Situação Geral dos Tribunais

Foi declarado nulo um contrato segundo o qual o marido doou à esposa a sua meação nos bens comuns

   A e B (esposa) casaram-se no Interior da China em 1994. Em 2002, A adquiriu uma loja em Macau, que se encontrou inscrita a favor dele, com menção do casamento no regime da comunhão de adquiridos. Em 2010, o casal adquiriu o estatuto de residente permanente de Macau.

   Em 2013, A e B celebraram uma escritura pública de doação entre casados, através da qual A declarou doar a B a sua meação na referida fracção, tendo pago o respectivo imposto do selo. Mas quando se requereu o registo à Conservatória do Registo Predial, esta recusou o registo.

   Depois, A intentou acção no Tribunal Judicial de Base, pedindo para declarar nula a doação a B, e solicitando que fossem reembolsados os respectivos emolumentos e imposto do selo. O TJB conheceu da acção, entendendo que, nos termos do art.º 51.º, n.º 1 do Código Civil, deve ser a lei da residência habitual dos nubentes ao tempo da celebração do casamento que regula o regime de bens do casamento, isto é, a lei do Interior da China, mas não consta da Lei de Casamento do Interior da China qualquer norma que prevê, como o n.º 1 do art.º 1607.º do Código Civil de Macau, a nulidade da supracitada doação, pelo que julgou improcedente a acção de A. Inconformado com a sentença, A interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

   O Tribunal Colectivo do TSI conheceu o recurso em tribunal colectivo.

   O Tribunal Colectivo indicou em primeiro lugar que, não obstante que as partes tivessem celebrado o casamento no Interior da China, e que fosse aplicável a lei do Interior da China ao regime de bens deles, o que se discute no caso vertente é a validade do contrato de doação. O contrato de doação foi celebrado em Macau, relativamente a um bem imóvel situado em Macau, na altura em que ambas as partes já eram residentes permanentes de Macau, pelo que é a ordem jurídica de Macau a única que se encontra em contacto com a situação no presente caso.

   Mesmo que assim se não entenda, as normas que disciplinam a doação entre casados são aplicáveis a todos os regimes de bens do casamento e não são estabelecidas para determinado regime de bens, constituindo-se normas gerais, pelo que devem ser subsumíveis à previsão do art.º 50.º, n.º 1 do Código Civil, segundo o qual, conjugado com o n.º 3 do art.º 30.º, deve-se aplicar no presente caso a lei da residência habitual comum dos cônjuges (ou seja a lei de Macau).

   O bem imóvel envolvido no presente caso é bem comum dos cônjuges, e ao contrário do que se verifica na compropriedade geral, traduz-se numa comunhão sem quotas. Os cônjuges, na constância do matrimónio, possuem apenas uma quota ideal dos bens comuns, e está lhes impedida a livre disposição dos bens. Entendeu o Tribunal Colectivo que, antes da dissolução do casamento ou da separação de bens, a meação nos bens comuns não é susceptível de ser adquirida por outro consorte, razão pela qual o contrato de doação em causa incorre no vício de impossibilidade legal, e ao abrigo do disposto no n.º 1 do art.º 273.º do Código Civil, deve ser nulo.

   Pelo exposto, o Tribunal Colectivo julgou procedente o recurso, revogando a sentença recorrida e declarando a nulidade do contrato de doação celebrado entre o recorrente e a recorrida.

   Cfr. o Acórdão do TSI, no Processo n.º 888/2015.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

14/06/2016