Situação Geral dos Tribunais

Suspeita de prostituição que faltou à obediência devida a ordem legítima na investigação incorreu no crime de desobediência

        Em 24 de Novembro de 2012, numa operação de combate à prostituição, os guardas da Polícia de Segurança Pública descobriram que a arguida andava a vaguear pela zona circundante. Suspeitando que ela se dedicava à actividade de prostituição, levaram-na ao posto policial para efeitos de investigação. No posto policial, os guardas policiais informaram a arguida do motivo da investigação e, depois, solicitaram-lhe que, com observância das disposições do Corpo de Polícia de Segurança Pública, preenchesse a Declaração de Identidade e fosse sujeita ao processo de recolha de impressões digitais, para efeitos de identificação, indicando-lhe ainda que, após os respectivos processos, era necessário tirarem-lhe fotografias para arquivamento, solicitações essas que foram todas recusadas pela arguida. A seguir, os guardas mostraram e explicaram à mesma o disposto no art.º 233.º (Identificação de suspeito e pedido de informações) do Código de Processo Penal, mas a arguida recusou-se firmemente a colaborar. Depois disso, os guardas voltaram a convidar a arguida a preencher a Declaração de Identidade e ser sujeita à recolha de impressões digitais, demonstrando-lhe, ao mesmo tempo, a previsão do art.º 312.º (Desobediência) do Código Penal, e advertindo que no caso de recusar o preenchimento da Declaração de Identidade e a recolha de impressões digitais, incorreria no crime de desobediência estatuído no art.º 312.º do Código Penal. No entanto, tendo sabido disso, a arguido continuava a recusar-se a colaborar e não respondeu às perguntas levantadas pela polícia. Logo, o pessoal policial emitiu ordem de detenção verbal para deter a arguida em flagrante delito.

        O Tribunal Judicial de Base condenou a arguida pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de desobediência previsto e punível pelo art.º 312.º, n.º 1, al. b) do Código Penal de Macau, na pena de três meses de prisão, suspensa na sua execução por um ano. Inconformada com a decisão, a arguida veio dela recorrer para o Tribunal de Segunda Instância, defendendo que a sua conduta não preenchia o requisito objectivo da constituição do crime a que se refere o art.º 312.º do Código Penal, uma vez que a autoridade policial não podia proceder à identificação da recorrente com fundamento no exercício do direito de identificação que lhe foi conferido pelo art.º 233.º do Código de Processo Penal, pelo facto de, em termos de natureza, a prostituição prevista no art.º 35.º da Lei n.º 6/97/M ser apenas uma infracção administrativa, e não contravenção. Em resumo, a desobediência a essa ordem não implica o preenchimento dos elementos constitutivos do crime de desobediência.

        No entender do Tribunal de Segunda Instância, a recorrente foi acusada e condenada pelo crime estipulado no art.º 312.º, n.º 1, al. b) do Código Penal, isto é, na ausência de disposição legal, a autoridade ou o funcionário fizerem a correspondente cominação, mas sempre faltou à obediência devida à respectiva ordem legítima. A questão reside em saber se a autoridade emitiu uma “ordem legítima” e se fez a “correspondente cominação”. Com efeito, para julgar se uma ordem é legítima, a consideração mais importante passa por analisar se o emissor da ordem terá ou não competência para tal, e se o teor da ordem, na sua essência, estará conforme ou não ao princípio da legalidade. No presente processo, a recorrente foi interceptada pela polícia por ser suspeita de se dedicar à actividade de prostituição. Nos termos do art.º 35.º da Lei n.º 6/97/M, a sua conduta já constitui uma infracção. Independentemente de esta infracção ser de natureza administrativa ou contravencional, a ordem emanada da polícia é evidentemente legítima. Quer do ponto de vista da competência para dar a ordem, quer na perspectiva da natureza da ordem emitida, a Polícia de Segurança Pública, enquanto entidade executora da disposição do art.º 35.º da Lei n.º 6/97/M, tem a legitimidade necessária. Além disso, a identificação de um indivíduo suspeito de se dedicar à prostituição é um processo necessário, normal e totalmente legal. Portanto, a desobediência da recorrente à dita ordem legítima integra, manifestamente, a prática do crime de desobediência, pela qual foi condenada em 1ª instância. Assim, é infundado o pedido de absolvição do crime em questão deduzido pela recorrente, devendo, assim, ser indeferido.

        O Tribunal Colectivo negou provimento ao recurso interposto pela recorrente.

        Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, processo n.º 239/2013.

  

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

03/03/2014