marido ambos trabalham, e é a Recorrente, com muito esforço, quem mais cuida, dá atenção e trata das duas crianças, além de ter ainda de realizar as tarefas domésticas da sua casa, uma vez que já não têm empregada doméstica (cfr. Doc. n.º 15 que se considera reproduzido para os devidos efeitos).
23. A Recorrente, conjuntamente como seu marido, é proprietária de 1 (uma) fracção autonóma, onde residem. A Recorrente e o seu marido continuam a pagar uma amortização ao Banco XX pela compra da referida fracção onde a família, como se referiu, actualmente mora, na quantia mensal cerca de MOP9.620,00 (cfr. Documento n.º 25 que foi apresentado na audiência escrita e que junta um documento actualizado como Doc. n.º 16, em que se consideram ambos reproduzidos para os devidos efeitos).
24. Os salários da Recorrente e do seu marido são apenas suficientes para garantir uma vida modesta da família, em pleno respeito à Legislação da RAEM.
25. A Recorrente tem feito sempre descontos para o Fundo de Segurança Social. A Recorrente tem cumprido sempre a obrigação fiscal de pagar o imposto profissional.
26. Do exposto, fica demonstrado que a Recorrente, tem e reúne as condições normais, iguais a todos os residentes, para viver na RAEM, pelo que a Recorrente não conhece, não entende, as razões que, no caso concreto, determinaram a denegação, a declaração de nulidade da autorização da sua residência na RAEM por parte do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, tanto mais que,
27. B – DA VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE E DA ADEQUAÇÃO:
Nos termos do n.º 2 do artigo 5º do CPA, “As decisões da Administração que colidam com direitos subjectivos ou interesses legalmente protegidos dos particulares só podem afectar essas posições em termos adequados e proporcionais aos objectivos a realizar”.
28. É este o chamado princípio da proporcionalidade e da adequação e como ensina David Duarte, “A ideia central deste princípio projecta-se em três dimensões injuntivas: adequação, necessidade e equilíbrio. A adequação impõe que o meio utilizado seja idóneo à prossecução do objectivo da decisão. Entre todos os meios alternativos, deve ser escolhido aquele que implique uma lesão menos grave dos interesses sacrificados. O equilíbrio revela a justa medida entre os interesses presentes na ponderação e determina que, na relação desses interesses entre si, deve a composição ser proporcional à luz do interesse público em causa. – in David Duarte, Procedimentalização, Participação e Fundamentação: Para Uma Concretização do Princípio da Imparcialidade Administrativa Como Parâmetro Decisório, Almedina, Coimbra, 1996, 319 a 325).”
29. Por outro lado, o despacho do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, com base no supra referido parecer, ao ter declarado nula a autorização de residência da Recorrente, é manifestamente desproporcional e desrazoável, na medida, que a Recorrente entende que é possível estabelecer um equilibrado “jogo de cintura” entre o interesse da manutenção da ordem e segurança pública da RAEM e o interesse particular da Recorrente em continuar a residir na RAEM com a sua família.
30. A Recorrente até à presente data não está a ser investigada, indiciada, a ser julgada em nenhum Tribunal da RAEM, ou que tenha sido condenada na prática de qualquer tipo de crime.
31. A Recorrente tem e faz toda a sua vida na RAEM, como já se demonstrou supra, e como se referiu supra, a Recorrente, conjuntamente como seu marido, é proprietária de 1 (uma) fracção autónoma, onde residem.
32. A Recorrente, como se mencionou antes, ainda é merecedora da total confiança do seu empregador a trabalhar actualmente na D Limited como “DEALER”, e aufere actualmente MOP18.627,99 por mês – cfr. Doc. n.º 5.
33. O Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, com base nos “fundamentos” do parecer no relatório n.º 200157/SRDARPA/2022P do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência da PSP, ao ter declarado nula a autorização de residência, imediatamente a vida da Recorrente fica irremediavelmente prejudicada, e por efeito dominó, o da sua Família, principalmente a dos dois filhos menores, que vão ver a sua qualidade e condições de vida diminuírem!
34. Sendo a Recorrente obrigada de sair de Macau, insiste-se, isso irá trazer graves e irreparáveis prejuízos quer para a Recorrente , quer para toda a sua família, em especial os seus filhos menores, que se irão confrontar com a falta da mãe que vai deixar de puder estar presente no acompanhamento da sua vida diária!
35. Tal decisão, em total oposição aos princípios básicos humanitários, destruirá o consolidado agrupamento Familiar da Recorrente com o seu marido Residente Permanente da RAEM (casados validamente há mais de 8 anos) e seus filhos ainda menores.
36. Desde logo, a Recorrente tem o seu título de residência na China já cancelado, que a impede de regressar à sua terra natal, não tendo, portanto, condições de vida ou de apoio familiar em outro país ou território.
37. A Recorrente perderá o emprego em Macau, o que colocará a família numa situação de dificuldade e de quase absoluta carência económica.
38. Se a Recorrente for realmente repatriada para a China, ela não sabe onde pode morar, terá de arranjar casa e pagar a renda, arranjar um novo emprego, o que é muito difícil ainda neste período epidémico, reintegrar-se numa outra comunidade, e deixar de poder contribuir para as despesas e os encargos familiares.
39. Além disso, e o mais importante, irá impedi-la de cuidar e acompanhar o crescimento dos dois filhos de tenra idade (uma de 8 e outro de 5 anos) e de estes terem a companhia da mãe, e de serem acompanhados no seu crescimento e estando as crianças em tenra idade, elas não devem ser separadas da mãe.
40. É verdade que as crianças podem sair de Macau e ficar com a mãe na China para ali continuar os seus estudos, no entanto, isso irá trazer grande prejuízo para o desenvolvimento das crianças, uma vez que terão de passar a viver num ambiente completamente diverso, e ficar afastados do pai, dos avôs paternos, com quem as crianças têm uma relação íntima, bem como, com outros familiares.
41. Sendo este um tema muito sensível, fazendo uso do direito comparado, transcreve-se, a título de curiosidade, o Sumário da decisão do Tribunal da Relação do Porto, que parcialmente, se transcreve: “I – O crescimento harmonioso das crianças supõe um relacionamento afetivo equilibrado com ambos os progenitores, sob pena de surgirem perturbações na sua saúde emocional. II – Por isso, o superior interesse dos menores aponta para a preservação de uma relação que construa e fortaleça os vínculos afetivos positivos existentes entre pais e filhos e afaste um ambiente destrutivo de tais vínculos (…)”. http://www.dgsi.pt/jtrp.nsf/-/02173692A4D253D080258248003F5497
42. Não sendo as crianças residentes da China, elas não podem beneficiar do acesso à escolaridade gratuita e aos cuidados de saúde gratuitos, bem como a outras regalias sociais na China.
43. Pergunta-se, que justiça se servirá, ou que mal se pretende prevenir com a expulsão da Recorrente?
44. Quando é facto assente que a Recorrente tem um casamento válido, estável, com dois filhos menores?
45. Pelo que o despacho recorrido proferido pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, com base no supra referido parecer, ao ter declarado nula a autorização de residência da Recorrente, viola frontalmente também os princípios da proporcionalidade e adequação.
46. A Recorrente entende que mesmo que o Exmo. Senhor Secretário para a Segurança não tenha sido deste entendimento,
47. C – DA VIOLAÇÃO DO REGIME DE NULIDADE – DOS EFEITOS PUTATIVOS:
Acresce que, ainda que declarada nula a autorização de residência da Recorrente, a mesma decisão deveria sempre salvaguardar os efeitos putativos decorrentes deste acto, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito, por força do n.º 3 do artigo 123º do Código do Procedimento Administrativo (CPA).
48. Com efeito, o artigo 123º do CPA, sob a epígrafe, “Regime da nulidade”, dispõe o seguinte: “1. O acto nulo não produz quaisquer efeitos jurídicos, independentemente da declaração de nulidade. 2. A nulidade é invocável a todo o tempo por qualquer interessado e pode ser declarada, também a todo o tempo, por qualquer órgão administrativo ou por qualquer tribunal. 3. O disposto nos números anteriores não prejudica a possibilidade de atribuição de certos efeitos jurídicos a situações de facto decorrentes de actos nulos, por força do simples decurso do tempo, de harmonia com os princípios gerais de direito.”
49. Consagram-se no n.º 3 do artigo 123º do CPA, os chamados efeitos putativos dos actos nulos que permitem conferir protecção jurídica a situações de facto já consolidadas ou estabilizadas, “por força do simples decurso do tempo”, desde que se encontrem “de harmonia com os princípios gerais de direito.”
50. O preceito em causa tem sido abordado a propósito dos agentes putativos e de questões de urbanismo. São agentes putativos “os indivíduos que em circunstâncias normais exercem funções administrativas de maneira a serem reputados, em geral, como agentes regulares, apesar de não estarem validamente providos nos respectivos cargos” (neste sentido, Sérvulo Correia, in Noções de Direito Administrativo, pág. 366).
51. Por sua vez, Marcello Caetano referia-se aos agentes putativos como sendo “os indivíduos que em circunstâncias normais exercem funções administrativas de maneira a serem reputados em geral como agentes regulares, apesar de não estarem validamente providos nos respectivos cargos” (in “Manual de Direito Administrativo”, Almedina, vol. II, pág. 644).
52. Na sequência desta doutrina, a jurisprudência portuguesa, que aqui se invoca a título de direito jurisprudencial comparado, veio a admitir que o decurso de longo tempo de exercício pacífico, continuo e público das funções, legitima a situação do agente putativo, conferindo-lhe o direito ao lugar por via de uma espécie de usucapião a favor do agente de facto.
53. Para Marcello Caetano, esse prazo nunca deve ser inferior a dez anos (cfr., obra citada, p. 647), e alguma jurisprudência portuguesa defende até três anos.
54. Para Fernanda Paula Oliveira, “O CPA não formula quaisquer exigências quando à duração do tempo decorrido, dispensando a invocação de uma situação paralela à da usucapião (decurso de um longo período de tempo). Quando o tempo que mediou entre o momento da prática do acto administrativo nulo e aquele em que se pretende retirar consequências da nulidade for suficiente para se verificar a consolidação de todos os efeitos práticos que àquele são imputáveis, deve ser reconhecida a existência de um interesse atendível no sentido da respectiva conservação – a raiz dos interesses que aqui estão presentes (estabilidade, conservação, firmeza, consistência, segurança das relações jurídicas)” (cfr., https://www.oa.pt/upl/%7B9fe426b-07be-4136-8edf-e138ff85435c%7D. pdf).
55. No caso em apreço, a Recorrente obteve a autorização de residência em Outubro de 2011, inicialmente como residente não permanente, e posteriormente, a partir de Outubro de 2018, como residente permanente (cfr. Docs. n.ºs 2 e 3). Ou seja, desde Outubro de 2011, a Recorrente passou a ter o seu domicílio permanente e definitivo em Macau, onde tem o seu centro da sua vida familiar e profissional. Portanto, a Recorrente é residente de Macau há 12 anos de forma pacífica, contínua e pública.
56. Assim, crê-se que se encontra preenchido o primeiro requisito.
57. Quanto à harmonia com os princípios gerais de direito, a Recorrente entende que a situação em causa está em compatibilidade com estes princípios, designadamente o princípio da boa-fé, da proteção da confiança e da proporcionalidade, embora o acto de aquisição de residência provenha apenas inicialmente de um acto ilícito, atendendo o tempo decorrido, neste caso 12 anos desde a obtenção da autorização de residência, a destruição de todos os efeitos produzidos revela-se sem dúvida contrária aos princípios de boa-fé, da protecção da confiança e da proporcionalidade.
58. Assim, perante a factualidade acima descrita, e atendendo aos princípios acima indicados, devia a Administração ter reconhecido o estatuto de residência da Recorrente, mantendo-o.
59. É verdade que foi a Recorrente quem contribuiu para a prática do acto nulo. No entanto, a entender-se que existe má-fé, deve a mesma ser considerada cessada a partir do momento em que a Recorrente se divorciou em 17 de Janeiro de 2013, ou a partir do momento em que a Recorrente contraiu outro casamento com o actual marido C, que é Residente Permanente de Macau, em 29 de Agosto de 2014, porquanto a partir desses momentos a causa que originou o acto nulo deixou de existir.
60. A par disso, mesmo que antes a Administração não tivesse descoberto que o casamento entre a Recorrente e B era falso, a partir do momento em que a Recorrente se divorciou de B, uma vez que ela ainda era residente não permanente, ou seja, ainda não lhe havia sido reconhecido o direito de residência, com o desaparecimento do requisito subjacente à concessão da autorização de residência, neste caso a reunião familiar com B, bem sabendo deste facto, já que o divórcio foi registado em Macau e a Recorrente comunicou-o atempadamente à Direcção dos Serviços de Identificação, a Administração devia iniciar logo o processo de revogação da autorização de residência concedida, nos termos do n.º 2, alínea 3) do artigo 43º da Lei n.º 16/2021.
61. Não o tendo feito, não pode, passados mais de 9 anos e depois de reconhecer a qualidade de residente permanente da Recorrente, vir agora a Administração retirar o direito de residência já consolidado na esfera jurídica da Recorrente com outro fundamento, tendo a conduta da Administração criado já na Recorrente a legítima expectativa de que ao reconhecer como residente permanente em 2018, a sua residência nunca mais iria ser retirada (cfr. Doc. n.º 3) e, assim, a declaração de nulidade do acto de autorização de residência sem o reconhecimento dos efeitos putativos configura sempre abuso do direito, nos termos do artigo 326º do Código Civil, na modalidade de venire contra factum proprium.
62. Ainda que assim não se entenda, coloca-se aqui uma questão de colisão de princípios, e neste âmbito, deve-se recorrer ao critério de ponderação de princípios, devendo elevar-se os princípios da protecção da confiança e da proporcionalidade, já que ponderados os direitos ou interesses susceptíveis de serem lesados, em especial os prejuízos que podem trazer para toda a família da Recorrente, não restam dúvidas que os danos que resultam do não reconhecimento do direito de residência à Recorrente são superiores aos prejuízos que resultem da manutenção do direito de residência, e nestes termos, há que, nos termos do n.º 3 do artigo 123º do CPA, reconhecer os efeitos putativos ao acto de autorização de residência à Recorrente, mantendo-a, em homenagem aos princípios gerais de direito, dado que, o n.º 3 do art.º 123º do CPA, pressupõe e que se podem verificar no presente caso: o decurso do tempo relativamente longo, e a harmonia com os princípios gerais de direito, nomeadamente os princípios da protecção dos direitos adquiridos, da tutela da confiança de boa fé, e da protecção da expectativa legítima.
63. A Recorrente entende que a decisão de declarar nula a autorização de residência afigura-se não necessária para alcançar o interesse da manutenção da ordem e segurança pública da RAEM!
64. Finalizando, em suma, sem ter um consideração nenhuma das razões supra referenciadas, a decisão por parte do Exmo. Senhor Secretário para a Segurança, por despacho de 17 de Março de 2023, de declarar nula a autorização de residência concedida à Recorrente em 25 de Outubro de 2011, com base nos “fundamentos” constantes do parecer no relatório n.º 200157/SRDARPA/2022P do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência da PSP, é claramente inválida, por insuficiente fundamentação e violação de lei e de princípios administrativos básicos.
65. Com efeito, ao assim decidir, face à insuficiência da fundamentação aduzida, incorre-se, desde logo, numa invalidade substancial por falta de um elemento essencial do acto administrativo – a fundamentação – como decorre da conjugação dos artigos 114º n.º 1 al. a) e 115º n.º 1 e 2 do CPA, o que importa a sua nulidade nos termos do artigo 122º n.º 1 do mesmo diploma.
66. Todavia, do exposto, caso assim não se entenda, demonstrado ficou também que a decisão viola de firma directa os princípios da proporcionalidade e adequação, devendo, pois, a decisão em causa que ora se impugna, ser anulada, nos termos do artigo 124º do CPA.
67. Por último, nos termos do artigo 123º, n.º 3 do CPA, devem ser reconhecidos os efeitos putativos ao acto de autorização de residência à Recorrente, mantendo-a, em homenagem aos princípios gerais de direito.
Termos em que, e contando com muito douto suprimento de Vossa Excelência, deve o presente recurso ser julgado procedente,
A) Considerando-se nula a decisão recorrida, quanto à insuficiência da fundamentação, atento o disposto nos artigos 114º n.º 1 al. a), 115º nos. 1 e 2 e 122º do CPA;
Ou, subsidiariamente,
B) Anulando-se a decisão recorrida, atento o vício de violação dos princípios da legalidade, princípios da proporcionalidade e adequação, do regime de nulidade, nos termos supra expostos, por violação dos artigos 3º, 5º e 124º do CPA.
C) Ou ainda, nos termos do artigo 123º, n.º 3 do CPA, devem ser reconhecidos os efeitos putativos ao acto de autorização de residência à Recorrente, mantendo-a, em homenagem aos princípios gerais de direito.
Fazendo-se assim a costumada JUSTIÇA!”
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上訴所針對之實體適時提出答辯,並請求本院裁定司法上訴理由不成立。
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本法院對此案有管轄權,且訴訟形式恰當。
雙方當事人享有當事人能力、訴訟能力、正當性及訴之利益。
不存在可妨礙審理案件實體問題的延訴抗辯及無效情況。
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二、理由說明
根據本案卷宗及行政卷宗所載的資料,本院認定以下對審理本司法上訴具有重要性的事實:
司法上訴人於2011年10月20日以夫妻團聚為由持《前往港澳通行證》申請來澳居留。(見行政卷宗第13及14頁)
司法上訴人因觸犯「偽造文件罪」於2022年2月25日被澳門初級法院第一刑事法庭判處2年3個月徒刑,暫緩三年執行。
治安警察局居留及逗留許可處居留分處製作了以下報告書:(見行政卷宗第137至140頁)
“報告書編號: 200157/SRDARPA/2022P
事由: 宣告《前往港澳通行證》人士獲批之「居留許可」無效
1. 利害關係人A[持編號15XXXX2(9)之澳門永久性居民身份證]曾持編號Q00XXXX28之《前往港澳通行證》於2011年到本局申請來澳定居,理由為與配偶B[持編號51XXXX6(0)之澳門居民身份證]團聚,並於2011年10月28日獲簽發第6010/2011號《居留證明書》。
2. 於2022年3月23日,本廳收到初級法院來函(編號: 1991/2022/CR1/PS),通報利害關係人A與澳門居民B締結不實婚姻,並藉此取得澳門居民身份證,澳門初級法院裁定利害關係人觸犯一項偽造文件罪罪成,有關判決已於2022年3月17日轉為確定。
1. 根據上述來函所附之初級法院判決書(案卷編號: CR1-21-0014-PCC),A經兩名中介人安排,與澳門居民B假結婚,二人於2007年在內地登記結婚,婚後從來沒有共同居住及生活;A於2011年到本局申辦「居留許可」,並遞交結婚證副本及維持夫妻/事實婚關係聲明書,本局在受欺瞞下於同年10月28日向A發出編號6010/2011的《居留證明書》;A於過程中向中介人支付人民幣拾萬圓作假結婚的報酬,B亦成功獲得當中港幣四萬圓作為假結婚的報酬。初級法院於2022年2月25日裁定A觸犯一項偽造文件罪,判處二年三個月徒刑,緩刑三年執行。(文件57-67)
3. 因利害關係人A被初級法院裁定觸犯偽造文件罪罪名成立,證實A透過與澳門居民締結虛假婚姻以達到取得本澳居留之目的,過程中所牽涉的犯罪行為是本局批給其「居留許可」之關鍵因素,本局擬宣告其於2011年獲批給的居留許可無效。故依法向其提起聽證程序。於2022年6月10日利害關係人親臨本廳簽收編號100369/SRDARPNT/2022P之《書面聽證通知書》。本廳亦按照《行政程序法典》第93條及第94條之規定,通知其可於接受通知後的十五天內,對聽證內容以書面表達意見(文件85)。
4. 於2022年6月27日,本局收到利害關係人委託律師收到的書面陳述,內容節錄如下(文件112-134):
4.1 當事人承認當年透過與澳門居民結婚取得澳門「居留許可」,從而達到改善生活的目的。
4.2 當事人於2007年透過中介人介紹與假結婚對象B於中山巿民政局登記結婚,於2011年獲簽發《前往港澳通行證》,並持該證件到本局申辦「居留許可」,於同年獲簽發編號15XXXX2(9)之《澳門居民身份證》,後於2018年取得澳門永久性居民身份。
4.3 利害關係人承認觸犯偽造文件罪,並於調查過程中積極配合有關調查工作,其於審判聽證中,自願承認被指控的犯罪事實及表示後悔,並承諾以後不會再犯。
4.4 雖然利害關係人被初級法院判處觸犯一項「偽造文件罪」罪名成立,但初級法院因其為初犯,認為現僅對事實作譴責並以監禁作威嚇已可適當及足以實現處罰之目的,故決定將二年三個月徒刑暫緩三年執行。
4.5 當事人除犯有上述所指之罪行外,於澳門及內地不存有其他刑事紀錄。
4.6 當事人現於D有限公司任職荷官,每月薪金為澳門幣22,354元。
4.7 當事人知悉其與B之婚姻關係為虛假且認為不應維持二人之婚姻關係,故於2013年1月17日辦理離婚手續。
4.8 於2014年8月29日,當事人與澳門居民C結婚,二人分別於2014年及2017年生育女兒E及兒子F。女兒E現年7歲,就讀澳門XX小學;兒子F現年4歲,就讀澳門XX幼稚園。女兒曾入院4次,並需長期到耳鼻喉科覆診,兒子曾入院3次,皆需母親在旁照料。
4.9 丈夫C現於D有限公司任職,月收入為澳門幣29,195元。
4.10 當事人每月需支付澳門幣5000元聘請家僱,另外每月需償還房貸澳門幣9600元。利害關係人及丈夫收入僅足夠維持其家庭基本需要。
4.11 倘當事人「居留許可」被宣告無效,其家庭經濟收入將受負面影響,當事人亦需返回原居地生活,重新適應新生活,同時,當事人將與子女分離,無法繼續照顧子女。
4.12 若必須宣告當事人之「居留許可」無效,需根據行政程序法典,考慮無效行為時限。
4.13 當事人自2011年取得《澳門居民身份證》後,以澳門為其生活重點,於澳門生活已11年。
4.14 雖然當事人取得「居留許可」是基於違法行為,但考慮當事人「居留許可」無效令當事人及其家庭利益受損,應基於善意原則、適度原則,維持當事人之「居留許可」。
5. 身份證明局於2022年8月致函通報本局,廣東省公安廳出入境管理局就利害關係人所持之《前往港澳通行證》有效性作出回覆,指A經澳門方婚姻核查回覆確認,所獲批《前往港澳通行證》程序合法(文件93-95)。
謹呈上級審閱”
2022年11月30日,澳門治安警察局居留及逗留事務廳代廳長提出了以下建議:(見行政卷宗第140頁)
“1. 利害關係人A[現持編號15XXXX2(9)之《澳門居民身份證》]曾於2011年持《前往港澳通行證》到本局申請來澳居留,其來澳定居之理由為與配偶B團聚,並於2011年10月28日獲簽發第6010/2011號之居留證明書。
2. 於2022年2月25日初級法院裁定A觸犯一項偽造文件罪並判處二年三個月徒刑,緩刑三年,證實A透過與澳門居民B締結虛假婚姻以達到取得澳門居民身份證之目的。
3. 由於利害關係人透過與澳門居民假結婚以獲得澳門居留,且在獲批居留的過程中牽涉犯罪行為,本廳擬宣告利害關係人獲本局批給的「居留許可」無效,故按照《行政程序法典》第93條及第94條的規定,向其發出《書面聽證通知書》。
4. 於2022年6月27日,本廳收到利害關係人委託律師遞交之書面陳述(詳見本報告書第4點)。
5. 鑒於A以與澳門居民締結虛假婚姻的方式騙取澳門居留許可,被澳門初級法院判處偽造文件罪罪名成立,當中所牽涉的犯罪行為是行政當局批給其居留之關鍵因素。因此,建議按照《行政程序法典》第122條第2款c)項之規定,宣告A於2011年10月25日獲本局批給之居留許可無效。
謹呈局長閣下審批”
治安警察局局長於2023年1月16日作出了以下批示:(見行政卷宗第140頁)
“同意居留及逗留事務廳代廳長意見。
謹呈保安司司長 閣下審批。”
保安司司長於2023年3月17日作出了以下被訴批示(見行政卷宗第140頁):
“同意,按建議辦理。”
司法上訴人對此不服,向中級法院提起本司法上訴。
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檢察院助理檢察長就本司法上訴發表了以下寶貴意見:
“Na petição inicial, a recorrente solicitou a declaração da nulidade e, subsidiariamente, a anulação do despacho lançado pelo Exmo. Senhor Secretário para a Segurança na Informação n.º 200157/ SRDARPA/2022P (doc. de fls. 137 a 140 do P.A.), declarando concludentemente que “Concordo, proceda-se conforme proposto”.
Abonando os seus pedidos, a recorrente arrogou sucessivamente a falta de fundamentação, o vício de violação dos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da adequação, bem como a violação do regime de nulidade – dos efeitos putativos.
Quid juris?
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Sem necessidade de proceder à análise profunda, é de concluir que são grosseiramente confusos e irremediavelmente infundados tanto a 65 conclusão da petição inicial como o pedido da declaração da nulidade (do despacho em escrutínio), visto que tal pedido está fundado na arrogada insuficiência da fundamentação.
Posto isto, e em conformidade com o disposto no n.º 6 do art. 74.º do CPA, vamos indagar a sorte do pedido de anulação.
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Repare-se que o n.º 1 do art. 115.º do CPA permite categoricamente a fundamentação por remissão ou per remissionem e, no nosso prisma, é pacífico o entendimento, no sentido de que quando o acto administrativo é um simples “concordo”, a sua fundamentação e a sua dispositividade são aquelas que constam da informação, do parecer ou da proposta sobre que ele recai (a título exemplificativo, cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 626/2016).
Em esteira, podemos concluir tranquilamente que o despacho em escrutínio absorve integralmente o Parecer exarado em 30/11/2022 pelo Exmo. Senhor Chefe do Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência substituto na sobredita Informação, Parecer que reza:
1. 利害關係人A【現持有編號15XXXX2(9)之《澳門居民身份證》】曾於2011年持有《前往港澳通行證》到本局申請來澳居留,其來澳定居之理由為與配偶B團聚,並於2011年10月28日獲簽發第6010/2011號之居留證明書。
2. 於2022年2月25日初級法院裁定A觸犯一項偽造文件罪並判處二年三個月徒刑,緩刑三年,證實A透過澳門居民B締結虛假婚姻以達到取得澳門居民身份證之目的。
3. 由於利害關係人透過與澳門居民假結緍以獲得澳門居留,且在獲批居留的過程中牽涉犯罪行為,本廳擬宣告利害關係人獲本局批給的「居留許可」無效,故按照《行政程序法典》第93條及第94條的規定,向其發出《書面聽證通知書》。
4. 於2022年6月27日,本廳收到利害關係人委託律師遞交之書面陳述(詳見本報告書第4點)。
5. 鑒於A以與澳門居民締結虛假婚姻的方式騙取澳門居留許可,被澳門初級法院判處偽造文件罪罪名成立,當中所牽涉的犯罪行為是行政當局批給其居留之關鍵因素。因此,建議按照《行政程序法典》第122條第2款c)項之規定,宣告A於2011年10月25日獲本局批給之居留許可無效。
Sabe-se que são muito ricas a doutrina e a jurisprudência atinentes à fundamentação do acto administrativo. Por ora, importa ter presente a concisa e prudente jurisprudência que ensina (a título do direito comparado e de mero exemplo, cfr. Acórdão do STA de 10/03/1999, no Processo n.º 4XXX2): A fundamentação é um conceito relativo que depende do tipo legal do acto, dos seus termos e das circunstâncias em que foi proferido, devendo dar a conhecer ao seu destinatário as razões de facto e de direito em que se baseou o seu autor para decidir nesse sentido e não noutro, não se podendo abstrair da situação específica daquele e da sua possibilidade, face às circunstâncias pessoais concretas, de se aperceber ou de apreender as referidas razões, mormente que intervém no procedimento administrativo impulsionando o itinerário cognoscitivo da autoridade decidente.
Ora, afigura-se-nos que é equilibrada e praticamente consensual a tese que inculca (cfr. Acórdãos do TSI nos Processos n.º 619/2013 e n.º 1060/2017): A fundamentação não necessita de ser sempre uma exaustiva descrição de todas as razões determinantes do acto, bastando-se com uma exposição suficientemente esclarecedora de tais razões, de modo a que o seu destinatário fique ciente desses motivos e possa impugnar o acto sem qualquer limitação, nem constrangimento, quanto às razões da discórdia.
À luz desse postulado jurisprudencial, estamos convictos de que não existe in casu a falta de fundamentação: com efeito, é sem sombra de dúvida que o apontado Parecer indica, com toda a clareza, a condenação pelo TJB e a disposição na alínea c) do n.º 2 do art. 122.º do CPA, e nesta medida, tal Parecer é capaz e cabal de permitir à recorrente conhecer as razões de facto de direito que impulsionaram o órgão recorrido a declarar nula a autorização de residência concedida à recorrente.
Bem vistas as coisas, as conclusões 11 e 26 da petição inicial dão seguramente a entender que a recorrente tentou distorcer intencionalmente o significado do dever de fundamentação e, no fundo, ela não concordou com a valoração pela Administração do crime cometido por ele. Assim sendo, é bom ter presente a brilhante jurisprudência que reza (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 739/2013): Uma coisa é compreender, outra concordar.
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No caso sub judice, o aresto prolatado pelo Juízo Criminal do TJB no Processo n.º CR1-21-0014-PCC e transitado em julgado constata, com clareza e incontestável firmeza, que o único pressuposto que determinou a concessão da autorização de residência temporária à ora recorrente se traduz no crime de falsificação dolosamente cometido por ela, como co-autora e de forma consumada (doc. de fls. 44 a 56 do P.A.). Com efeito, não há margem para dúvida de que sem o registo de casamento – casamento que nunca existira na realidade, a recorrente que foi a 2.ª arguida do apontado crime não poderia adquirir a autorização da residência temporária.
Inculca o douto TUI (vide Acórdão no Processo n.º 29/2018): Não viola o disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 122.º do Código do Procedimento Administrativo, o despacho do Chefe do Executivo que declara nulos os actos administrativos que concederam a residência a cônjuge de requerente de residência com fundamento em investimento imobiliário, e que renovaram a autorização de residência, se este cônjuge usou uma identidade falsa em tais requerimentos, com base em documentos intelectualmente falsos.
Salvo devido e elevado respeito, não podemos deixar de entender que tal jurisprudência mais autorizada é inteiramente válida ao caso sub judice. Nesta linha de raciocínio, colhemos que é nulo o acto administrativo de conceder a autorização de residência temporária à recorrente.
Pese embora seja tão-só exemplificativa a enumeração no n.º 2 do art. 122.º do CPA, do princípio da legalidade consagrado no n.º 1 do art. 3.º do CPA decorre necessariamente que a Administração fica obrigada a declarar a nulidade do acto administrativo nulo, dado que a nulidade nunca é sanável (arts. 126.º, n.º 1 do CPA bem como 123.º, n.º 2 do mesmo e 25.º, n.º 1 do CPAC). Quer dizer que é vinculado o poder de declarar a nulidade do acto nulo.
Ora bem, no actual ordenamento jurídico de Macau encontram-se irreversivelmente consolidadas a doutrina e jurisprudência, no sentido de que os princípios de igualdade, de proporcionalidade, da justiça e de boa fé se circunscrevem apenas ao exercício de poderes discricionários, sendo inoperante aos actos administrativos vinculados. (a título exemplificativo, cfr. Acórdãos do TUI nos Processos n.º 32/2016, n.º 79/2015 n.º 46/2015, n.º 14/2014, n.º 54/2011, n.º 36/2009, n.º 40/2007, n.º 7/2007, n.º 26/2003 e n.º 9/2000, a jurisprudência do TSI vem andar no mesmo sentido).
Tudo isto impulsiona-nos a inferir que o despacho in questio não pode, por natureza das coisas, infringir os princípios da proporcionalidade e de adequação, por isso, é incuravelmente descabida a arguição pela recorrente da violação destes princípios.
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Com todo o respeito pelo melhor entendimento em sentido contrário, acreditamos sossegadamente que é exacta e sã a jurisprudência que afirma (cfr. Acórdão do TSI no Processo n.º 265/2015): Não podem invocar a boa fé perante a acção administrativa se o acto de renovação da autorização se baseou em erro para o qual eles dolosamente contribuíram decisivamente.
No caso sub judice, frisa-se, mais uma vez, que o aresto tirado no Processo n.º CR1-21-0014-PCC e transitado em julgado torna irrefutável que a ora recorrente praticou, em co-autoria material, o crime de falsificação para adquirir dolosamente a autorização de residência na RAEM.
Tudo isto leva-nos a colher que não pode deixar de soçobrar a 57 conclusão da petição inicial, na qual ela arrogou que a sua situação “está em compatibilidade” com, designadamente, os princípios da boa fé, da protecção da confiança e da proporcionalidade.
Acolhendo a doutrina mais reputada, o Venerando TUI proclama categoricamente (vide Acórdão do TUI no Processo n.º 76/2015): Não se pode assacar efeitos putativos (referidos no n.º 3 do art.º 123.º do CPA) favoráveis ao particular em cuja conduta criminosa se funda a nulidade do acto.
Em sintonia com essa douta jurisprudência autorizada, cremos que o despacho in questio na parte de não reconhecer efeito putativo à recorrente não infringe o no n.º 3 do art. 122.º do CPA, nem configura o abuso de direito, pelo que falece irremediavelmente a 61 conclusão da petição.
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Por todo o expendido acima, propendemos pela improcedência do presente recurso contencioso.”
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終審法院在案件編號為21/2004的合議庭裁判中表示:”…在撤銷性司法上訴中檢察院司法官不是當事人。因此,沒有法律規定妨礙法官以認同檢察院文本內容來說明裁判理由…”。
檢察院助理檢察長已就本司法上訴中提出的所有問題發表了全面且精闢的意見。合議庭完全採納有關意見,這些意見為審理本司法上訴提供了充分的依據。
此外,本院過往也審理過類似個案,例如:第1016/2017號、第1099/2019號、第1238/2019號及最近的第695/2023號合議庭裁判,而相關裁判均裁定行政當局的決定合法有效。
基於被訴的行政行為並無瑕疵,本院裁定司法上訴理由不成立。
***
三、決定
綜上所述,本院合議庭裁定司法上訴人A針對保安司司長提起的司法上訴理由不成立,並維持被質疑的行政行為。
司法上訴人需承擔8個計算單位的司法費。
登錄及作出通知。
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澳門特別行政區,2024年10月17日
唐曉峰
(裁判書製作人)
Rui Carlos dos Santos P. Ribeiro (李宏信)
(裁判書製作人)
馮文莊
(第一助審法官)
米萬英
(助理檢察長)
司法上訴卷宗第363/2023號 第 12 頁