Situação Geral dos Tribunais

Perdeu o Apoio Judiciário devido aos problemas em comunicação, intentou acção perante o Tribunal que a veio julgar procedente

      Em 14 de Janeiro de 2014, o recorrente pediu o apoio judiciário à Comissão de Apoio Judiciário (adiante designada por recorrida), com o objectivo de requerer ao Juízo de Instrução Criminal a abertura de instrução contra a manutenção de arquivamento de um processo de inquérito por parte do Ministério Público. Por o recorrente reunir as condições para obter o apoio judiciário, em 28 de Janeiro de 2014, a recorrida deliberou deferir o pedido do recorrente de isenção de preparos e custas, e de nomeação de patrono e pagamento de patrocínio judiciário, nomeando, ao mesmo tempo, o advogado A, de nacionalidade portuguesa, como seu patrono.

      Em 4 de Março de 2014, o advogado A enviou carta à recorrida, alegando que o recorrente recusou entregar qualquer prova que alegadamente controlou, pelo que não podia requerer a abertura de instrução, e apresentou o requerimento de escusa. Em 4 de Março de 2014, a recorrida deferiu este pedido de escusa.

      Em 7 de Março de 2014, a recorrida ouviu o parecer do recorrente sobre a eventual revogação do apoio judiciário concedido, e o recorrente disse que o advogado A tinha lhe exigido a entrega das provas, e ele afirmou ao advogado que as respectivas provas podiam ser destruídas após a exposição, pelo que iria prestá-las ao Delegado do Procurador após a reabertura do processo de inquérito em causa, mas o advogado não manifestou qualquer oposição, nem advertiu claramente o recorrente de que não pudesse requerer a abertura de instrução sem prestar as provas. Posteriormente, o advogado também não contactou com o recorrente para explicar as situações ou pediu escusa à recorrida o mais cedo possível, razão pela qual o recorrente suspeitou o advogado de ser subornado. Em 11 de Março de 2014, a recorrida reapreciou o respectivo requerimento de apoio judiciário, e revogou a decisão da concessão de apoio judiciário ao recorrente.

      Inconformado, o recorrente interpôs, em 19 de Março de 2014, recurso contencioso para o Tribunal Judicial de Base. Em 2 de Abril de 2014, a recorrida teve de novo um encontro com o recorrente, dizendo-lhe que se estivesse disposto a prestar as provas ao seu alcance, a recorrida iria alterar a decisão de revogação da concessão de apoio judiciário, e o advogado A continuaria a acompanhar o requerimento da abertura de instrução. Todavia, o recorrente alegou que o advogado A não lhe tinha explicado que não podia requerer a abertura de instrução sem provas, só pediu escusa à recorrida até perto do término do prazo de requerimento da instrução, mas não comunicou com o recorrente durante o período, portanto, quer pelo erro resultante da tradução, quer pela suspeita que o recorrente tinha da deontologia profissional do advogado em questão, o recorrente já não podia estabelecer confiança com o advogado A, e não iria prestar-lhe as provas, esperando, ao mesmo tempo, que a Comissão o substituísse e nomeasse um novo advogado que conhecia o chinês, para evitar qualquer problema em comunicação, e assim, o recorrente iria cooperar com este advogado e prestar as provas ao seu alcance. Em 8 de Abril de 2014, a recorrida deliberou manter a decisão de revogação da concessão de apoio judiciário ao recorrente.

      O juiz do Tribunal Judicial de Base entendeu que a questão chave no caso vertente é se o recorrente, na verdade, “não prestar ao patrono nomeado as informações ou a colaboração imprescindíveis para a propositura do processo judicial”? Se a resposta for afirmativa, é de saber se resultará na revogação do apoio judiciário já concedido ao recorrente?

      O juiz entendeu que quanto à expressão de “não prestar ao patrono nomeado as informações ou a colaboração imprescindíveis para a propositura do processo judicial”, só quando se verifica a culpa subjectiva (dolo ou negligência grave) do beneficiário de apoio judiciário ou o beneficiário não presta as informações ou a colaboração sem justa causa, é que o beneficiário pode ser censurado por tal “omissão”, e assume a consequência de revogação de apoio judiciário concedido. Se o beneficiário não presta ao mandatário judicial as informações ou a colaboração com fundamento em causa justa e ainda fica revogado o apoio judiciário, constituem-se, assim, a imputação objectiva, e em consequência, o esvaziamento do sentido da concessão de apoio judiciário. Entendeu o juiz que o recorrente não recusou prestar à recorrida ou ao patrono as respectivas provas desde o início, só que o recorrente não podia ter confiança no advogado A, pelo que não esteve disposto e recusou prestar a este advogado as provas alegadamente relevantes e sensíveis (a desconfiança decorre da possibilidade do “mal-entendimento na comunicação”). Por isso, o Tribunal entendeu que, de acordo com as circunstâncias concretas provadas, o recorrente não estava disposto e não prestou oportunamente ao advogado A as provas ou a colaboração imprescindíveis para o requerimento de instrução com fundamento em causa justa, não se encontrando, subjectivamente, numa situação em que não o fez com dolo ou por negligência grave, sem causa justa. Além disso, neste caso concreto, o recorrente tem razões suficientes para exigir a substituição do advogado e a nomeação de um mandatário judicial que conheça o chinês, considerando designadamente que a actual desconfiança no seu patrono anterior foi provocada pelos problemas ou mal-entendimento na comunicação (ou tradução), e isso também é o ponto chave e o único vício no caso vertente, senão quase não há razão para ilidir a decisão de revogar o apoio judiciário, feita pela recorrida.

      Nos termos acima expendidos, o Tribunal Judicial de Base julgou procedente o recurso contencioso do recorrente, revogou a decisão feita pela recorrida em 11 de Março de 2014 no sentido de revogar o apoio judiciário concedido ao recorrente, e manteve a respectiva concessão de apoio judiciário, mas deve a recorrida, conforme esta sentença, nomear um outro mandatário judicial adequado para o recorrente.

      Cfr. Sentença do Tribunal Judicial de Base, processo n.º CV1-14-0031-CRJ.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

17 de Outubro de 2014