Situação Geral dos Tribunais

TSI negou provimento ao recurso interposto da sentença que decretou o divórcio por conduta lesiva e reiterada do marido contra a mulher, manifestada em palavras e actos

        A Autora (mulher) e o Réu (marido) contraíram casamento em 30 de Abril de 1994, fruto do casamento nasceu uma filha. O Réu queixava-se frequentemente que a mulher não tinha filho rapaz dele. Em meados de 2010, na presença da sua filha, o Réu disse à Autora que tinha relação amorosa com outra mulher, com quem desejava ter um filho rapaz. O Réu pediu à Autora para permitir que essa mulher residisse na casa de morada da família, mas a Autora recusou. Desde então, o Réu pediu várias vezes o consentimento da Autora, o que veio a originar discussões entre os cônjuges. O Réu até ameaçou a Autora, dizendo que ia feri-la e a filha. A Autora pediu alguma vez para se divorciar, mas o Réu recusou. A partir de Agosto de 2012, o Réu, com frequência, não pernoitava em casa. Todas as vezes que o Réu voltou para casa, embriagado, berrava, ralhava, e até agredia a Autora. No dia 16 de Agosto de 2012, o Réu regressou embriagado a casa, e teve, outra vez, discussões com a Autora, durante as quais, o Réu correu para a cozinha e pegou num cutelo, dizendo que ia esfaquear a Autora e a filha até a morte. Desde Dezembro de 2012, o Réu nunca mais voltou a coabitar com a Autora, e mais nada contribuiu para os encargos da vida familiar. A Autora sofria pressão psicológica, receando que o Réu voltasse para casa a magoá-la e a filha. Em 8 de Janeiro de 2013, a Autora apresentou queixa à Polícia de Segurança Pública e propôs acção de divórcio no Tribunal Judicial de Base.

        O Tribunal Judicial de Base, com base na violação pelo Réu dos deveres conjugais de respeito, fidelidade e assistência, decretou o divórcio entre as partes e declarou culpado o Réu.

        Inconformado, o Réu recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, alegando que ele só não suportou as despesas domésticas porque esteve internado na sequência dum acidente de viação e foi despedido pela companhia. Afirmou ainda que a relação extramatrimonial invocada pela Autora não ficou provada, sendo que o Réu recorreu a este meio apenas para que a Autora concordasse em ter um filho rapaz.

        Submetido o caso à apreciação do Tribunal de Segunda Instância, este manifestou que a questão controvertida passa por saber se havia motivo para ser decretado o divórcio por violação dos deveres conjugais do Réu. Apesar de ter indicado o Réu que ele não podia prestar assistência à família por causa de um acidente de viação, a ocorrência do acidente, por si só, não é impeditivo de o Réu trabalhar ou cumprir a sua obrigação de alimentos por outros meios. É claro que desde que o Réu saiu de casa não cumpriu o dever acima referido e o dever de cooperação, sendo manifesto o comprometimento da vida conjugal que assumiu com essa sua conduta.

        O Réu desde que saiu de casa não contribuiu para as despesas domésticas, agrediu fisicamente a Autora, faltou-lhe ao respeito, e até disse a esta, na presença da filha, que mantinha uma relação amorosa com outra mulher, que queria levar para viver em casa e de quem queria ter um filho rapaz. Tudo isso compromete irremediavelmente a vida em comum do casal,não havendo elementos donde se possa aferir que houve perdão dessas condutas.

        A conduta do Réu, que se prolongou no tempo, mostrou-se lesiva da integridade física e moral da Autora, conduta essa, manifestada em palavras e actos, que não só põe em causa o casamento, como não pode deixar de ser reprovada pelo senso comum dos cidadãos. Alegou o Réu que os factos relacionados com um relacionamento extramatrimonial não se provaram, tendo sido apenas palavras ditas. Pouco importa, no entender dos juízes, pois há palavras que ferem mais do que os próprios actos, além de que a desfaçatez com que as mesmas foram ditas e a conduta reiterada não deixaram de marcar a Autora que sofreu tensão, stress e medo. Por isso, mostra-se irrepreensível a sentença proferida pelo Tribunal Judicial de Base, sendo de manter o decidido.

        Nos termos acima expostos, decidiu o Tribunal de Segunda Instância negar provimento ao recurso, confirmando a decisão recorrida.

        Vide Acórdão do TSI, processo n.º 604/2014.

  

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

15/02/2016