Situação Geral dos Tribunais

Sessão de Abertura do Ano Judicial 2014/2015

      Realizou-se a Sessão Solene de Abertura do Ano Judicial de 2014/2015, no passado dia 15 de Outubro, pelas 15H30, no Pequeno Auditório do Centro Cultural de Macau. O Chefe do Executivo, Chui Sai On, presidiu à Sessão, que contou com a presença na tribuna de honra dos Presidente da Assembleia Legislativa, Ho Iat Seng, Presidente do Tribunal de Última Instância, Sam Hou Fai, Secretária para a Administração e Justiça, Florinda Chan, Procurador, Ho Chio Meng, Presidente da Comissão Independente Responsável pela Indigitação de Juízes, Lau Cheok Va e Presidente da Direcção da Associação dos Advogados, Jorge Neto Valente.
      Para além de todos os magistrados dos tribunais e do Ministério Público, estiveram ainda presentes duzentos e tal convidados nesta cerimónia, tais como os representantes do Gabinete de Ligação do Governo Popular Central na Região Administrativa Especial de Macau e do Comissariado do Ministério dos Neg ócios Estrangeiros na Região Administrativa Especial de Macau, os titulares dos principais cargos da RAEM, os membros do Conselho Executivo, os membros da Comissão Independente Responsável pela Indigitação de Juízes, os membros do Conselho dos Magistrados Judiciais, os membros do Conselho dos Magistrados do Ministério Público, os deputados à Assembleia Legislativa, os chefes e os assessores do Gabinete do Chefe do Executivo e dos Gabinetes dos titulares dos principais cargos públicos, os directores dos serviços públicos, os advogados e os representantes das escolas superiores.
      Na cerimónia, fizeram uso da palavra o Chefe do Executivo, Chui Sai On, o Presidente do Tribunal de Última Instância, Sam Hou Fai, o Procurador, Ho Chio Meng, e o Presidente da Direcção da Associação dos Advogados de Macau, Jorge Neto Valente.
      No seu discurso, o Chefe do Executivo, Dr. Chui Sai On, referiu que o Governo da RAEM se tem empenhado, em conjunto com toda a população, no reforço da consciência do Estado de Direito, no aperfeiçoamento e defesa do sistema jurídico, na implementação da Lei Básica e na firme concretização dos princípios “um país, dois sistemas” e “Macau governado pelas suas gentes” com alto grau de autonomia, afirmando ainda que, desde o estabelecimento da RAEM, o Governo tem defendido escrupulosamente o princípio da independência do poder judicial e o princípio do primado da lei, e mantém-se empenhado em promover o conhecimento generalizado das leis junto da população e em impulsionar o desenvolvimento do sistema jurídico da Região, além disso, o Governo ausculta atenciosamente as opiniões dos órgãos judiciais e dos profissionais do Direito e promove o desenvolvimento do sistema judicial da RAEM.
      Indicou o Chefe do Executivo que, após o retorno de Macau à Pátria, os órgãos judiciais têm vindo a progredir e a superar dificuldades, além de contribuírem para a construção de um sistema judicial adequado à realidade social da RAEM e de um corpo judicial altamente competente, criando um bom ambiente jurídico para o desenvolvimento social de Macau. O Governo continuará a apoiar os órgãos judiciais no âmbito da melhoria das instalações e equipamentos, no reforço da formação dos funcionários de justiça, no desenvolvimento dos recursos humanos e na assimilação de tecnologias e modelos de gestão mais avançados, com vista a elevar a eficiência e a qualidade da administração da Justiça, continuará a promover o intercâmbio e a cooperação regional no domínio da justiça e, ainda, a impulsionar o desenvolvimento do sistema judicial da RAEM.
      O Presidente do Tribunal de Última Instância, Dr. Sam Hou Fai, manifestou no seu discurso que, no ano judicial que findou, deram entrada nos tribunais das três instâncias um total de 19.535 processos, número esse que superou o do ano judicial anterior em 2.212, representando um aumento de 12,77%, sendo o mais elevado de todos os anos. Analisando na perspectiva das espécies dos processos entrados, verificam-se as quatro características seguintes:
      Primeiro, foram realizadas, durante o ano judicial transacto, as eleições da Assembleia Legislativa e do Chefe do Executivo, razão pela qual aumentou para o Tribunal de Última Instância quer o número dos recursos relativos ao direito de reunião e manifestação, quer o dos recursos contenciosos eleitorais, os quais foram, respectivamente, 4 e 6.
      Segundo, o número dos processos crimes começou a registar grandes aumentos ao longo dos últimos anos. O número dos processos crimes entrados no Tribunal Judicial de Base aumentou, pelo segundo ano consecutivo, em mais de 1.000, subindo mais de 16%; o número dos recursos criminais entrados no Tribunal de Segunda Instância também ultrapassou, pelo quarto ano consecutivo, a casa de 400. A maior parte dos processos crimes continua a ser os resultantes de jogos e de outras actividades periféricas relacionadas com a indústria de diversões. Quanto à criminalidade tradicional, o tráfico de estupefacientes permanece em número elevado, ao passo que os crimes transregionais e os crimes praticados por estrangeiros continuam a tendência de aumento.
      Terceiro, o número dos processos laborais aumentou significativamente. Segundo a estatística do Tribunal Judicial de Base, deram entrada neste tribunal 749 processos cíveis de trabalho, subindo 72,98% face ao ano judicial anterior. De entre todos, o aumento dos processos declarativos comuns do trabalho e dos processos de acidente de trabalho é o mais evidente, atingindo respectivamente 140% e 61,72%, cujo motivo merece a reflexão.
      Quarto, o número dos processos contravencionais respeitantes à violação da Lei de Trânsito Rodoviário mantém a tendência de aumento, tendo atingido 4.020, número esse que é 19% maior que o do ano judicial anterior, revelando que a ordem e a segurança de trânsito rodoviário de Macau têm grandes problemas.
      Em relação à eficiência de julgamento, apontou o Dr. Sam Hou Fai que, no último ano judicial, os processos submetidos à apreciação do Tribunal de Última Instância totalizaram 150, número esse que é o mais elevado de todos os anos, mas nem por isso a taxa de resolução foi afectada. Salientou que até 31 de Agosto, foram concluídos 129 processos, isto é, um aumento de 61% face ao ano judicial anterior, ao passo que a taxa de resolução atingiu 86%, subindo 2,67% em comparação com o ano judicial anterior. Além disso, a taxa de resolução de todas as espécies de recursos é superior a 80%. O número dos processos findos no Tribunal de Segunda Instância também bateu recorde, atingindo 1.206, subindo 44,95% face ao ano judicial anterior. Entendeu o Dr. Sam Hou Fai que por trás desta subida estão os motivos seguintes: por um lado, o Conselho de Magistrados Judiciais aproveitou a oportunidade de se ter nomeado mais um juiz no Tribunal de Segunda Instância para alterar a composição dos juízes das duas secções deste tribunal até então existentes, e procedeu à nova distribuição de parte dos processos pendentes; por outro, as alterações do regime de julgamento de recursos introduzidas pelo novo Código de Processo Penal levaram a que o ritmo de julgamento dos processos de recurso fosse acelerado significativamente. A eficiência de julgamento no Tribunal Judicial de Base (sem incluir o Juízo de Instrução Criminal) também se elevou. Foram concluídos um total de 12.653 processos, isto é, mais 871 processos que o ano judicial anterior, subindo 7%. Até 31 de Agosto, excepto alguns dos processos civis comuns de tribunal colectivo cujas audiências estão marcadas para mais que meio ano, o prazo de espera para a realização de audiência de todos os outros processos ligados à vida quotidiana da população é o mais curto de todos os anos.
      Segundo o Dr. Sam Hou Fai, com a criação do Juízo Laboral e do Juízo de Família e de Menores, concluiu-se, com sucesso, a reforma judiciária de especialização. Após um ano de funcionamento, provou-se que os efeitos são positivos, pois foram elevadas quer a eficiência quer a qualidade de funcionamento dos órgãos judiciais. A partir de Outubro do ano passado, com base nos trabalhos ao longo dos anos, os tribunais começaram pela primeira vez a redigir notícias sobre alguns processos típicos, para as publicar na página electrónica dos tribunais e na rede informática de notícias do Governo, e para depois serem divulgadas pelos meios de comunicação social. Até agora, já se redigiram mais de 160 notícias, por forma a reforçar a divulgação jurídica e promover a transparência judicial.
      No que respeita à reforma jurídica, o Dr. Sam Hou Fai, sublinhou que são inaceitáveis quer a atitude dos que, sem ter procedido a um estudo de direito comparado ou uma análise profunda sobre a realidade social, mas sim por determinadas considerações, reclamam uma reforma radical aos principais regimes jurídicos ora vigentes, quer a atitude dos que, ignorando as mudanças políticas, económicas e culturais verificadas na sociedade e o bom funcionamento dos respectivos novos regimes noutros países, insistem teimosamente em dizer que os diversos regimes jurídicos ora vigentes não podem nem permitem ser modificados. A reforma jurídica de Macau tem que ter por seu objectivo último a criação de um sistema jurídico compatível com as exigências da Lei Básica e com as necessidades de desenvolvimento social de Macau.
      Por outro lado, em entender do Dr. Sam Hou Fai, para combater eficazmente a criminalidade transregional e salvaguardar a dignidade do sistema jurídico de Macau, a RAEM tem a necessidade de reforçar a cooperação judiciária em matéria penal com outros países e regiões, especialmente no âmbito inter-regional. Para tal, em concomitância com a realização de negociações e diálogos sobre a cooperação judiciária em matéria penal com outras jurisdições da China, urge também elaborar a Lei de Cooperação Judiciária Inter-regional em Matéria Penal, consagrando em textos legais os princípios fundamentais, os requisitos substanciais e os respectivos procedimentos que se devem seguir, suprindo a lacuna dessa lei importante que tem vindo a existir ao longo de 15 anos desde a transição dos poderes de Macau, de maneira a que os órgãos judiciais tenham lei a aplicar, e que os acordos de cooperação judiciária em matéria penal possam produzir efectivamente os seus efeitos jurídicos.
      O Procurador Dr. Ho Chio Meng, no seu discurso, fez o balanço do trabalho do Ministério Público do ano passado, referindo que foi autuado um total de 13.697 processos penais, um aumento de 6% comparativamente ao ano anterior, e que se registaram 12.329 processos concluídos e 3.207 processos de acusação. Os crimes mais acusados referiam-se aos crimes de droga, ofensa simples à integridade física e crimes de falsificação de documentos relacionados com imigrantes ilegais, entre outros. Afirmou ainda que o Ministério Público também fez muito trabalho na representação da RAEM no juízo, defesa da legalidade e na fiscalização da implementação da lei.
      A propósito da reforma jurídica, o Procurador realçou que é um assunto inevitável a reforma jurídica, só através da qual é que se pode conseguir a prosperidade e estabilidade a longo prazo em Macau. Por isso, propôs o Procurador a revisão da lei eleitoral, de modo a resolver os problemas existentes há muito tempo na tramitação processual dos crimes eleitorais.
      No âmbito da cooperação judiciária, o Procurador propôs a transformação dos mais variados canais de cooperação existentes nos casos individuais práticos em mecanismos de cooperação regulamentada e legalizada no âmbito de auxílio mútuo na recolha de provas e remessa de documentos judiciais, acrescentando que se deve ainda promover uma coordenação adequada entre esses mecanismos e o próprio sistema jurídico da RAEM. Depois, com base nisto, deve-se alargar a cooperação mais intensiva para abranger outras áreas como a entrega de produtos do crime, entrega de infractores em fuga, resolução de conflitos de competências, transferência de processos judiciais, entre outras.
      O Presidente da Direcção da Associação dos Advogados de Macau, Dr. Jorge Neto Valente, exprimiu no seu discurso que continuam a faltar instalações condignas para os tribunais, sem uma solução definitiva no horizonte próximo. No que respeita aos recursos humanos, indicou que, com o aumento da quantidade de processos novos nos tribunais e no Ministério Público, e perante um número insuficiente de magistrados, a justiça continuará a ser lenta e, provavelmente, de pior qualidade. Nestes termos, entendeu o Dr. Jorge Neto Valente que é necessária uma reforma profunda da Lei de Bases da Organização Judiciária, com o aumento do número de Juízes no Tribunal de Última Instância, de par com o alargamento das suas competências, a revisão dos quadros de juízes em todos os Tribunais, a restruturação da carreira dos magistrados de acordo com a sua experiência e conhecimentos, o estabelecimento de um período probatório no início da carreira, com transparência nas inspecções e avaliações de desempenho.
      O Dr. Jorge Neto Valente ainda apontou que, como se pode avaliar pelos relatos da comunicação social, há decisões judiciais que são abertamente discutidas e criticadas, numa tentativa de influenciar as instâncias judiciais, o que reflecte uma crescente falta de respeito pelos tribunais. Para além disso, mencionou também que muitos serviços públicos recrutaram pessoas que não têm conhecimento do Direito nem do Sistema Jurídico de Macau, prejudicando gravemente a operacionalidade do sistema da Administração Pública, e a resolução das pretensões legítimas da população.
      No tocante aos advogados, disse o Dr. Jorge Neto Valente que há 114 advogados estagiários inscritos, 80% dos quais são de língua materna chinesa, e que o número de Advogados inscritos subiu de 281, no ano passado, para 304, dos quais 40% são de língua materna chinesa. Advogados e advogados estagiários encontram-se agrupados em 81 escritórios diferentes.
      Conforme o Dr. Jorge Neto Valente, embora a Associação tenha estabelecido, em Assembleia Geral realizada no passado mês de Abril, os termos restritivos em que os Advogados Portugueses podem ser admitidos a exercer a profissão em Macau, até agora, não foi retomado qualquer contacto com vista à substituição do antigo Protocolo. Não é necessária a existência de um Protocolo para estabelecer o condicionamento adoptado em Macau; o Protocolo poderá interessar aos advogados de Macau que futuramente queiram inscrever-se na Ordem dos Advogados Portugueses, visto que, por ora, não gozam de qualquer facilidade face a outros advogados estrangeiros.