Situação Geral dos Tribunais

Vendida a habitação sem consentimento conjugal, a parte que não consentiu sempre goza de tutela jurídica no tocante a acções que visam a defesa dos seus direitos e interesses legítimos

        A sociedade X adquiriu em 1993 uma fracção habitacional. D, sócio dessa sociedade, detém 18% das acções da sociedade. A e D contraíram casamento em 17 de Junho de 1997, sob o regime da comunhão geral de bens. Após o casamento, o casal e o seu filho moravam juntos na referida fracção até 2010, ano em que D deixou a fracção. Depois disso, A e o seu filho continuavam a residir no mesmo endereço.

        No dia 4 de Outubro de 2012, a sociedade X realizou uma assembleia de sócios (em que D esteve presente na qualidade de sócio), tomando a deliberação de vender a fracção supracitada a B e C, nos termos da qual se efectivou a venda em 17 de Dezembro. No ano de 2013, B, através do seu advogado, enviou uma carta a A, pedindo-lhe para desocupar a dita fracção. Ainda tentou mudar as fechaduras das portas férrea e de madeira da fracção, mas, apesar de tudo o que fez, não obteve a entrega por A da fracção em causa.

        Por isso, B denunciou o caso à Polícia Judiciária, vindo o Ministério Público deduzir acusação contra A pela prática de um crime de usurpação de coisa imóvel e um crime de violação de domicílio. Seguidamente, A requereu a abertura da instrução ao Juízo de Instrução Criminal do Tribunal Judicial de Base, que após apreciação, proferiu despacho de não pronúncia com base na não existência de indícios suficientes da prática por A dos crimes imputados. De tal despacho, B e C, como assistentes, interpuseram recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

        Tendo analisado o caso dos autos, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância entendeu que a questão crucial reside em saber se a recorrida continua a gozar de tutela jurídica, no sentido de poder ocupar a fracção em litígio e defender os seus direitos e interesses por meio de acção directa, ainda que não sejam da sua exclusiva titularidade os direitos reais sobre a fracção em questão.

        Conforme asseverou o Tribunal Colectivo, em Dezembro de 2012, quando a sociedade X vendeu a fracção, ainda existia a relação matrimonial entre a recorrida e D, casados em regime da comunhão geral de bens, pelo que pertencia materialmente à recorrida metade dos 18% de acções detidos por D na sociedade, isto é, parte dos direitos reais sobre a fracção registada a favor da sociedade. Daqui resulta que, antes de proferir a deliberação de vender a fracção supramencionada, devia a sociedade chamar a recorrida à assembleia de sócios para obter o seu consentimento para o efeito. Ao vender a fracção sem consentimento da recorrida, a sociedade lesou os direitos e interesses que esta tinha sobre a fracção em apreço, os quais, à luz das respectivas disposições do Código Civil, não deixaram de ser legalmente protegidos, devendo, assim, ser permitido à recorrida o recurso à respectiva acção directa. Dest´arte, o Tribunal Colectivo considerou que a conduta da recorrida não integra o crime de usurpação de coisa imóvel.

        No concernente ao crime de violação de domicílio, afirmou o Tribunal Colectivo que, os assistentes, embora tendo adquirido à sociedade a fracção acima referida, nunca nela residiram, daí ser de improceder a acusação contra a recorrida pela violação do “domicílio” dos assistentes.

        Face ao exposto, o Tribunal Colectivo julgou totalmente improcedente o recurso interposto pelos assistentes, mantendo a decisão recorrida.

  

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

18/01/2016