A resolução por parte do empregador do contrato de trabalho dum trabalhador que não conseguiu apresentar prova justificativa das faltas por cumprimento de deveres legais, constitui contravenção
A era empregado de B, e foi destacado para exercer funções de motorista num certo lar. Por ser suspeito de abuso sexual duma criança do sexo feminino do lar, A necessitou de dirigir-se à autoridade judiciária para colaborar na investigação, bem como de cumprir a medida de coacção de proibição de contacto com a criança e com o responsável do lar C, pelo que faltou ao trabalho nos dias 23 a 26 de Setembro de 2019. A não apresentou a B nenhum documento comprovativo que justificasse as suas faltas no período acima referido, pelo que no dia 27 de Setembro de 2019, B comunicou a A, por escrito, a cessação da relação de trabalho por falta ao trabalho por 3 dias consecutivos. A seguir, no dia 8 de Outubro de 2019, A apresentou queixa na Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais referente à resolução do contrato. Foi B acusado da prática de 1 contravenção p. p. pelos art.ºs 77.º e 85.º, n.º 3, al. 5) da Lei n.º 7/2008 – Lei das relações de trabalho. Após o julgamento, o Tribunal Judicial de Base absolveu B da contravenção que lhe fora imputada.
Inconformado com o assim decidido, o Ministério Público interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo que a sentença recorrida violou o n.º 3 do art.º 51.º da Lei n.º 7/2008 – Lei das relações de trabalho, e aplicou erradamente os art.ºs 68.º e 69.º, n.º 1, n.º 2, al. 4) e n.º 3 da mesma Lei.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso, indicando que, ao abrigo do disposto no art.º 51.º da Lei n.º 7/2008 – Lei das relações de trabalho, se forem justificadas as faltas, cabem ao trabalhador três responsabilidades, ou seja, de comunicação, de apresentar prova, e de garantir a veracidade da prova e justificação, no entanto, existem excepções à responsabilidade de apresentar prova, uma vez que nem todas as faltas justificadas poderão ser documentalmente provadas. A apresentação da prova tem por objectivo a explicação, dada pelo trabalhador ao empregador, da legitimidade e razoabilidade do facto da falta, e a prova é apenas um meio utilizado para ajudar a demonstrar tal legitimidade e razoabilidade, sendo o requisito indispensável a explicação correspondente à verdade. Não se podem considerar, simples e genericamente, as faltas que carecem de prova como injustificadas. Por outro lado, nem todas as provas poderão ser obtidas e apresentadas de imediato, devendo ser concedido um prazo razoável consoante o caso concreto. No caso sub judice, no período entre 23 e 26 de Setembro de 2019, A faltou ao trabalho por cumprimento dos deveres legais; e esta falta não se deveu a motivo imputável a A, mas sim ao cumprimento da medida de coacção aplicada pelo tribunal, pelo que o incumprimento dos deveres de comunicar ao empregador e de apresentar prova justificativa correspondente à verdade, não é imputado a A, não devendo as faltas em questão ser consideradas injustificadas.
Por isso, não assiste razão a B quanto à cessão da relação de trabalho com A por falta ao trabalho no período entre 23 e 26 de Setembro de 2019, com base na previsão dos art.ºs 68.º e 69.º, n.º 1, e n.º 2, al. 4) da Lei das relações de trabalho.
Pelo exposto, acordaram no Tribunal Colectivo em revogar a decisão recorrida, passando-se a condenar B pela prática de 1 contravenção p. p. pelos art.ºs 77.º e 85.º, n.º 3, al. 5) da Lei n.º 7/2008 – Lei das relações de trabalho, na multa de MOP6.000,00; e condenar B no pagamento a A do montante de MOP18.793,00, a título de compensação da resolução do contrato.
Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, no Processo n.º 1036/2021.
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
10/02/2023