Situação Geral dos Tribunais

Um Instruendo Pediu à Associação dos Escoteiros de Macau e à Seguradora a Indemnização pelas Lesões Sofridas nos Treinos de Natureza Militar e Decaiu

      O Autor é membro da Associação dos Escoteiros de Macau, e participou em Novembro de 2009 no campismo para a “Educação sobre a Defesa Nacional” organizado pela referida Associação, na Base da Educação sobre a Defesa Nacional de Zhongshan. Pelas 14h45 do dia 9 de Novembro, quando o Autor estava a participar numa actividade organizada pela Associação, ele caiu e bateu com a cabeça no chão. O instrutor do seu piquete perguntou de imediato a condição física do Autor, e este respondeu que se sentia bem. Depois, os instruendos voltaram aos seus dormitórios, e de acordo com as exigências e a demonstração dos instrutores, fizeram limpeza dos dormitórios. Até as 15h40 do mesmo dia, todos os instruendos reuniram-se de novo, e o instrutor do piquete perguntou mais uma vez se o Autor se sentia mal e precisava de descanso, e este ainda respondeu que se sentia bem. Após o termo da cerimónia de inauguração do campismo, por volta das 17h30 do mesmo dia, o Autor disse ao instrutor que se sentia mal disposto, e foi levado ao Hospital da cidade de Zhongshan para receber exames. Após os exames médicos, nos quais se detectou coagulação de sangue no cérebro do Autor, os médicos realizaram-lhe de imediato uma operação. Realizada a operação, ficou o Autor internado por 28 dias para observação e tratamentos. Posteriormente, a Companhia de Seguros da China Taiping (Macau), S.A., segundo o contrato de seguro de grupo de acidentes pessoais celebrado em 5 de Novembro de 2009 com a Associação dos Escoteiros de Macau, reembolsou ao pai do Autor as despesas médicas no valor de RMB$14.428,10 e as despesas de deslocações para a cidade de Zhongshan no valor de RMB$1.935,10, pagando também ao Hospital da cidade de Zhongshan as restantes despesas médicas no valor de RMB$41.299,94.

      Em 2010, o Autor intentou no Tribunal Judicial de Base a acção contra a 1ª Ré Associação dos Escoteiros de Macau e a 2ª Ré Companhia de Seguros da China Taiping (Macau), S.A., pedindo para condenar as Rés a pagar-lhe indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais no montante global de MOP$315.570,76.

      Na óptica do TJB, o contrato de seguro celebrado entre as 1ª e 2ª Rés cobre apenas o pagamento de indemnização por morte, incapacidade permanente, despesas médicas, deslocações e funeral em consequência de acidente, e bem assim as responsabilidades por dano físico ou patrimonial provocado a terceiros, e a 2ª Ré já pagou as respectivas despesas, pelo que deve ser julgado improcedente o pedido contra esta. Além disso, não se prova que foi por causa da actuação culposa da 1ª Ré que vinha causar lesões ao Autor, pelo que também é improcedente o pedido contra a 1ª Ré. Com base nisso, o TJB julgou improcedente a acção.

      Inconformado, o Autor interpôs recurso, alegando que: 1) as actividades em que participou o Autor são treinos de natureza militar de nível elementar, em si mesmas perigosas, e nos termos do art.º 486.º, n.º 2 do Código Civil de Macau, o Autor beneficia da presunção da culpa por parte da 1ª Ré. Não tendo a 1ª Ré afastado a culpa presumida, esta deve assumir a responsabilidade de indemnização; 2) sendo a 1ª Ré comitente da Base da Educação sobre a Defesa Nacional de Zhongshan, deve assumir a responsabilidade pelo risco por actuação culposa desta nos termos do art.º 493.º, n.º 1 do CCM.

      O Tribunal de Segunda Instância procedeu ao julgamento do processo. Antes de mais nada, quanto ao 1º fundamento, o Colectivo indica que embora o lesado, nos termos do art.º 486.º, n.º 2 do CCM, beneficie da presunção da culpa por parte de quem exerce uma actividade perigosa, não é menos verdade que ao lesado cabe sempre o ónus de demonstrar a natureza perigosa da actividade em causa ou dos meios nela utilizados, por força do disposto no art.º 335.º, n.º 1 do CCM. In casu, nem a denominação do campismo (Educação sobre a Defesa Nacional), nem os factos provados, são suficientes para demonstrar a natureza perigosa da actividade em causa ou dos meios nela utilizados, pelo que improcede tal fundamento.

      Em relação ao 2º fundamento, o TSI citou a doutrina clássica portuguesa, dizendo que para a responsabilidade pelo risco de comitente, o primeiro requisito é a existência da comissão. O termo comissão tem aqui o sentido de serviço ou actividade realizada por conta e sob a direcção de outrem, podendo essa actividade reduzir-se num acto isolado ou numa função duradoura, ter carácter gratuito ou oneroso, manual ou intelectual. A comissão pressupõe uma relação de dependência entre o comitente e o comissário que autoriza aquele a dar ordens ou instruções a este (é o caso do criado em face do patrão, do operário ou empregado em relação à entidade patronal, do mandatário quanto ao mandante ou do motorista perante o dono do veículo). Só essa possibilidade de direcção é capaz de justificar a responsabilidade do primeiro pelos actos do segundo. Todavia, quer os factos demonstrativos da existência da relação comitente-comissário, quer o próprio fundamento de direito de responsabilidade pelo risco de comitente, só vieram a ser alegados em sede das alegações, constituindo-se uma nova questão, e de qualquer maneira, a matéria de facto assente não sustenta a existência da relação comitente-comissário entre a 1ª Ré e a Base da Educação sobre a Defesa Nacional de Zhongshan, pelo que também improcede tal fundamento.

      Pelos expostos, acordaram em negar provimento ao recurso e manter na íntegra a sentença recorrida.

      Cfr. Acórdão do TSI, no Processo n.º 790/2012.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

09/02/2015