Situação Geral dos Tribunais

TSI deferiu um procedimento cautelar instaurado antes do divórcio com vista à protecção de bens comuns

        Uma mulher (requerente) descobriu que o seu marido (requerido) mantinha duas relações extraconjugais respectivamente em Hong Kong e no Interior da China, e tinha disposto, sem a requerente saber, dos bens comuns do casal ao serviço das relações extraconjugais, tendo até adquirido bens imóveis com valor consideravelmente elevado a favor das mulheres e dos filhos nascidos das respectivas relações. Assim sendo, a requerente intentou no Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base contra o seu marido, de quem dizia ir divorciar-se, um procedimento cautelar especificado de arrolamento de bens do casal, cumulando-o com um procedimento cautelar comum, com o qual pretendeu que apenas com o consentimento expresso da requerente, pudesse o requerido realizar a administração ou disposição das contas bancárias de acções abertas em seu nome exclusivo, sendo que os bens de valor mais elevado possuídos pelo requerido eram principalmente acções. Por sentença proferida pelo Tribunal, foi decretada a providência cautelar especificada de arrolamento de bens, sendo indeferida, porém, a providência cautelar comum, uma vez que o Tribunal entendeu que ainda não tinha sido instaurada qualquer acção de divórcio, e que, à luz do art.º 1545.º do Código Civil, as contas abertas em nome exclusivo do requerido podiam ser movimentadas livremente e não preenchiam a situação em que seria preciso o consentimento do cônjuge referido no art.º 1547.º do mesmo diploma legal, acrescentou ainda que o arrolamento especial garantia de forma suficiente os interesses da requerente. A requerente não se conformou com o assim decidido, considerando haver errada interpretação e aplicação da lei nas opiniões do Tribunal, pelo que recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, pedindo que fosse anulada a decisão recorrida na parte referente ao indeferimento do procedimento cautelar comum e que deferisse o pedido nele formulado.

        Conforme manifestou o Tribunal de Segunda Instância, no processo in questio, está-se perante um matrimónio assente num regime patrimonial de comunhão de bens adquiridos, sendo que, nos termos do art.º 1543.º do Código Civil, cada cônjuge tem a administração dos seus bens próprios e até pode administrar os bens comuns. Por isso, sob o quadro de harmonia e paz matrimonial, em princípio, não é necessário o consentimento de ambos os cônjuges para uma “administração ordinária”. No entanto, aquele quadro alterou-se radicalmente já que o requerido tem mantido relações extraconjugais, e até dispunha dos bens comuns do casal ao serviço das relações extraconjugais, adquirindo bens imóveis em nome de mulheres e de filhos nascidos das respectivas relações, conduta essa que rompeu os laços conjugais e que levou a requerente a decidir divorciar-se, podendo causar consequências imprevisíveis em termos tanto materiais quanto patrimoniais. Ademais, a função do arrolamento especial é apenas a relacionação prévia dos bens comuns para a futura partilha precisa dos bens segundo o inventário, sem que seja privado por isso o direito de disposição dos bens. Daí que a simples providência cautelar especificada não seja suficiente para impedir totalmente o extravio dos bens, nem para assegurar a obtenção pela requerente dos respectivos bens. Como a transacção de acções é fluida, rápida e fácil, um simples acto de disposição pode inviabilizar o efeito do simples arrolamento, e, com isso, provocar danos possivelmente irreversíveis na esfera da requerente. Aliás, é precisamente a liberdade atribuída pelo art.º 1545.º do Código Civil quanto aos depósitos bancários das acções que a requerente quer evitar nesta situação especial. Além disso, a circunstância de as contas de acções se encontrarem tituladas apenas pelo requerido não pode excluir a possibilidade de o dinheiro e as acções pertencerem ao património comum do casal. Neste sentido, para evitar o extravio, ocultação ou perda de bens em prejuízo da requerente, a única maneira é obrigar o requerido a, no caso de continuar a transaccionar títulos, a obter o consentimento expresso e prévio da requerente.

        Por outro lado, o Tribunal de Segunda Instância não considerou que servia de fundamento ao indeferimento da providência cautelar comum o facto de não haver acção de divórcio instaurada. Pelo contrário, entendeu que esse pedido até só tinha lógica enquanto prévio ao do divórcio, e que, por isso, para a procedência do pedido, era suficiente a demonstração dos factos reveladores de um justo receio de dissipação de bens por parte do marido logo que o divórcio fosse instaurado.

        Pelo exposto, o Tribunal de Segunda Instância concedeu provimento ao recurso, revogando a sentença recorrida na parte em que indeferiu o pedido de procedimento cautelar comum e, em consequência, julgando-o procedente. Determinou ainda: 1) que a movimentação das contas de acções sociais por parte do requerido apenas pudesse ser feita com prévio consentimento da requerente; 2) que se comunicasse à autoridade Monetária e Cambial no sentido de comunicar ao Tribunal a existência nos bancos existentes em Macau de contas de títulos (acções sociais) em nome do requerido e, ainda, para ela própria comunicar aos bancos a determinação referida em 1).

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

17/03/2014