Situação Geral dos Tribunais

A falta de identificação dos réus determináveis não constitui fundamento para indeferimento liminar da acção

      Em 20 de Outubro de 2007, à noite, B deslocou-se a uma fracção em Areia Preta, com a intenção de preparar jantar para seu filho, entretanto, este último recusou-se a entrada de B na fracção, além disso, o namorado da filha de B advertiu-o de que a permanência deste na fracção iria apresentar queixa à polícia, pedindo pelo auxílio. B não abandonou a fracção e, em seguida, chegaram lá, sucessivamente, 6 guardas policiais fardados. Alegou B que, no momento em que virava as costas, preparando-se para abandonar o local em causa, foi algemado por um dos guardas e agredido com socos nos olhos, bem como levou, durante alguns minutos, murros e pontapés no dorso e nas partes laterais do corpo, causando-lhe coma, queda e perda de consciência.

      B intentou acção de responsabilidade civil extracontratual no Tribunal Administrativo contra: um dos guardas policiais C, D, E e F (réu A); um dos guardas policiais C, D, E, F, G e H (réu X); e o Governo da R.A.E.M.. Posteriormente, por despacho do Juiz do Tribunal Administrativo, indeferiu-se liminarmente a parte da acção intentada pelo autor contra o Governo da R.A.E.M., bem como se indeferiu liminarmente a petição inicial apresentada pelo autor contra os demais réus. Inconformado com a decisão, B recorreu para o Tribunal de Segunda Instância.

      O Tribunal Colectivo conheceu do caso.

      O recorrente (autor) pretendia intentar acção contra o Governo da R.A.E.M., contudo, entendeu o Tribunal a quo que o Governo da R.A.E.M. não tinha personalidade judiciária por não dotar de personalidade jurídica. O Tribunal Colectivo procedeu à análise das respectivas legislações, mormente considerou que a “Administração do Território”, mencionada no art.º 2 do Decreto-Lei n.º 28/91/M, é uma designação geral dada aos serviços públicos do Território de Macau e não se pode interpretá-la como “Governo de Macau” ou “Governo da R.A.E.M.”. Assinalou o Tribunal Colectivo que tanto o Governo de Macau que existia antes do retorno de Macau à Pátria como o Governo da R.A.E.M. que foi estabelecido depois do retorno de Macau à Pátria, em termos de natureza, são apenas órgão que exerce função administrativa e, em termo jurídico, não têm personalidade jurídica, pelo que, com falta de personalidade jurídica, o Governo da R.A.E.M. não tem personalidade judiciária para ser réu, não se verificando, portanto, qualquer irregularidade na decisão do Tribunal a quo que indeferiu esta parte da acção.

      No que concerne à questão de legitimidade das partes, o Tribunal a quo indeferiu liminarmente a petição inicial apresentada pelo autor com fundamento na ineptidão da petição inicial, uma vez que considerou que a causa era obscura, bem como os factos não mostraram se o réu A que agrediu com socos nos olhos do autor era uma ou várias pessoas e se o réu X que deu murros e pontapés no dorso e noutras partes do corpo do autor era uma ou várias pessoas. Quanto a isto, o Tribunal Colectivo indicou que o art.º 67º do Código de Processo Civil prevê que é admitida a formulação subsidiária do mesmo pedido, ou a formulação de pedido subsidiário, por autor ou contra réu diverso do que demanda, no caso de dúvida fundamentada sobre o sujeito da relação material controvertida. Tal disposição é um fruto do princípio da economia processual e do princípio da colaboração, permitindo às partes verificar, através da fase de investigação processual, qual dos réus é o verdadeiro sujeito da relação material controvertida. Pelos factos constitutivos da causa que foram expostos na petição inicial, os réus A e X são determináveis embora ainda não sejam identificados. É atribuição do tribunal decidir quem será, enfim, responsável pelo incidente. Assim sendo, no entendimento do Tribunal Colectivo, não se verificou obscuridade nos factos constitutivos da causa que foram expostos na petição inicial apresentada pelo autor, não devendo o Tribunal a quo indeferir liminarmente a petição inicial com base neste fundamento.

      Face ao expendido, acordaram em conceder provimento parcial ao recurso interposto pelo recorrente (autor), revogando a decisão do Tribunal a quo que indeferiu liminarmente a acção proposta pelo autor contra os demais réus e mantendo a decisão do Tribunal a quo que indeferiu liminarmente a acção proposta pelo autor contra o Governo da R.A.E.M..

      Cfr. o acórdão do processo n.º 971/2012 do Tribunal de Segunda Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

24/11/2015