Situação Geral dos Tribunais

Excesso Óbvio da Quantidade para Consumo Pessoal e Condenação pela Prática do Crime de Tráfico de Estupefacientes

      A 13 de Novembro de 2012, foi interceptado por guardas da Polícia de Segurança Pública o táxi que transportava o arguido A, tendo, na altura, sido encontrados na sua posse 176 pacotes e 15 frascos contendo diferentes tipos de estupefacientes, respectivamente de peso líquido total de 99,039 gramas e de volume total de 175ml. Os estupefacientes acima referidos foram todos adquiridos pelo arguido A junto de um indivíduo de identidade desconhecida. O arguido adquiriu e deteve os estupefacientes com o fim de destinar uma pequena parte para o consumo pessoal, e fornecer e vender a restante parte a outrem.

      O Colectivo do Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base condenou o arguido A pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas previsto e punível pela Lei n.º 17/2009, na pena de 8 anos e 5 meses de prisão, e de um crime de consumo ilícito de estupefacientes e de substâncias psicotrópicas, na pena de 2 meses de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de 8 anos e 6 meses de prisão efectiva.

      Inconformado, o arguido A interpôs recurso, invocando, em síntese, os fundamentos seguintes: o acórdão recorrido limitou-se a apontar genericamente que o recorrente tinha pretendido vender e fornecer a outrem a maior parte dos estupefacientes apreendidos nos autos, e destinar uma pequena parte para o consumo pessoal, sem discriminar com clareza entre a quantidade destinada ao consumo próprio do recorrente e a quantidade a fornecer a outrem. A jurisprudência de Macau entende que no caso de o agente ser simultaneamente fornecedor e consumidor de estupefacientes, é obrigatória a discriminação supracitada, sob pena de reenvio do processo para novo julgamento. Os factos dados por assentes apenas comprovaram que o próprio recorrente era consumidor de estupefacientes e que tinha consumido estupefacientes com seus amigos, não conseguindo provar que o recorrente era traficante de estupefacientes. Não se pode concluir que o recorrente pretendeu vender e fornecer a outrem a maior parte dos estupefacientes com base exclusiva na quantidade de estupefacientes detidos pelo recorrente. Obviamente, não foram fundamentadas as partes de “juízo dos factos” e “motivos e medida concreta” do acórdão recorrido, que era ilógico e contrariou as regras de experiência comum, pelo que verificou-se o erro notório na apreciação da prova. Além disso, revelou-se manifestamente excessiva a condenação do recorrente na pena de 8 anos e 5 meses de prisão efectiva feita pelo acórdão recorrido, que deve ser revogado e substituído por uma justa decisão que condenaria o recorrente numa pena inferior a 3 anos de prisão, suspensa na sua execução.

      Entendeu o Colectivo do Tribunal da Segunda Instância que, tal como é referido nos diversos acórdãos do Tribunal de Última Instância e do TSI, citados pelo recorrente, se não pode determinar as quantidades dos estupefacientes detidos pelo recorrente destinadas respectivamente ao seu consumo pessoal e à cedência a outrem, o tribunal tem de proceder ao apuramento oficioso, sob pena de incorrer no vício de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada ou fazer uma decisão relativamente favorável ao arguido consoante o caso. Nas recentes sentenças, temos entendido que sempre que a quantidade de estupefacientes detidos pelo arguido, reduzida duma máxima quantidade de 49,90% para o consumo pessoal, seja suficiente para condenar o arguido pela prática do crime de tráfico de estupefacientes previsto pelo art.º 8.º, são correctas as sentenças. In casu, dos factos dados por assentes pelo tribunal a quo, é fácil verificar que tais factos permitem completamente uma aplicação da lei adequada, por incluir não só elementos constitutivos objectivos – detenção ilícita de uma grande quantidade de estupefacientes que, reduzida duma máxima quantidade de 49,90% para o consumo pessoal, ainda excede largamente cinco vezes a quantidade de referência de uso diário prevista pelo mapa mencionado no art.º 11.º; mas também elementos constitutivos subjectivos – conhecimento perfeito das características e natureza dos estupefacientes, e a prática dolosa das condutas sabendo bem que tais condutas são proibidas por lei. Destes factos provados também não é difícil concluir pela correcção da qualificação jurídica realizada pelo tribunal a quo. Daí resulta que são suficientes os factos dados por assentes pelo tribunal a quo, e não se verifica o vício de insuficiência para a aplicação da lei, alegado pelo recorrente.

      Após análise sintética de todas as provas na audiência de julgamento, o tribunal a quo reconheceu o facto de o arguido destinar uma pequena parte dos estupefacientes detidos por si para o consumo pessoal, e vender e ceder a outrem a parte restante. Mesmo que isso não seja a verdade, não pode ser posto em causa salvo se houver erro notório, por se tratar de um direito atribuído ao julgador pela lei. Por não se ter verificado o erro notório do tribunal a quo na apreciação da prova, não pode o tribunal de recurso substituir a convicção do tribunal a quo pela sua própria convicção.

      Em relação à medida da pena, atendendo ao grau de ilicitude da detenção ilícita de tantas espécies e quantidades de estupefacientes pelo recorrente, bem como a todas as circunstâncias do caso, a aplicação duma pena de 8 anos e 5 meses de prisão revelou-se adequada para a moldura penal de 3 a 15 anos, e não deve ser posta em causa.

      O Colectivo do TSI julgou improcedente o recurso interposto pelo recorrente.

      Cfr. o Acórdão no Processo n.º 32/2014 do TSI.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

30 de Abril de 2014