Decretada a rescisão do contrato de arrendamento e condenado um indivíduo na restituição do abono por ter ocultado a posse de imóvel no Interior da China ao candidatar-se a habitação social
A, candidato a habitação social, foi autorizado em 2011 a celebrar o contrato de arrendamento de fracção de habitação social com o Instituto de Habitação, cujos elementos do agregado familiar eram o próprio A e duas filhas. Em 2022, na actualização do contrato de arrendamento de habitação social, a pedido do Instituto de Habitação, A apresentou a “Declaração para Actualização de Informações por Arrendatário de Habitação Social”, declarando, pela primeira vez, que, desde 2011, possuía um imóvel no Interior da China avaliado em RMB351.815,00. Consequentemente, por ofício, o Instituto de Habitação apontou que A não reunia os requisitos para arrendamento de habitação, consagrados no n.º 1 do art.º 3.º, conjugado com a alínea 3) do art.º 2.º, todos do Regulamento Administrativo n.º 25/2009 – “Atribuição, Arrendamento e Administração de Habitação Social” – aplicado no momento da candidatura, a par disso, em 2011, o seu agregado familiar já não estava habilitado a receber o abono provisório de residência atribuído a agregados familiares da lista de candidatos a habitação social, solicitando a A que apresentasse, no prazo designado, a justificação escrita e os respectivos documentos comprovativos. A seguir, A apresentou a sua justificação escrita ao Instituto de Habitação. Finda a apreciação, o Instituto de Habitação concluiu que, na apresentação da candidatura, o património líquido do agregado familiar de A ultrapassava o limite máximo previsto na lei (MOP244.080,00), não se verificando o preenchimento dos requisitos para arrendamento de habitação social, pelo que procedeu à rescisão do contrato de arrendamento de habitação social celebrado com A, bem como lhe exigiu a restituição do abono de residência recebido entre Maio e Julho de 2011, no valor total de MOP4.800,00. Após a rescisão do contrato, A recorreu contenciosamente para o Tribunal Administrativo. Realizado o julgamento, o Juiz julgou improcedente o recurso contencioso, mantendo o acto administrativo em causa.
Inconformado, A interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal de Segunda Instância.
O Tribunal Colectivo do TSI conheceu do caso. Afirmou A que a decisão recorrida padecia de erro na apreciação da matéria de facto, uma vez que ele não tinha conhecimento da posse de imóvel no Interior da China em 2011 e, só depois de ter tomado conhecimento do facto, efectuou logo, conforme as orientações do Instituto de Habitação, a avaliação do preço do imóvel e a respectiva declaração, não se verificando a obtenção de habitação social por quaisquer declarações falsas ou inexactas, ou meio fraudulento. Face a isto, o Tribunal Colectivo citou o ponto de vista jurídico do Juiz a quo, indicando que a questão essencial a decidir no caso era conhecer a disposição legal que tinha conferido à Administração o poder de rescisão dos contratos de arrendamento de habitação social celebrados, ou seja, a conotação precisa da alínea 2) do n.º 2 do art.º 19.º da Lei n.º 17/2019 – “Regime jurídico da habitação social”, isto é, se era necessário atender à intenção subjectiva dos arrendatários na prestação de falsa declaração. Embora isto não seja especificado na redacção da nova lei, conforme a disposição existente na lei antiga, conclui-se que nem todas as declarações falsas ou inexactas do candidato causam a rescisão do contrato de arrendamento de habitação social, e que as declarações devem estar relacionadas com os pressupostos do arrendamento previstos na lei, ou seja, factos relacionados com a habilitação a arrendamento de habitação dos candidatos. Nesta conformidade, não se mostra relevante a ocultação e o engano intencionais praticados pelos candidatos a habitação social na prestação da declaração. O legislador confere ao Instituto de Habitação o poder de rescisão dos contratos de arrendamento através da disposição legal em apreço, com vista a estabelecer um “mecanismo de reparação pós-facto”, evitando que as declarações inexactas prestadas pelos candidatos impeçam que a Administração os exclua na fase de selecção por não estarem habilitados, independentemente de ser ou não fraudulento o meio concretamente adoptado pelos candidatos. Ademais, o presente caso é distinto da sanção típica. O acto recorrido não é um acto sancionatório e não depende do apuramento da culpa do agente, pelo que não é relevante saber se A tinha ou não elementos subjectivos (mormente o dolo) quando da prestação da declaração de património. A omissão, por parte da Administração, no atendimento aos elementos subjectivos da declaração inexacta não prejudica a legalidade e validade do acto em causa. Na verdade, a Administração realizou a análise e o arbítrio adequado da situação de A. Embora A tenha dito que a sua receita era instável e tinha a família a seu cargo, o Instituto de Habitação, sendo entidade administradora que se responsabiliza pela disposição dos recursos públicos – habitação social, considerou que, à luz dos interesses públicos, não havia justa causa para que A continuasse a usufruir dos benefícios da política, devido ao imóvel e aos activos que possuía, pelo que não é manifestamente irrazoável a decisão de rescisão do contrato de forma a equilibrar a distribuição dos recursos e evitar o prejuízo dos interesses privados.
Nos termos expostos, acordaram no Tribunal Colectivo em negar provimento ao recurso jurisdicional interposto por A, sustentando a decisão a quo.
Cfr. o acórdão proferido pelo TSI no processo n.º 98/2025.
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
03/12/2025
