Situação Geral dos Tribunais

Um guarda policial e um arguido envolveram-se em agressão recíproca, concedendo o TSI provimento ao recurso do arguido que ficou lesado e solicitou indemnização

      Em 19 de Setembro de 2008, o Comissariado Policial n.º 2 do CPSP enviou o guarda, ou seja o réu B e um outro guarda E para investigar um caso de ofensas num edifício industrial. Depois de ter conhecido a situação, os 2 guardas levaram o participante e o arguido A para o Comissariado a colaborar na investigação. Posteriormente, encontraram-se B e A em conflitos no corredor da sala de descanso dos guardas, cujo ruído chamou a atenção do oficial de serviço, que deu instruções aos outros 2 guardas presentes para tratar juntos do incidente na sala de descanso, e durante o período, os guardas viram que B e A apertaram um a outro o pescoço com as mãos, pelo que separaram-nos de imediato. A foi depois transportado numa ambulância para o Hospital Kiang Wu a receber tratamento. Neste hospital, através da diagnose, verificou-se que A sofreu de lesão leve no crânio-cerebral, contusão no coiro cabeludo temporal direito e várias contusões no tecido mole do corpo, foi hospitalizado no mesmo dia e teve alta em 30 de Setembro de 2008. Segundo o parecer de medicina legal, as referidas lesões que incapacitaram A para o trabalho necessitaram de 18 dias para recuperação, constituindo ofensas simples à sua integridade física. Por isso, o Ministério Público acusou B da prática dum crime de ofensas simples à integridade física, e A apresentou pedido de indemnização cível contra B.

      Após a audiência de julgamento, o Juízo Criminal do TJB proferiu sentença absolvendo o réu B da prática em autoria material e na forma consumada dum crime de ofensas simples, p. p. pelo art.º 137.º, n.º 1 e n.º 2 do CPM, acusada pelo Ministério Público. Mais indeferiu o pedido cível apresentado pelo demandante A contra o demandado B.

      O demandante A não impugnou a decisão penal absolutória proferida pelo tribunal a quo, mas estava inconformado com a decisão civil enxertada, pelo que recorreu para o TSI, pedindo a condenação do demandado a pagar-lhe a quantia de MOP$7.478,00, a título de indemnização pelos danos patrimoniais, bem como a quantia não inferior a MOP$200.000,00, a título de indemnização pelos danos não patrimoniais, acrescidas de juros legais desde a data da decisão até ao efectivo pagamento.

      O Colectivo do TSI indicou que conforme o art.º 358.º do CPPM, caso o tribunal profira sentença criminal absolutória, tem-se de considerar se fica verificado o acto ilícito que provoca a responsabilidade de indemnização civil. Nos termos do art.º 579.º, n.º 1 do CPCM, “a decisão penal, transitada em julgado, que tenha absolvido o arguido com fundamento em não ter praticado os factos que lhe eram imputados, constitui, em quaisquer acções de natureza civil, simples presunção legal da inexistência desses factos, ilidível mediante prova em contrário.” Porém, no caso sub judice, o que não fica provado na sentença criminal é “não fica provado que o réu praticou a conduta que ofendeu a integridade física do lesado”, e não foi absolvido o réu por ter provado que “o réu não praticou os factos criminosos acusados” ou “verifica-se a legalidade da sua conduta”. Por isso, por um lado, o réu não pode beneficiar da presunção prevista pelo referido artigo, e por outro lado, nada obsta a que o tribunal verifique de novo se existe a responsabilidade de indemnização civil.

      Entendeu o TSI que, embora fosse difícil compreender o decurso e a verdade dos factos de acordo com a matéria provada pelo tribunal a quo, e impossível saber porque é que o demandante ficou gravemente ferido “sem razão”, e o tribunal a quo apenas provasse que o demandante e o demandado “apertaram um a outro o pescoço com as mãos”, certo é que verifica-se a agressão recíproca entre o demandante e o demandado. Por isso, face à agressão, quer seja simples, quer seja dolosa, deve ser imputado ao agente o crime de ofensas simples à integridade física. Se não for possível determinar a ordem cronológica dos actos, cumpre à pessoa que agrediu segundo provar a possibilidade de legítima defesa. Sem provar que os actos do demandado constituem contra-ataque face à agressão da outra parte, entendemos que o demandado reúne obviamente uma condição objectiva para assumir a responsabilidade civil – existência do acto de ofensas ilícito e subjectivamente controlável. Sendo depois desse acto de agressão recíproca é que o demandante ficou lesado, pelo que existem obviamente o nexo de causalidade e o dolo. Assim, deve o demandado, segundo o princípio previsto pelo art.º 477.º do CCM, assumir a responsabilidade de indemnizar o demandante pelos danos sofridos por este.

      Por isso, deve o demandado pagar ao recorrente, a título de indemnização pelas despesas médicas, a quantia de MOP$7.478,00; ademais, depois de ficar lesado, o demandante recebeu tratamento continuado e sofreu muito, pelo que devem ser indemnizados tais danos morais. No entanto, o demandante também entendeu que devia ser indemnizado pela perda de confiança no sentido de as forças de segurança poderem proteger a segurança pessoal dele próprio e da sua família. No entendimento do TSI, um cidadão em geral foi espancado sem razão no CPSP e ficou gravemente ferido, e seria reduzida, sem dúvida, a sua confiança nas forças militarizadas. O demandado representa o CPSP para quem presta serviço, e qualquer má conduta prejudicará todos os cidadãos de Macau e o interesse público, em vez do próprio cidadão em geral, pelo que não pode qualquer um dos cidadãos “privatizar” tal dano e o tornar no seu próprio dano moral. Não pode, assim, o recorrente invocar tal dano ao apresentar os fundamentos da indemnização pelos danos morais. Segundo o princípio da equidade, o TSI fixou a indemnização pelos danos morais sofridos pelo recorrente no valor de MOP$30.000,00.

      Pelos expostos, acordaram no TSI em julgar procedente o recurso do recorrente, anulando a decisão recorrida, e parcialmente procedente o pedido de indemnização cível, condenando o demandado a pagar ao demandante, a título de indemnização, a quantia de MOP$37.480,00, acrescida de juros legais desde a mesma data até ao integral pagamento.

      Cfr. o Acórdão do TSI, no Processo N.º 318/2013.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

14 de Agosto de 2015