Situação Geral dos Tribunais

TUI uniformizou jurisprudência quanto à aplicabilidade do Código das Execuções Fiscais na RAEM após o retorno à Pátria

O Director dos Serviços de Finanças interpôs recurso para uniformização de jurisprudência após o Acórdão do Tribunal de Segunda Instância de 28 de Janeiro de 2021 proferido nos Autos de Recurso Contencioso n.º 938/2020 (doravante designado por “acórdão recorrido”), alegando que a solução aí perfilhada se encontrava em oposição a idêntica questão de direito decidida em sede do Acórdão do mesmo Tribunal de Segunda Instância, de 18 Janeiro de 2018, prolatado nos Autos de Recurso Contencioso n.º 576/2017. Segundo o Director dos Serviços de Finanças, o Tribunal Colectivo do TSI entende, no acórdão proferido no Processo n.º 576/2017, que as normas do Código das Execuções Fiscais de 1950, aplicável no seu todo antes do estabelecimento da RAEM por remissão expressa feita pelo art.º 176.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso, continuam a ser aplicadas na RAEM ao abrigo e nos termos do disposto no art.º 4.º, n.º 1, alínea 8) da Lei de Reunificação. No entanto, o acórdão recorrido entende que o dito Código das Execuções Fiscais a partir do dia 20 de Dezembro de 1999 deixou de vigorar na RAEM e que, por isso, mesmo quando se entenda que normas de legislação da RAEM remetem para esse Código é de considerar que essa remissão não é feita em bloco para todo o Código, mas apenas para determinadas normas, excluindo, em qualquer caso, as normas de natureza substantiva.

O Tribunal de Última Instância, procedendo ao julgamento ampliado do recurso, começou por reconhecer, nos termos do disposto nos artigos 161.º e 166.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, a existênciade oposição entre os supramencionados dois acórdãos, e depois conheceu do mérito do recurso.

O Tribunal Colectivo indicou que, nos presentes autos cumpre resolver a questão da vigência e aplicabilidade do Código das Execuções Fiscais (CEF) no Sistema e Ordenamento Jurídico da RAEM. Tendo em consideração o disposto nos artigos 8.º, 11.º, 18.º e 145.º, todos da Lei Básica, a “Decisão Relativa ao Tratamento das Leis Previamente Vigentes em Macau de acordo com o disposto no art.º 145.º da Lei Básica da RAEM” adoptada em 31 de Outubro de 1999 pelo Comité Permanente da Assembleia Popular Nacional da República Popular da China, e os artigos 3.º e 4.º da Lei n.º 1/1999 (Lei de Reunificação), o Tribunal Colectivo entendeu que no art.º 3.º, n.° 1 da Lei de Reunificação se estabelece o princípio geral da continuidade da vigência da legislação que anteriormente vigorava em Macau, desde que não contrária à Lei Básica da RAEM, consagrando-se, por sua vez, no artigo 4.º, n.º 4 uma excepção a este mesmo princípio geral, pois que com o aí estatuído se revogou toda a legislação portuguesa previamente vigente em Macau. O Código das Execuções Fiscais em questão deixou de vigorar em Macau a partir do dia 20 de Dezembro de 1999 dado que foi aprovado pelo Decreto n.º 38088, de 12 de Dezembro de 1950, do Governo de Portugal. No entanto, o Tribunal Colectivo apontou para a necessidade de uma análise mais cuidada no que toca à distinção entre a “vigência” e a “aplicabilidade”, pois uma norma, por motivos vários, pode “vigorar”, mas não ser “aplicável”, e também pode ser “aplicável”, sem que esteja em “vigor”. Por força do estatuído na alínea 8), do n.º 1, do art.º 4.º da Lei de Reunificação, o CEF encontra-se na situação de poder ser “aplicável” sem que esteja em “vigor”, isto é, embora revogado, e assim, já não estando em vigor, mantêm-se as suas disposições perfeitamente aplicáveis às situações nele previstas. Nas situações em que na legislação que se mantém em vigor na RAEM haja remissões para o referido CEF, este aplica-se, aliás, tal como tem sucedido com a Administração Fiscal como, em alguns casos, com os Tribunais da RAEM, pois que as “normas de remissão”, mandando aplicar outras normas (as “remitidas” contidas no mesmo ou noutro diploma legal), incorporam-nas, passando o conteúdo destas a dever-se considerar como sua parte integrante, tudo se passando como se a matéria em questão passasse a estar regulada na própria “norma de remissão”. O Tribunal Colectivo salientou, particularmente, que a expressão “termos do processo de execução fiscal” contida no art.º 176.º, n.º 1 do Código de Processo Administrativo Contencioso e no art.º 142.º, n.º 1 do Código do Procedimento Administrativo, não implica uma remissão limitada às “normas processuais” que regulam a sua tramitação, devendo, antes, entender-se como referentes ao conjunto de normas que regulam todo o processo de execução fiscal contidas no Código das Execuções Fiscais. O Tribunal Colectivo analisou ainda os “limites” consagrados no art.º 4.º, n.º 1, al. 8) da Lei de Reunificação, argumentando que estes dizem respeito à aplicabilidade transitória das normas legais que contenham remissões para a legislação portuguesa desde que não ponham em causa a soberania da República Popular da China e não violem o disposto na Lei Básica da RAEM. Em questão está apenas a aplicação transitória e, por “remissão”, do CEF na RAEM, em sede de processos de execução fiscal, atento o conceito de “soberania” e as suas vertentes externa e interna, e ponderando o consagrado no Preâmbulo e nos artigos 1.º, 12.º, 14.º, 15.º e 102.º da Lei Básica da RAEM, o Tribunal Colectivo foi da opinião de que a aplicação do dito CEF não se apresenta incompatível com a soberania da República Popular da China ou com o estatuído na Lei Básica da RAEM, e que seria antes o vazio legislativo que existiria no caso de se ter como inaplicável o CEF que se apresentaria como incompatível com a estabilidade social e desenvolvimento económico da RAEM. Por último, quanto ao entendimento do acórdão recorrido no sentido da inaplicabilidade do art.º 297.º do CEF que, atenta a qualidade dos dois recorridos como administradores da companhia executada originária, viabilizava a sua “responsabilização subsidiária”, o Tribunal Colectivo frisou que, o referido preceito prevê tão só a figura da “reversão fiscal” que constitui um mecanismo exclusivo da execução fiscal que se traduz numa modificação subjectiva da instância, pelo chamamento de terceiros, a fim de ocupar a posição passiva (os responsáveis subsidiários legalmente indicados por dívidas tributárias do devedor originário), que não são os devedores originários que figuram no título executivo. Não se vislumbrando motivos para que a requerida “reversão”, pelo ora recorrente, contra os dois recorridos não prossiga e siga os seus normais termos, o Tribunal Colectivo decidiu conceder provimento ao recurso, revogando o acórdão recorrido, julgando, consequentemente, improcedente a oposição à execução dos recorridos; bem como, uniformizar jurisprudência no seguinte sentido:

“Por força do art.º 4.º, n.º 4 da Lei de Reunificação – Lei n.º 1/1999 – o Código das Execuções Fiscais aprovado pelo Decreto n.º 38088 de 12.12.1950 deixou de vigorar na Região Administrativa Especial de Macau a partir do dia 20 de Dezembro de 1999.

Porém, em conformidade com o estatuído no aludido art.º 4.º, n.º 1, al. 8) da referida Lei de Reunificação, as normas do dito Código das Execuções Fiscais podem, transitoriamente, continuar a ser aplicadas na Região Administrativa Especial de Macau”.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, proferido no processo n.º 50/2021.

Nos termos do artigo 167.º, n.º 4, do Código de Processo Administrativo Contencioso, a referida decisão de uniformização de jurisprudência vai ser publicada no Boletim Oficial da RAEM, I Série, de 17 de Outubro de 2022.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

16/10/2022