Situação Geral dos Tribunais

A questão de saber se os anúncios são “pornográficos” ou “obscenos” é uma questão de facto, que está fora do âmbito da uniformização de jurisprudência

      Em Abril de 2014, A foi detido pela polícia por ter espalhado pelo chão, nas proximidades dos casinos como Sands e Jimei, grande quantidade de anúncios de que constavam a fotografia duma mulher estrangeira em lingerie sexy perspectiva de cor branca, expondo a sua cleavage, e as palavras “Centro de Massagens XX”. Realizado o julgamento, o Tribunal Judicial de Base condenou A, pela prática de um crime de “venda, exposição e exibição públicas de material pornográfico e obsceno” p. e p. pelo art.º 1.º, n.º 1 e art.º 2.º da Lei n.º 10/78/M (conjugados com o art.º 4.º do mesmo diploma legal), na pena de 2 (dois) meses de prisão (substituível por multa) e na pena de 60 (sessenta) dias de multa.

      Discordando do decidido, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, que, por acórdão de 28 de Julho de 2015, julgou improcedente o recurso, mantendo a decisão recorrida.

      Ainda inconformado, A interpôs para o Tribunal de Última Instância recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, alegando que a respectiva decisão judicial se encontra em oposição com o acórdão de 23 de Janeiro de 2013 emanado do processo n.º 832/2013 do mesmo Tribunal de Segunda Instância. No acórdão recorrido, entendeu o Tribunal de Segunda Instância que os anúncios em causa contêm elementos que ultrajem ou ofendam o pudor público ou a moral pública, pelo que devem ser qualificados como “pornográficos” ou “obscenos” e se integram no conceito legal previsto no n.º 1 do art.º 2.º da Lei n.º 10/78/M; ao passo que no acórdão fundamento, proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 832/2013, considerou o mesmo Tribunal que os anúncios aí em apreciação não parecem ser “pornográficos” ou “obscenos”, nem ultrajam ou ofendem o pudor público ou moral pública, pelo que decidiu absolver a arguida do crime de “venda, exposição e exibição públicas de material pornográfico e obsceno” pelo qual foi condenada.

      O Ministério Público pugnou pela rejeição do recurso, em virtude da inadmissibilidade do mesmo, uma vez que a questão levantada pelo recorrente de saber se os anúncios apreendidos devem serconsiderados como objectos “pornográficos”, “obscenos”, que “ultrajem ou ofendam o pudor público ou a moral pública” se prende com a apreciação concreta da matéria de facto no caso concreto, e não a apreciação da matéria de direito, daí que não estejam verificados os requisitos do recurso extraordinário de fixação de jurisprudência.

      O Tribunal de Última Instância julgou o recurso em tribunal colectivo. Inculcou o Tribunal Colectivo, desde logo, que são requisitos do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência em processo penal: existam dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentam em soluções opostas; as decisões tenham sido proferidas no domínio da mesma legislação; o acórdão fundamento seja anterior ao acórdão recorrido e haja transitado em julgado; não seja admissível recurso ordinário do acórdão recorrido; o recurso seja interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar.

      Segundo o Tribunal Colectivo, o único requisito cuja verificação foi posta em causa se refere à existência de dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas.

      Por um lado, nos dois acórdãos não se vê contradição ou divergência relativamente à interpretação do art.º 2.º da Lei n.º 10/78/M que prevê o conceito de pornografia. O que se verifica é que, face à matéria de facto provada num e noutro acórdão, o Tribunal considera que os anúncios apreendidos nos respectivos autos contêm ou não conteúdo pornográfico ou obsceno, questão esta que tem a ver com a avaliação da situação de facto, e não com a interpretação de qualquer norma jurídica. Estamos perante a diferente avaliação da situação de facto, ou seja, tendo em consideração as imagens, palavras e/ou descrições que se apresentam nos anúncios, o Tribunal considera-os, ou não, pornográficos ou obscenos.Assim, a questão em causa, de considerar, ou não, os anúncios, em que se apresentam as imagens, palavras e/ou descrições, como objectos pornográficos ou obscenos, não é uma questão de direito, mas sim de facto, pelo que está fora do âmbito da uniformização de jurisprudência

      Acrescentando, não é nada prático exigir ao Tribunal de Última Instância definir critérios uniformes para efeitos de apreciar, em termos gerais, quais anúncios são pornográficos ou obscenos, que ultrajem ou ofendam o pudor público ou a moral pública, face à variedade e diversidade de imagens, palavras e/ou descrições expostas nos anúncios envolventes em casos diferentes, sendo de lembrar que a fixação de jurisprudência não é para resolver tão só uma situação concreta, mas sim para valer no futuro e para todos os casos em que se discute a mesma questão de direito, constituindo jurisprudência obrigatória.

      Pelo exposto, não se verificando um dos requisitos essenciais para se mandar prosseguir o recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, acordaram em rejeitar o recurso.

      Vide Acórdão do TUI, processo n.º 78/2015.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

14/01/2016