Situação Geral dos Tribunais

Nulidade da disposição dos bens comuns adquiridos depois do casamento sem o consentimento do outro cônjuge

      A Ré C e seu ex-marido E contraíram casamento em 1980, no Interior da China, e geraram uma filha D. Após o casamento, C comprou, a título individual, uma fracção em Macau que foi registada em seu nome. C e E divorciaram-se em 1991, mas não efectuaram a partilha dos bens comuns. Posteriormente, E e a Autora A contraíram casamento em 1994, no Interior da China, e geraram uma filha B. E faleceu em 22 de Junho de 2007, no mesmo dia, C alienou a supramencionada fracção à sua filha, ora Ré D, pelo valor de MOP180.000,00, bem como concluiu as respectivas formalidades notariais e registais. A, ao preparar o requerimento da abertura de inventário dos bens deixados pelo seu marido, descobriu a transacção em apreço, por conseguinte, intentou uma acção no Tribunal Judicial de Base contra C e D, pedindo a anulação do aludido acto de transmissão da propriedade.

      Tendo apreciado o caso, o Tribunal Judicial de Base julgou parcialmente procedente a acção intentada pelas Autoras e, em consequência, declarou que a supracitada fracção é um bem comum da C e E, bem como as Autoras A e B, como herdeiras do E, gozam dos direitos sucessórios, indeferindo os demais pedidos das Autoras e absolvendo as Autoras do pedido reconvencional deduzido pelas Rés. Inconformadas com a decisão, tanto as Autoras como as Rés interpuseram recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

      Após ter apreciado o caso, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância reconheceu, desde logo, que a fracção em causa é um bem comum da Ré C e do seu ex-marido E. Alegou a Ré que tinha pago individualmente o valor na compra da aludida fracção, a qual foi registada em nome dela. No entanto, conforme a resposta do Supremo Tribunal Popular da República Popular da China a respeito da interpretação do artigo 23º da Lei do Casamento da República Popular da China de 1950, o Tribunal Colectivo deu como provado que, no referido regime, não é possível que os cônjuges tenham bem próprio na constância do matrimónio, uma vez que o bem próprio preexistente se torna automaticamente bem comum da família com a contracção do matrimónio. Portanto, a dita fracção é um bem comum do casal, sendo improcedente tal parte dos motivos do recurso apresentada pelas Rés.

      Invocou a Autora que a Ré praticou, sem o consentimento do seu marido (ex-marido), o acto de alienação, contudo, no entendimento do Tribunal a quo, a Autora não conseguiu apurar o supracitado facto, pelo que foi indeferido o pedido de anulação do acto de alienação por ela formulado. Quanto a isto, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância indicou que o referido factum probandum era facto pessoal e negativo da Ré, nos termos da lei, se a Ré não deduzisse contradita ou apresentasse contradita simplesmente por desconhecimento do facto, presumir-se-ia provado o facto em causa, ou seja, a Ré praticou, sem qualquer consentimento, o acto de alienação.

      Ora, na opinião do Tribunal Colectivo, dado que a Ré e seu ex-marido não efectuaram a partilha dos bens comuns depois do divórcio, a fracção que fazia parte dos bens comuns transformou-se em estado de bem comum indiviso com o divórcio, ficando cada um com 1/2 da propriedade, nesta conformidade, a venda, na totalidade, da fracção em causa pela Ré sem o consentimento do comproprietário equivale a venda da coisa alheia. Na verdade, a Ré só tem o direito à disposição da parte que lhe pertence, ou seja 1/2 da propriedade, devendo ser declarado nulo o acto de compra e venda da restante parte da propriedade.

      Face ao expendido, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância deu provimento parcial ao recurso interposto pelas Autoras e, em consequência, declarou nula a parte do acto recorrido relativa à alienação da 1/2 da propriedade do E, determinou a respectiva alteração do registo predial e negou provimento ao recurso interposto pelas Rés.

      Cfr. o acórdão do processo n.º 753/2012 do Tribunal de Segunda Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

28/08/2015