Situação Geral dos Tribunais

Não sendo possível determinar o local da prática do crime sem a realização da audiência de julgamento, a decisão sobre a jurisdição dos tribunais de Macau é relegada para a sentença

      Em 29 de Maio de 2003, com base numa procuração outorgada em 19 de Maio de 2003, que tem por conteúdo a atribuição, por A e seu marido D a C, de poderes de gestão e venda de diversas fracções autónomas das primeiras duas pessoas em Macau, C deslocou-se a um escritório forense em Macau, e em representação de A e D, vendeu para uma sociedade comercial, pelo preço global de MOP$3.800.000,00, as fracções autónomas identificadas na procuração.

      Através da perícia, verificou-se que era falsificada a assinatura de D constante da procuração acima referida.

      O Ministério Público acusou A (a 1ª arguida) e C (o 2º arguido) da prática, em co-autoria e na forma consumada, de um “crime de falsificação de documento de especial valor”, p. p. pelos art.ºs 244.º, n.º 1, al.s a) e b) e 245.º do CPM, e de um “crime de uso de documento de especial valor falsificado”, p. p. pelos art.ºs 244.º, n.º 1, al. c) e 245.º do CPM. Sendo o filho de A e D, B interveio no processo como assistente. Ulteriormente, houve separação do processo, ficando os 2 arguidos a ser julgados em processos distintos.

      No processo em que seja a ré A, o Juiz titular do 4º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, por despacho de 19 de Janeiro de 2015, decidiu: 1 – Convolar a acusação da arguida A da prática de um crime de falsificação de documento de especial valor, previsto e punível pelos artigos 244.º n.º 1, alíneas a) e b) e 245.º e de um crime de uso de documento falso, previsto e punível pelos artigos 244.º, n.º 1, alínea c) e 245.º, para a prática de um crime de falsificação de documento de especial valor, previsto e punível pelos artigos 244.º n.º 1, alíneas a) e b) e 245.º todos do Código Penal, por existência de concurso aparente de normas; 2 – Declarar a incompetência do Tribunal de Macau quanto ao julgamento dos factos de falsificação de documento de especial valor, porque ocorridos em Hong Kong, por não verificação das condições da aplicação da lei de Macau reguladas no artigo 5.º do Código Penal, e o consequente arquivamento dos autos nos termos do artigo 22.º, n.º 3, do Código de Processo Penal.

      Inconformados com este despacho, o Ministério Público e o assistente B recorreram para o Tribunal de Segunda Instância.

      Por Acórdão de 25 de Junho de 2015, o TSI revogou o despacho recorrido e determinou o julgamento pelos dois crimes da acusação, tendo entendido que na acusação não se refere que a falsificação do documento ocorreu em Hong Kong e que, mesmo que os tribunais de Macau não fossem competentes para o julgamento dos factos praticados em Hong Kong, relativos à falsificação do documento, sempre teria a arguida de ser julgada pelo uso do documento falso, factos ocorridos em Macau.

      Inconformada com tal acórdão, A recorreu para o Tribunal de Última Instância.

      O TUI conheceu da causa, indicando que, ao contrário do que entendeu o Juiz do 4.º Juízo Criminal, da acusação não consta que a procuração foi fabricada no Consulado Geral de Portugal em Hong Kong. O que nela se diz é que “Para vender os bens imóveis do seu marido E, a 1ª arguida A e o 2º arguido C, em data não determinada, fabricaram uma procuração, com 19 de Maio de 2003 como data de outorga e com oConsulado-Geral de Portugal em Hong Kongcomo local de outorga”. Não é possível deduzir da incriminação da acusação pela alínea b) do n.º 1 do artigo 244.º do Código Penal, que o Ministério Publico considera que a procuração foi outorgada no Consulado de Portugal em Hong Kong. Por um lado, a incriminação também refere a alínea a) do mesmo número e artigo, que prevê a falsificação material. Mas ainda que fosse de extrair alguma ilação da referência à alínea b) sobre o pensamento do autor da acusação, isso seria totalmente irrelevante, porque não se traduziu em factos da acusação sobre o local da prática do crime. Por isso, da acusação não consta expressamente qual o local da prática da falsificação da procuração, nem tal local é passível de ser inferido da mesma acusação. Mas a omissão, na acusação, do local onde foi praticado o crime é susceptível de ser suprida pelo tribunal de julgamento na sentença, desde que, no decurso da audiência de julgamento resultar qual foi o local onde foi feita a falsificação, o tribunal comunicar ao arguido o suprimento da omissão da acusação e conceder-lhe tempo necessário para a defesa, nos termos do artigo 339.º do Código de Processo Penal.

      O Tribunal Colectivo acresceu que, independentemente da qualificação doutrinal da aplicabilidade da lei penal pelos tribunais de Macau, a falta de jurisdição dos tribunais de Macau, em face do disposto nos artigos 4.º e 5.º do Código Penal, é tratada como excepção dilatória, por falta de um pressuposto processual. Quando os factos atinentes ao pressuposto processual da jurisdição são controvertidos, deve relegar-se a apreciação dele para a sentença, após produção de prova da matéria da excepção juntamente com a da causa.

      Assim, o acórdão recorrido tinha razão ao dizer que antes do julgamento não era possível dizer que o crime foi praticado em Hong Kong, tendo andado menos bem ao decidir que a lei penal de Macau é aplicável ao caso.

      Com base nisso, acordaram em conceder provimento parcial ao recurso, revogar o acórdão recorrido e ordenar que o TJB resolvesse, na sua sentença, a questão sobre a jurisdição dos tribunais de Macau para o julgamento do crime de falsificação.

      Cfr. o Acórdão do TUI, no Processo n.º 83/2015.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

25 de Janeiro de 2016