Situação Geral dos Tribunais

Não dando razão para o não levantamento da carta registada que denunciava o contrato de arrendamento enviada pelos proprietários, ficando o arrendatário sujeito a despejo

      A e B são proprietários de uma loja do rés-do-chão na Alameda da Tranquilidade. Em 10 de Janeiro de 2009, D, actuando na qualidade de gestão de negócios de A e B, celebrou com C um contrato de arrendamento, segundo o qual arrendou a C a referida loja para a exploração do negócio de água engarrafada, pela renda mensal de HKD$4.000,00 (MOP$4.116,00) e pelo prazo de 1 ano, a contar desde 1 de Março de 2009 até 28 de Fevereiro de 2010, contrato esse que é renovável por iguais períodos de tempo de acordo com a legislação de Macau aplicável ao arrendamento. Este contrato foi depois ratificado por A e B. Após o termo do contrato em 28 de Fevereiro de 2010, por ambas as partes não o terem denunciado, foi automaticamente renovado o contrato por 1 ano.

      No decurso do ano 2010, A e B informaram verbalmente a C por várias vezes que, após o termo do contrato em 28 de Fevereiro de 2011, não iriam renovar o contrato. Em 18 de Novembro de 2010, A e B, através do seu advogado, enviaram uma carta registada à fracção alugada por C, informando-lhe a sua intenção de reaver a fracção desocupada, a qual lhes deveria ser restituída livre e devoluta, no termo do contrato então em vigor, mas C não procedeu ao levantamento desta carta registada. Em 29 de Novembro de 2010, D e E dirigiram-se à fracção alugada por C, entregaram a um homem que se encontrava na fracção uma comunicação por escrito, na qual constava o mesmo conteúdo da supracitada carta registada, tendo o referido homem prometido entregar a comunicação escrita a C.

      Porém, após o termo do contrato, C ainda recusou a desocupação, pelo que A e B intentaram acção de despejo contra C no Tribunal Judicial de Base, pedindo que declarasse cessado o contrato de arrendamento em 28 de Fevereiro de 2011, ordenasse o despejo da respectiva fracção e condenasse C no pagamento da quantia mensal de MOP$10.000,00, a título de indemnização, desde Março de 2011.

      Após o julgamento, o Tribunal Judicial de Base entendeu que tendo o contrato de arrendamento durado 2 anos e os dois autores procedido à denúncia válida do contrato com a antecedência de 90 dias, o contrato caducou em 28 de Fevereiro de 2011. Com base nisso, o Tribunal Judicial de Base declarou cessado o contrato de arrendamento, e ordenou a desocupação e a restituição da respectiva infracção aos dois autores, mais condenando a ré a pagar, a título de indemnização, aos dois autores a quantia mensal de MOP$8.232,00, equivalente ao dobro da renda, desde Março de 2011 até efectiva restituição da fracção em causa.

      Inconformadas, recorreram ambas as partes. Os dois autores entenderam que se a ré tivesse restituído, segundo o contrato, a fracção em causa após a expiração do arrendamento, eles poderiam arrendar a fracção a outrem por uma renda mensal de MOP$10.000,00, pelo que devia a ré pagar-lhes a indemnização no valor mensal de MOP$10.000,00 em vez de MOP$8.232,00; e a ré, por sua vez, entendeu que o tribunal a quo incorreu no erro na apreciação da prova, não podia reconhecer que estavam preenchidos os pressupostos imperativos de comunicação da denúncia previstos no art.º 1039.º do Código Civil de Macau.

      O Tribunal de Segunda Instância procedeu ao julgamento da causa. Primeiro, em relação ao recurso dos autores, indicou o tribunal colectivo que não obstante as declarações prestadas pelas testemunhas dos dois autores na audiência de julgamento, no sentido de haver pessoas interessadas em alugar a fracção em causa pelo montante de MOP$10.000,00 por mês, trata-se de um facto hipotético e condicional, do qual não resulta necessariamente o facto de que a fracção seria arrendada pelo referido valor e cuja verificação está sujeita a inúmeras vicissitudes, pelo que não fica provado o prejuízo de MOP$10.000,00 por mês dos dois autores. Não pode ser duvidada a convicção do tribunal a quo sobre essa matéria e improcede o recurso dos autores.

      Quanto ao recurso da ré, entendeu o tribunal colectivo que, tal como referiu a ré, a comunicação verbal de não renovação do contrato e a entrega da carte por via de terceiro não constituem meios idóneos para transmitir a declaração de vontade de denúncia do contrato, mas tal facto sempre poderia ter alguma importância, podendo, em sede de boa-fé, ajudar os juízes a interpretar outros comportamentos da ré e a formar a convicção. No que concerne à notificação por carta registada, trata-se de um meio idóneo para denunciar o contrato de arrendamento previsto no sistema jurídico de Macau. Não basta a ré dizer que não recebeu a carta registada, porque nos termos do art.º 216.º do Código Civil, a declaração negocial torna-se eficaz logo que chega ao poder do destinatário ou é dele conhecida, e também é considerada eficaz a declaração que só por culpa do destinatário não foi por ele oportunamente recebida. Não se pode presumir a falta de culpa do destinatário, cabendo-lhe dizer porque não recebeu a declaração negocial. In casu, foi a carta registada enviada à fracção alugada pela ré, que recebeu o aviso mas não levantou a carta, não dando qualquer razão para esse não levantamento. Em virtude destes dois factos, tem-se de presumir que a ré não quis levantar a carta, conduta essa que não merece a tutela jurídica. Por isso, deve ser considerada eficaz a declaração negocial dos dois autores no sentido de denunciar o contrato de arrendamento feita mediante carta registada.

      Pelas apontadas razões, acordaram no Tribunal de Segunda Instância em negar provimento aos recursos das duas partes, confirmando a decisão do Tribunal Judicial de Base.

      Cfr. o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, no Processo N.º 654/2013.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

03/08/2015