Situação Geral dos Tribunais

Preço falso do imóvel no contrato-promessa de compra e venda com intenção de obter mais empréstimo constituiu o crime de falsificação de documento

      Em 2010, o 3º réu C pôs à venda a sua fracção autónoma situada na Taipa através da Companhia de Serviços de Consultoria Imobiliária, Limitada D, sendo ele próprio um dos sócios desta companhia. Em Setembro do mesmo ano, sob organização de B (2º réu), agente da referida companhia, o 1º réu A foi ver a dita fracção e queria comprá-la. Então disse a B que ia pagar HKD2.700.000,00 para comprar o imóvel. Para tal, B elaborou o contrato-promessa de compra e venda nº 0XXX49 que foi assinado por ele e A. No contrato-promessa foi indicado o preço do imóvel no valor de HKD2.700.000,00. Após a assinatura do contrato-promessa, A entregou uma quantia de HKD20.000,00 como sinal a B e este levou o contrato a C para ele assinar. Posteriormente, A disse a B que queria pedir mais dinheiro ao banco a fim de ter dinheiro suficiente para pagar a entrada do imóvel, pedindo a B que elaborasse um contrato-promessa de compra e venda com valor de transacção mais elevado. Assim, B elaborou um contrato-promessa de compra e venda de nº 0XXX50 com o preço da fracção fixado em HKD2.980.000,00. B e A assinaram o contrato. B contou o pedido de A a C, este concordou e assinou o contrato. Depois, C enviou por fax o contrato-promessa de compra e venda de nº 0XXX50, a busca e a fotocópia do documento de identificação de A a E, subgerente do Banco X, este passou o requerimento ao funcionário F para ele tratar do assunto. Após aproximadamente 10 dias, o banco rejeitou o pedido de empréstimo de A pelo seu registo financeiro adverso.   O Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base condenou os três réus, condenado o 1º réu A pela prática, em co-autoria e na forma consumada, um crime de falsificação de documento p.p. pelo artº 244º, nº 1, al. b) do CP, na pena de multa de 120 dias, à taxa diária de MOP100,00, perfazendo o total de MOP12.000,00. A pena de multa será convertida em 80 dias de prisão caso não seja pago a multa ou seja substituída pelo trabalho.

      Inconformado, o 1º réu A interpôs recurso junto do Tribunal de Segunda Instância, alegando que o Tribunal recorrido adoptou o depoimento dos funcionários do banco, pelo que violou o artº 116º do CPP que dispõe que o depoimento indirecto não pode servir como meio de prova, incorrendo assim no vício de “erro notório na apreciação da prova” previsto no artº 400º, nº 2, al. c) do mesmo Código. Entendeu ainda que geralmente o valor de compra e venda de um imóvel não afectava o valor do empréstimo, apontando que o contrato-promessa de compra e venda em causa não devia ser usado para apurar factos de relevância jurídica, por qual imputou à decisão recorrida a violação do artº 400º, nº 1 do CPP por aplicação errada do direito.

      O Tribunal de Segunda Instância procedeu à apreciação do recurso. O recorrente começou por alegar que os dois funcionários do banco não podiam depor em apresentação do banco por não terem procuração escrita do banco. Mas o que o Tribunal a quo queria apurar foi mesmo o procedimento de que as duas testemunhas receberam directamente o pedido de empréstimo do réu. O depoimento prestado sobre este facto era absolutamente prova directa. Sendo o órgão bancário, o banco não precisava de fazer procuração no acto de prestação de depoimento, portanto, não existia a questão de admissão da prova indirecta, nem o vício na apreciação da prova invocados pelo recorrente.

      Segundo, o recorrente defendeu que a sua conduta não constituiu crime porquanto não agiu para obter para si benefício ilegítimo. O bem jurídico que o crime de falsificação de documento visa proteger é a segurança e credibilidade do documento probatório usado pelas partes num negócio jurídico. Quanto ao acto objectivo, o recorrente assinou o contrato-promessa de compra e venda, que foi posteriormente submetido ao banco no sentido de pedir empréstimo, no qual o preço do imóvel foi aumentado por mais ou menos 10% em relação ao preço verdadeiro, facto este que é suficiente provar um facto de relevância jurídica – o preço de um imóvel, que é o objecto da compra e venda entre as partes compradora e vendedora, foi falsamente indicado. Embora o pedido de empréstimo foi rejeitado pelo banco com fundamento de registo financeiro adverso que tinha, isto não afecta o facto de que a conduta dele já prejudicou a credibilidade e a segurança do documento probatório que é protegido por lei. Relativamente à culpa subjectiva, a lei exige apenas a verificação da “intenção de obter para si ou para outra pessoa benefício ilegítimo” do recorrente e não a obtenção concreta de benefício ou o prejuízo causado a outra pessoa. Aparentemente, in casu, o recorrente intentou obter um maior empréstimo bancário que não podia obter. Na realidade, o banco transfere o pedido de empréstimo recebido a empresa de avaliação para estimar o preço do imóvel. O banco concede o empréstimo pedido com base na situação económica do requerente e percentagem calculada no preço mais inferior avaliado e no valor mais baixo verificado nas transacções anteriores, mas isto não afecta a intenção do réu de obter benefício ilegítimo.  

      Nos termos expostos, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso do recorrente por os factos dados provados nesta causa preencherem os elementos constitutivos do crime previstos no artº 243º, al. a) - (1) e no artº 244º, nº 1, al. b) do CP, devendo ser mantida a decisão a quo.

      Cfr. o acórdão proferido no processo nº 816/2014 do Tribunal de Segunda Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

18/12/2015