Situação Geral dos Tribunais

TSI: É necessário analisar também as circunstâncias concretas do caso para concluir se o “trabalho experimental” constitui o crime de emprego

A era dono dum cabeleireiro em Macau. Em 1 de Março de 2019, um residente do Interior da China, B, por informações dadas por amigo, tomou conhecimento de que o cabeleireiro de A andava a contratar estilista de cabelo, pelo que, em 8 de Março, à tarde, B entrou em Macau pelo Posto Fronteiriço das Portas do Cerco e dirigiu-se ao aludido cabeleireiro para se candidatar ao sobredito emprego. No momento da candidatura, a pedido de A, B fez o corte do cabelo duma cliente como “trabalho experimental”. A seguir, os inspectores da Direcção dos Serviços para os Assuntos Laborais, ao fiscalizar o referido cabeleireiro, detectaram que A tinha contratado B, ora residente do Interior da China que não era titular de algum dos documentos exigidos por lei para ser admitido como trabalhador em Macau, para trabalhar no cabeleireiro em causa. Deste modo, A foi acusado da prática de um “crime de emprego”, p. e p. pelo art.º 16.º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004. Após o julgamento, o Tribunal Judicial de Base absolveu A do crime que lhe foi imputado. Inconformado, o Ministério Público recorreu para o Tribunal de Segunda Instância da sentença que, no seu entendimento, padecia do vício de erro na interpretação e aplicação da lei.

O TSI conheceu do caso. De acordo com o Tribunal Colectivo, o art.º 16.º da Lei n.º 6/2004 proíbe a contratação de indivíduo que não seja titular de algum dos documentos exigidos por lei para ser admitido como trabalhador em Macau. A alegada “contratação” consiste na constituição da relação de trabalho com indivíduo que não seja titular de algum dos documentos exigidos por lei para ser admitido como trabalhador, incluindo a relação de trabalho relativa a “trabalho a tempo inteiro” ou contratação definitiva, e a relação de trabalho relativamente estável que é constituída pelo alegado “trabalho experimental” e “período experimental”. O n.º 2 do art.º 16.º da Lei n.º 6/2004 salienta que se presume existir relação de trabalho com o empregador sempre que um indivíduo é encontrado em obras de construção civil a praticar actos materiais de execução das mesmas. Tal presunção jurídica apenas é aplicável a casos relativos ao sector de construção civil. Todavia, o “trabalho a tempo inteiro”, o “trabalho experimental” e o “período experimental” são expressões usuais na linguagem corrente dos respectivos sectores, não tendo definições jurídicas precisas. Então, é necessário analisar também as circunstâncias concretas do caso para concluir se o “trabalho a tempo inteiro”, o “trabalho experimental” ou o “período experimental” constitui o “crime de emprego” previsto na lei. Consideram-se elementos constitutivos do “crime de emprego”: objectivamente, o autor constitui relação de trabalho com qualquer indivíduo que não seja titular de algum dos documentos exigidos por lei para ser admitido como trabalhador; e, subjectivamente, o autor continua a constituir relação de trabalho com o contratado mesmo que tenha conhecimento de que o mesmo não possui qualidade para ser admitido como trabalhador legal em Macau.

No caso sub judice, o facto ocorreu num cabeleireiro e não em obras de construção civil previsto no n.º 2 do art.º 16.º da Lei n.º 6/2004. A verificou o nível da técnica especializada de B por meio de “trabalho experimental”, sendo esta uma prática geral do sector em causa. A e B não chegaram a nenhum acordo em relação às condições de trabalho e, especialmente, à remuneração, a par disso, B também não auferiu nenhuma remuneração pelo “trabalho experimental” prestado (fez o corte do cabelo duma cliente). Nesta conformidade, objectivamente, entre A e B não existe a relação de trabalho prevista no n.º 1 do art.º 16.º da Lei n.º 6/2004. Além disso, subjectivamente, A sabia que B entrou em Macau através de documento de viagem e não era titular do Título de identificação de trabalhador não residente. Antes da ocorrência do facto, A apresentou à DSAL o pedido de contratação de trabalhadores não residentes, a par disso, os trabalhadores da agência mediadora de emprego disseram-lhe que, em primeiro lugar, A deveria procurar estilista de cabelo adequado e as formalidades do pedido seriam tratadas pela agência. Daí se vislumbra que A não constituiu a relação de trabalho com B tendo conhecimento de que o mesmo não possuía qualidade para ser admitido como trabalhador legal em Macau. Ademais, à luz dos factos assentes no caso, não há outros elementos que revelem que, antes da ocorrência do facto, B já trabalhava no cabeleireiro de A; e, não há prova que demonstre que, por meio de “trabalho experimental”, A contratou B que não possuía qualidade para ser admitido como trabalhador legal, com o intuito de contornar o respectivo preceito legal.

Face ao expendido, acordaram no Tribunal Colectivo em negar provimento ao recurso interposto pelo MP, mantendo-se a sentença a quo.

Cfr. Acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância no processo n.º 534/2021.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

23/11/2022