Situação Geral dos Tribunais

Recurso de impugnação e investigação de paternidade foi julgado improcedente por não ter sido provado que o filho nasceu fora do casamento

      Foi registado o casamento entre A (do sexo feminino) e B (do sexo masculino) em 7 de Outubro de 1983 no interior da China. Após o casamento o casal tinha três filhos E, F e D, que nasceram respectivamente em 1984, 1986 e 1994. Dos assentos de nascimento de E, F e D consta como seu pai B. Em 22 de Março de 1999, A e B requereram junto do tribunal o divórcio por mútuo consentimento, o qual foi decretado pelo tribunal por sentença transitada em julgado em 17 de Maio de 2000.

      No ano de 2013, D (1º Autor) e A (2ª Autora) intentaram contra B (1º Réu) e C (2º Réu) acção ordinária de impugnação e investigação de paternidade junto do Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base, pedindo que se declarasse o 1º Réu B não ser pai biológico do 1º Autor D, se ordenasse o cancelamento de B no assento de nascimento de D como seu pai, e em consequência, se declarasse o 2º Réu C como pai de D. Para este efeito, os dois Autores alegaram que, por volta do início de 1994, na constância do matrimónio entre A e B, A tinha relações sexuais com C, tendo, em consequência, engravidado e dado à luz D em 28 de Dezembro de 1994.

      Realizado o julgamento, o Juízo de Família e de Menores do Tribunal Judicial de Base entendeu que, por um lado, não se alegou pelos dois Autores na petição inicial que D não nasceu das relações de sexo entre A e o seu marido B nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento (período legal de concepção); por outro lado, de acordo com a prova produzida, também não se permitiu ao Tribunal a quo concluir com a certeza que A tinha relações sexuais apenas com C no período legal de concepção. Pelo que foi julgada improcedente a acção dos dois Autores.

      Inconformada, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, alegando que, 1) não era relevante a indicação ou não na petição inicial do facto de D não ter nascido das relações de sexo entre A e o seu marido B nos primeiros 120 dias dos 300 que precederam o nascimento, uma vez que os artigos 9º a 14º da petição inicial são suficientes para excluir a possibilidade de D ser filho de A e o seu marido; 2) há lugar a inversão do ónus da prova, em virtude de C se ter recusado a submeter-se ao exame de ADN; no caso de C não conseguir comprovar que D não é seu filho, constitui-se motivo suficiente para reconhecer que C é o pai biológico de D; 3) de acordo com o resultado do teste de ADN a que se submeteram B e D, deve ser dada uma resposta de “o 1º Autor não é filho do 1º Réu” em relação ao quesito 5º da base instrutória.

      O Colectivo do Tribunal de Segunda Instância conheceu da causa. Em primeiro lugar, quanto à primeira questão, o Colectivo indicou que a recorrente tem alguma razão, uma vez que se se lograr a prova de que o fulano X é pai biológico do autor numa acção de impugnação e investigação de paternidade, então não podemos deixar de concluir que já não é filho do fulano Y. Mas o problema é que o facto de C ser pai biológico de D alegado pelos dois Autores na petição inicial não foi dado como provado pelo Tribunal a quo. Pelo que improcederam os pedidos, quer de impugnação de paternidade, quer de reconhecimento deste. Acresce que também não se pode entender que os documentos juntos aos autos são suficientes para demonstrar que D não é filho de B, uma vez que os meios de prova destinam-se à prova dos factos articulados pelas partes e, sem a alegação da matéria de facto que integre a causa de pedir, qualquer elemento de prova não deixa de ser inócua.

      Em segundo lugar, quanto à questão de inversão do ónus da prova, o Colectivo indicou que, ao abrigo do disposto no artigo 337.º, n.º 2 do Código Civil, aplicado por remissão do disposto no artigo 442.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, “há também inversão do ónus da prova, quando a parte contrária tiver culposamente tornado impossível a prova ao onerado”. No caso vertente, não obstante o 2º Réu C se ter recusado a submeter-se ao exame de ADN, incumprindo o dever de cooperação previsto no artigo 442.º do Código de Processo Civil, mas o que acontece é que a realização de tal exame não é o único meio destinado a fazer prova da filiação, pois os dois Autores podiam socorrer-se de outros meios de prova, nomeadamente testemunhal, para demonstrar que C é pai biológico de D. Há algumas décadas atrás, quando os exames de ADN ainda não eram frequentes, a prova testemunhal era quase o único meio de prova para a filiação. Por isso, o recurso é improcedente nesta parte por a recusa por parte de C em submeter-se ao exame de ADN não acarretar a inversão do ónus da prova.

      No que tange à última parte do recurso, perguntava-se no quesito 5º da base instrutória: “Por desconhecer o facto referido em 4º, o 1º Réu, desde o nascimento do 1º Autor, tratou-o como se fosse seu filho biológico?” Ao que o Tribunal a quo respondeu “Não provado”. A recorrente, por seu turno, pretendeu alterar a resposta para “O 1º Autor não é filho do 1º Réu”. Segundo o Colectivo, a decisão da matéria de facto pode ser restritiva (provado apenas que…) ou explicativa, mas tem de manter-se dentro da matéria articulada pelas partes. Da análise do teor do quesito 5º da base instrutória, não era possível dar uma resposta pretendida pela recorrente, sob pena de ser extravasados os limites definidos no próprio quesito. Deste modo, o recurso improcedeu também nesta parte.

      Face ao exposto, o Colectivo do Tribunal de Segunda Instância entendeu não existir na sentença a quo qualquer violação de normas legais ou erro de julgamento da matéria de facto, negando, em consequência, provimento ao recurso interposto pela 2ª Autora A e, confirmando a sentença do Tribunal Judicial de Base.

      Cfr. o acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 378/2014.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

04/09/2015