Situação Geral dos Tribunais

A mentira de ter sido extraviado, furtado e usado o cartão de crédito constitui crime de falsificação de documento

       Em 29 de Dezembro de 2006, o arguido usava sucessivamente dez vezes os dois cartões de crédito que lhe pertenciam, para fazer compras em centro comercial, gastando uma quantia total de MOP60.680,00. Passados dois dias, o arguido comunicou o extravio dos referidos dois cartões de crédito ao centro de cartão de crédito, dizendo que os mesmos foram furtados e usados. O centro de cartão de crédito, por engano, acreditou no arguido, classificando as respectivas transacções como “transacções de cartão extraviado” e, em consequência, conforme o procedimento correspondente, remeteu por fax o “relatório de transacções de cartão de crédito extraviado” à Polícia Judiciária para efeitos da denúncia apresentada. Em 31 de Março de 2007, o arguido foi interceptado por agentes da Polícia Judiciária quando voltou a fazer compras no centro comercial em apreço. No mesmo dia, agentes da Polícia Judiciária encontraram no domicílio do arguido os dois cartões de crédito em causa e oito recibos respeitantes às compras supramencionadas.

       O Ministério Público acusou o arguido da prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de burla de valor elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 3 do Código Penal. Finda a audiência de julgamento, o Tribunal Colectivo do Tribunal Judicial de Base julgou improcedente a acusação, absolvendo o arguido dum crime de burla de valor elevado, p. e p. pelo art.º 211º, n.º 3 do Código Penal. Inconformado com o acórdão do Tribunal Judicial de Base, o Ministério Público recorreu para o Tribunal de Segunda Instância.

       Entendeu o Tribunal de Segunda Instância que o acto ilícito do arguido consistia em “fizer constar falsamente de documento facto juridicamente relevante”, ou seja, o relatório referido no facto assente – “O departamento de segurança de cartões de crédito do banco, conforme o procedimento correspondente, remeteu por fax o “relatório de transacções de cartão de crédito extraviado” à Polícia Judiciária para efeitos da denúncia apresentada”. A culpa subjectiva era dolo (directo), isto é, mentiu-se dolosamente que tinha sido extraviado os cartões de crédito, com o intuito de fugir do pagamento da quantia gasta com os cartões de crédito. Por conseguinte, a conduta do arguido era completamente compatível com o crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.º 244º do Código Penal, devendo conceder-se provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público, anulando-se o acórdão do Tribunal a quo e condenando-se o arguido pela prática do crime de falsificação de documento, previsto no art.º 244º, n.º 1, al. b) do Código Penal. Para assegurar o direito às duas instâncias do arguido, o Tribunal a quo necessitava de efectuar a determinação de pena com base na procedência do recurso interposto, uma vez que a decisão deste Tribunal ad quem já não podia ser conhecida por instância mais elevada, não sendo permissível que a determinação de pena fosse efectuada directamente pelo Tribunal ad quem.

       Nestes termos, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância julgou procedente o recurso interposto pelo Ministério Público, anulando o acórdão do Tribunal a quo e condenando o arguido pela prática do crime de falsificação de documento, previsto no art.º 244º, n.º 1, al. b) do Código Penal. Portanto, o Tribunal a quo, baseando nisso, necessitava de efectuar a determinação de pena.

       Cfr. o acórdão do processo n.º 60/2013 do Tribunal de Segunda Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

07/03/2014