Situação Geral dos Tribunais

Trabalhador em regime de acumulação não tem direito a descanso anual pago

     A Trabalhadora B (residente de Macau) foi contratada como bilheteira em regime de acumulação pela Companhia A entre 4 de Dezembro de 2003 e 24 de Março de 2012, auferindo uma remuneração no valor de MOP 20,00 por hora. No período em que prestou serviço na referida companhia, a B trabalhava 2 a 7,5 horas nos dias de trabalho e prestava normalmente 4,75 a 5,5 horas de serviço por dia. Além de trabalhar para a Companhia A, a B tinha ainda outro trabalho. Durante o tempo de serviço da B na empresa, a Companhia A nunca lhe deu descanso anual pago, nem lhe pagou qualquer compensação por descanso anual. A B desligou-se da empresa por vontade própria. A Companhia A já cessou a relação laboral com a B, mas, até à presente, não lhe pagou a compensação por descanso anual relativa ao período de trabalho da B na empresa, razão pela qual o Ministério Público deduziu acusação contra a Companhia A com processo de contravenção laboral.

     A decisão do Tribunal Judicial de Base: a) Condena a arguida companhia A, pela prática duma contravenção pelos art. 21.º do D.L. n.º 24/89/M, art. 46.º e art. 75.º da Lei n.º 7/2008 《Lei das relações de trabalho》 e punidas pelo art. 85.º, n.º 3, al. 4 do mesmo diploma, na pena de MOP$6.200 de multa; b) Condena a arguida no pagamento à trabalhadora B duma indemnização relativa a descanso anual de MOP$16.769,80, com os juros legais.

     A Companhia A interpôs recurso junto do Tribunal de Segunda Instância, alegando que o direito a descanso anual não se aplica aos trabalhadores em regime de acumulação e pedindo em particular que seja absolvida do delito de que foi acusada. Para além da revogação da decisão condenatória do Tribunal a quo referente à contravenção laboral, a recorrente pediu ainda que seja revogada a decisão relativa à indemnização.

     No acórdão proferido, disse o Tribunal de Segunda Instância: Em princípio, de acordo com o nº 2 do artigo 390º do Código de Processo Penal, o recurso da parte da sentença relativa à indemnização civil não é admissível caso o valor de indemnização fixado pelo tribunal a quo não seja superior a metade da alçada do tribunal recorrido (neste momento é cinquenta mil patacas). O tribunal de recurso pode, no entanto, revogar a decisão na parte da indemnização civil que pressupõe a existência de contravenção laboral caso seja julgado procedente o recurso contra a parte da decisão relativa à contravenção laboral (o espírito legislativo do nº 3 do artigo 393º do Código de Processo Penal). Assim, torna-se necessário apreciar primeiramente o fundamento principal invocado pela recorrente no seu recurso – um trabalhador em regime de acumulação tem direito a descanso anual pago?

     Entendimento do Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância: Segundo os factos dados como provados pelo Tribunal a quo, a B foi contratada como bilheteira, em regime de acumulação, pela recorrente entre 4 de Dezembro de 2003 e 24 de Março de 2012. Durante este período, a B tinha outro trabalho, para além de trabalhar para a recorrente. De tal facto podemos ver que a relação de trabalho entre a trabalhadora e a recorrente foi estabelecida na vigência do Decreto-Lei nº 24/89/M, de 3 de Abril (adiante designado por lei das relações laborais antiga) e continuada depois da entrada em vigor da Lei nº 7/2008, de 18 de Agosto (adiante designado por lei das relações laborais nova). Ambas as leis não dizem expressamente que os respectivos regimes jurídicos de relações laborais não se aplicam aos trabalhadores locais que prestem trabalho em regime de acumulação (cfr. o artigo 3º da lei antiga e o artigo 3º, nºs 1 e 2 da lei nova). Embora que o artigo 3º, nº 3, al. 3) da lei nova disponha que é regulado por legislação especial o trabalho a tempo parcial, isto não quer dizer que os termos gerais da nova lei não se podem ser aplicados na relação de trabalho a tempo parcial, porquanto, tanto o nº 1 do artigo 48º da nova lei como o nº 1 do artigo 23º da lei antiga falam das actividades exercidas cumulativamente.

     O nº 1 do artigo 23º da lei antiga e o nº 1 do artigo 48º da nova lei constituem elementos essenciais para apreciar o presente caso. Através destes artigos, ambas as leis regulam substancialmente que durante o período de descanso anual pago, o trabalhador não pode exercer qualquer outra actividade por que aufira salário, salvo se já a viesse exercendo cumulativamente ou se o empregador o autorizar a isso. Das disposições do nº 1 do artigo 23º da lei antiga e do nº 1 do artigo 48º da nova lei, verifica-se que o descanso anual pago é um direito conferido aos trabalhadores a tempo inteiro (não a tempo parcial). Daí se pode concluir que, sendo a empregada a tempo parcial da recorrente, a trabalhadora desta causa não tem direito a pedir à mesma o descanso anual pago.

     Nos termos expostos, o Tribunal de Segunda Instância deu provimento ao recurso interposto pela arguida companhia A, anulando a decisão recorrida, absolvendo-a da prática duma contravenção laboral que lhe foi imputada e determinando que a arguida não precisa de pagar à B compensação por descanso anual pago e respectivos juros.

     Cfr. o acórdão proferido no processo nº 534/2013 do Tribunal de Segunda Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

22/08/2014