Situação Geral dos Tribunais

TSI: Verificou-se concurso real entre o “crime de rapto” e o “crime de burla” por o arguido ter alegado fraudulentamente que pagou o resgate após a prática do rapto

O arguido B era colega de escola da ofendida. O arguido B juntamente com os arguidos A, C e D formaram um plano de rapto da ofendida, com o intuito de obter resgate. A seguir, um dia, depois da refeição, o arguido B acompanhou a ofendida no caminho para casa. Naquele momento, o arguido B comunicou aos demais arguidos para agirem, no sentido de empurrar a ofendida para dentro dum veículo e abandonar o local em causa. Durante a viagem, o arguido C pediu um montante de MOP5.000.000,00 à ofendida. O arguido B, conforme o plano formado, ligou para o telemóvel da ofendida, discutindo fraudulentamente com o arguido C sobre o montante do resgate e reduzindo o valor para MOP3.000.000,00. Posteriormente, o arguido C, conforme o plano supracitado, disse fraudulentamente à ofendida que já recebera o resgate, bem como a libertou. Pouco depois do facto, o arguido B disse fraudulentamente à ofendida que tinha pagado o resgate, por isso, ela passara a dever-lhe a quantia de MOP3.000.000,00.

Em 15 de Outubro de 2021, o Tribunal Colectivo do Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base condenou os quatro arguidos, pela prática, em co-autoria material e na forma deliberada e consumada, de um crime de rapto, p. e p. pela alínea c) do n.º 1 do art.º 154.º do Código Penal de Macau, nas penas de 4 anos e 9 meses; 5 anos; 4 anos e 3 meses; e 4 anos de prisão efectiva, respectivamente. Ademais, os quatro arguidos não foram punidos particularmente por um crime de falsificação de notação técnica e um crime de burla de valor consideravelmente elevado que lhes foram imputados, uma vez que esses crimes foram absorvidos por um crime de rapto praticado pelos ditos arguidos.

Inconformados, o arguido A e o Ministério Público recorreram do decidido para o Tribunal de Segunda Instância.

Tendo conhecido do caso, o Tribunal Colectivo do TSI procedeu a uma apreciação sintética dos fundamentos do recurso invocados tanto pelo arguido A como pelo MP, visto que estes envolviam a questão de qualificação penal de factos. À luz dos factos assentes, os quatro arguidos, conforme o plano previamente definido, encobriram a chapa de matrícula verdadeira do veículo usado para a prática do crime, com o intuito de fugir da Polícia, sendo este um acto de falsificação e contrafacção de chapa de matrícula, pelo que, as condutas dos arguidos reuniram os requisitos objectivos da falsificação de documento prevista no art.º 244.º do Código Penal.

No que concerne ao crime de rapto, de acordo com o Tribunal Colectivo, a liberdade pessoal da ofendida foi plenamente restringida, a par disso, consumou-se o crime de rapto imputado aos quatro arguidos logo no momento em que o arguido C transmitiu à ofendida a intenção da recepção dum montante de MOP5.000.000,00 como resgate. Os quatro arguidos planearam alegar fraudulentamente que o arguido B tinha pagado o resgate, com o intuito de levar a ofendida a acreditar nessa fraude e devolver o respectivo montante ao arguido B, porém, na verdade, isto foi um método planeado pelos arguidos para a recepção do resgate, sendo igualmente um método anti-investigação deles, com o intuito de concretizar a finalidade de receber o resgate por meio de fraude, evitando os maiores riscos resultantes da detenção directa, por longo período de tempo, da ofendida como refém e do pedido de resgate feito directamente à ofendida ou à família desta. Além do mais, visando obter vantagem ilícita, os arguidos intentaram levar a ofendida a acreditar na fraude em questão e a pagar o respectivo montante ao arguido B, o que causaria dano patrimonial à ofendida. No caso sub judice, os arguidos formaram previamente um plano criminoso e agiram de acordo com o plano definido, mas, segundo os factos assentes, embora o rapto e a recepção do resgate por meio de burla praticados pelos arguidos sejam actos mutuamente relacionados, são ainda altamente independentes entre si. No primeiro acto, o dolo consiste na privação da liberdade da ofendida, e, no segundo acto, o dolo consiste na obtenção dos bens da ofendida através de burla, pelo que se verifica o concurso real entre o “crime de rapto” e o “crime de burla” praticados na forma tentada pelos arguidos.

Nos termos expostos, acordaram no Tribunal Colectivo em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido A e conceder provimento ao recurso interposto pelo MP, passando a condenar os quatro arguidos, pela prática, dos crimes de rapto, de falsificação de documento, e na forma tentada de burla de valor consideravelmente elevado, nas penas de 5 anos e 6 meses; 7 anos; 6 anos; e 5 anos e 6 meses de prisão efectiva, respectivamente.

Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 7/2022.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

19/09/2022