Situação Geral dos Tribunais

Condenou-se na pena de cinco anos e seis meses de prisão efectiva o arguido que forneceu auxílio para a entrada clandestina em Macau de outrem com intenção de obter benefícios

        Em 27 de Dezembro de 2013, perto do estabelecimento comercial subterrâneo junto ao posto fronteiriço de Gongbei, B, residente do Interior da China ligou para X, um homem de identidade desconhecida, consultando se podia o transportar clandestinamente para Macau por embarcação, e este último aceitou o seu pedido. Conforme as indicações deste homem, B dirigiu-se a um hotel e ficou à espera nas proximidades. Mais tarde, B recebeu um telefonema do dito homem e, depois disso, junto com um outro homem de identidade desconhecida, foi até à margem do mar que passa por baixo da Ponte Flor de Lótus, onde B pagou a este homem RMB10.000 pela viagem clandestina. A seguir, B abordou sozinho uma sampana motorizada conduzida pelo arguido A para se deslocar a Macau. No dia supramencionado, ao meio-dia, a sampana conduzida pelo arguido chegou à costa da ilha de Taipa, Macau. Quando desceu da sampana para abordar a ilha, B foi descoberto e interceptado pelo pessoal alfandegário que estava em patrulhamento pelas margens do mar. Declarou o arguido A que, findo o transporte com êxito, ele poderia receber de Y RMB200 a 300 quando voltasse para o Interior da China, a título de remuneração pelo auxílio à imigração clandestina.

        Por acórdão de 26 de Junho de 2014, o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base condenou o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de auxílio p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 1, conjugado com o art.º 2.º, ambos da Lei n.º 6/2004, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

        Discordando do assim decidido, o arguido recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, alegando que se violaram os art.ºs 40.º e 65.º do Código Penal por ser, no seu entender, demasiado pesada a pena aplicada, e que o Tribunal a quo, ao não autorizar a suspensão da execução da pena, violou o disposto no art.º 48.º do Código Penal.

        O Ministério Público, também inconformado, interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância. Conforme o Ministério Público, no enquadramento jurídico-penal dos factos, o Tribunal a quo perdeu de vista o facto relevante de o residente do Interior da China B ter pago a um terceiro o custo da imigração clandestina. Entendeu o Ministério Público que a conduta do arguido já constitui um crime de auxílio qualificado previsto no art.º 14.º, n.º 2 da Lei n.º 6/2004, incorrendo, portanto, o Tribunal a quo em errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 1 do art.º 14.º do mesmo diploma legal.

        O Tribunal de Segunda Instância resolveu primeiro a questão da qualificação jurídico-penal dos factos praticados pelo arguido, inculcando o seguinte: nos termos do art.º 14.º do referido diploma legal, quem fornecer auxílio para a entrada ilegal no Território de outrem, comete o crime de auxílio estatuído no n.º 1. Aliás, se o agente obtiver vantagem ou benefício para si ou para terceiro na prática da aludida conduta, é o crime de auxílio qualificado punido pelo n.º 2 que se comete. Neste caso concreto, embora o arguido ainda não tenha recebido retribuição, reconheceu que praticou os factos em apreço no intuito de receber retribuição. Além disso, o imigrante ilegal já pagou a um terceiro o custo da imigração clandestina. A este respeito, o Tribunal de Segunda Instância citou o entendimento do Digno Procurador-Adjunto, que apontou no sentido de que, pelo facto de os indivíduos que exercem actividades ligadas à imigração clandestina costumarem angariar clientes através de diferentes mediadores, obtêm benefícios ilícitos dos clientes não só os indivíduos que fornecem auxílio efectivo à imigração clandestina, mas também os mediadores, ainda que estes últimos não participem directamente nas demais actividades de auxílio. Por esse motivo, quer os mediadores, quer os organizadores das actividades ligadas à imigração clandestina, devem ser considerados como co-autores, na medida em que o plano criminoso só se concretiza em virtude da divisão de tarefas e da conjugação de esforços entre as duas partes, que actuam ambas com dolo, sendo certo que os mediadores, apesar de se limitarem a fornecer canais de contacto, não deixam de concorrer para a entrada ilegal de outrem. Neste sentido, para se preencherem todos os requisitos do tipo de crime estipulado no n.º 2 do art.º 14.º, basta que, em qualquer fase das actuações de auxílio à imigração clandestina, qualquer pessoa tenha recebido retribuição, e que fique provado que aqueles que prestaram auxílio efectivo aos imigrantes ilegais receberam também ou iam receber retribuição. O Tribunal de Segunda Instância acolheu a tese supracitada, considerando que a conduta do arguido se deve qualificar como a prática de um crime de auxílio qualificado p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 2, conjugado com o art.º 2.º, ambos da Lei n.º 6/2004.

        Por outro lado, no que diz respeito aos fundamentos do recurso do arguido A, manifestou o Tribunal de Segunda Instância que, como este Tribunal passa a condená-lo pela prática de um crime de auxílio qualificado, é necessário fixar-lhe nova pena. Salientando que quem praticar o crime acima referido é punido com pena de prisão de 5 a 8 anos, o Tribunal de Segunda Instância, após analisadas todas as circunstâncias que depunham a favor do recorrente ou contra ele, decidiu condená-lo na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. Sendo superior a 3 anos a pena de prisão aplicada, não se verificam cumulativamente os requisitos da suspensão da execução da pena a que se refere o art.º 48.º do Código Penal.

        Face ao exposto, o Tribunal Colectivo julgou procedente o recurso do Ministério Público e improcedente o recurso do arguido A, passando a condenar este pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de auxílio qualificado p. e p. pelo art.º 14.º, n.º 2, conjugado com o art.º 2.º, ambos da Lei n.º 6/2004, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão efectiva.

        Vide o Acórdão do TSI, processo n.º 535/2014.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

01/09/2015