Situação Geral dos Tribunais

Candidato excluído do concurso para aquisição de habitação económica recorreu para o Tribunal Administrativo e voltou a ser admitido na lista

      Em 31 de Maio de 2005, A apresentou ao Instituto de Habitação boletim de inscrição para concurso de habitação económica. Em 1 de Fevereiro de 2013, o Instituto de Habitação notificou A para ir ali escolher fracção autónoma de habitação económica, levando consigo os documentos comprovativos necessários para o Instituto apreciar de novo se ele reunia os requisitos de acesso à compra de habitação económica. Por despacho de 14 de Fevereiro de 2013, o chefe substituto do Departamento de Assuntos de Habitação Pública do Instituto de Habitação manifestou que, finda a reapreciação, se constatava, segundo os dados registados na Conservatória do Registo Predial e a respectiva escritura pública de partilha da herança, que A, em 31 de Janeiro de 2011, adquiriu por sucessão parte da propriedade de uma fracção autónoma com finalidade habitacional e, em 23 de Maio de 2012, cedeu o seu quinhão ao outro herdeiro por meio de escritura pública de partilha da herança. Assim sendo, A não podia candidatar-se à compra das fracções pelo facto de ter sido proprietário duma fracção autónoma com finalidade habitacional na RAEM no período entre a data de apresentação da candidatura e a data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção, termos em que se determinou, em 28 de Fevereiro de 2013, a exclusão de A da lista geral, por força do art.º 60.º, n.º 5, al. 1) e do art.º 14.º, n.º 3, al. 1) da Lei n.º 10/2011 (Lei da Habitação Económica).

      Da decisão supramencionada A interpôs recurso hierárquico necessário para o Presidente do Instituto de Habitação, que acabou por indeferir o seu recurso hierárquico.

      Discordando, A interpôs recurso contencioso para o Tribunal Administrativo, alegando, em síntese, o seguinte: o recorrente não declarou expressamente aceitar a herança, e não cumpriu o dever de repudiar a herança por desconhecimento da lei; ao que acresce que, apesar da aceitação da herança, o recorrente não chegou a usufruir do prédio em questão ou melhorar as suas condições económicas. Portanto, pediu o mesmo a anulação do acto recorrido, invocando contra a entidade recorrida a interpretação errada da disposição do art.º 14.º, n.º 3, al. 1) da Lei acima referida.

      O Tribunal Administrativo julgou o caso, entendendo que, nos termos do art.º 1894.º, n.º 2 do Código Civil, os actos praticados pelo recorrente, designadamente a cessão do seu quinhão ao outro herdeiro através da escritura pública de partilha da herança e a recepção da compensação pecuniária, implicam, em termos materiais, a aceitação expressa da herança. Ainda por cima, ao abrigo do art.º 5.º do mesmo diploma legal, não pode o recorrente invocar a sua ignorância para se dispensar da observância da forma legalmente fixada para efeitos de repúdio da herança.

      Por outro lado, como o Tribunal Administrativo sublinhou, ao excluir o recorrente e seu agregado familiar da lista geral, a entidade recorrida não se baseou nas alterações das condições habitacionais e económicas do recorrente e seu agregado familiar resultantes da aceitação da herança, mas sim no facto de ter o recorrente sido proprietário de um imóvel com finalidade habitacional na sequência da aceitação da herança. Por esse motivo, no entender do Tribunal Administrativo, a questão-chave na causa vertente reside em analisar o disposto no art.º 14.º, n.º 3, al. 1) da Lei da Habitação Económica, sobretudo em delimitar o âmbito do conceito de “proprietário” nele referido.

      Conforme o Tribunal Administrativo, no preceito legal supra aludido, o legislador limita-se a restringir o acesso dos candidatos que, num determinado período, forem proprietários de imóvel com finalidade habitacional ou terreno na RAEM, sem intenção de excluir permanentemente os candidatos que tiverem sido proprietários de tais imóveis ou terrenos. Para além disso, não estão impedidos de se candidatarem os promitentes-compradores ou proprietários de prédio urbano ou fracção autónoma com finalidade não habitacional, nem os que possuam prédio no exterior da RAEM, donde decorre que o legislador não pretende impor restrição ao poder de disposição de património dos candidatos dotados de alguma capacidade económica. Deste modo, dificilmente se imagina que o legislador demande limitação quanto à natureza dos bens adquiridos pelos candidatos por sucessão ou doação mortis causa. Por isso, na óptica do Tribunal Administrativo, não deve ser limitado pelo art.º 14.º, n.º 3 da Lei da Habitação Económica o direito dos candidatos adquirirem bens de forma gratuita, pois recaem sobre eles apenas a apreciação de património estipulada no art.º 14.º, n.º 2 e no art.º 17.º do referido diploma legal. Aliás, tais limites não são aplicáveis ao caso do recorrente, visto que, à luz do art.º 60.º, n.º 5, al. 1) da Lei da Habitação Económica, os candidatos que, à data da entrada em vigor desta Lei, tenham sido admitidos na lista geral ao abrigo do disposto no Regulamento de acesso à compra de habitações construídas no regime de contrato de desenvolvimento para a habitação - tal como sucedeu com o ora recorrente - ficam dispensados pelo próprio legislador do cumprimento dos limites de rendimento e de património fixados no mesmo diploma legal, e, no tocante ao limite temporal mencionado no art.º 14.º, n.º 3 da mesma Lei, vêem este reduzido para o período apenas entre a data da apresentação da candidatura e a data de celebração da escritura pública de compra e venda da fracção.

      O Tribunal Administrativo entendeu que a entidade recorrida não teve em conta a passividade do interessado face à sucessão mortis causa e à consequente partilha da herança, nem os limites ao repúdio da herança, realçando que o recorrente, que se tornou por sucessão proprietário de imóvel com finalidade habitacional, não cai no âmbito do conceito de proprietário a que se refere o art.º 14.º, n.º 3, al. 1) da Lei da Habitação Económica.

      Nesta conformidade, como a entidade recorrida cometeu erro sobre os pressupostos de direito na aplicação do art.º 14.º, n.º 3, al. 1) da Lei da Habitação Económica, o acto recorrido violou a lei, devendo, assim, ser anulado em consonância com o art.º 21.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Administrativo Contencioso e com o art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo.

      Vide a Sentença do Tribunal Administrativo, processo n.º 1014/13-ADM.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

14/12/2015