Situação Geral dos Tribunais

Constituem critérios para determinação do domicílio permanente o centro da vida doméstica e a intenção de permanecer definitivamente

        O recorrido, titular do passaporte irlandês, obteve o estatuto de residente temporário em Macau, ao abrigo do regime de fixação de residência temporária de investidores, quadros dirigentes e técnicos especializados. Em 12 de Dezembro de 2011, o recorrido recebeu a notificação do Serviço de Migração do Corpo de Polícia de Segurança Pública, informando do tratamento das formalidades relativas ao seu documento de identificação da RAEM, na Direcção dos Serviços de Identificação (doravante, designada por DSI), a partir de 15 de Setembro de 2012, data em que o ora recorrente completa 7 anos consecutivos de residência em Macau. Com base nisso, em 8 de Outubro de 2012, o recorrido requereu perante a DSI a emissão do Bilhete de Identidade de Residente Permanente e no mesmo dia prestou a “Declaração em como tem o seu domicílio permanente em Macau”, nos termos do artigo 8.º da Lei n.º 8/1999. Em 10 de Outubro de 2012, o recorrido apresentou à DSI declaração escrita sobre a situação de residência dos seusfamiliares próximos.Afirmou o recorrido que se encontrava separado de facto do seu cônjuge desde 2004, e que o seu cônjuge e a sua filha, que desde sempreviviam na Irlanda, não residiam em Macau nem tinham planos para requerer autorização deresidência em Macau.

        Pelo facto de os familiares próximos (cônjuge e filha) do recorrido não terem residência habitual em Macau, a DSI entendeu não estarem satisfeitos os requisitos previstos no artigo 8.º da Lei n.º 8/1999, pelo que decidiu em 15 de Outubro de 2012 pela não aceitação da “Declaração em como tem o seu domicílio permanente em Macau” prestada pelo recorrido. No dia 23 de Novembro de 2012, o recorrido interpôs recurso hierárquico necessário para a Senhora Secretária para a Administração e Justiça, tendo esta negado provimento ao seu recurso hierárquico por despacho datado de 9 de Janeiro de 2013.

        Em 14 de Fevereiro de 2013, do despacho da ora recorrente que negou provimento ao seu recurso hierárquico, o recorrido interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância, que, por acórdão de 10 de Outubro de 2013, julgou procedente o recurso contencioso, anulando, consequentemente, o acto administrativo posto em crise.

        Inconformada com o assim decidido, a recorrente interpôs recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância (adiante, TUI).

        Conforme entendeu o Tribunal Colectivo do TUI, o conceito de domicílio permanente referido na Lei Básica aponta para a ideia de domicílio definitivo. Pese embora a Comissão Preparatória da RAEM, para efeitos de aplicação do artigo 24.º da Lei Básica, tenha aprovado um parecer, em 16 de Janeiro de 1999 (publicado no Boletim Oficial, I Série, de 20 de Dezembro de 1999), referindo que as disposições relativas ao domicílio permanente em Macau e à residência habitual em Macau são regulamentadas pela RAEM quanto à sua execução na RAEM, o certo é que a lei não esclarece o que entende por domicílio permanente ou definitivo em Macau.

        Na óptica do TUI, para os efeitos da alínea 9) do n.º 1 do artigo 1.º da Lei n.º 8/1999, deve considerar-se que tem domicílio permanente ou definitivo em Macau quem, além de residir habitualmente em Macau, tem aqui centrada a sua economia doméstica, (quem tem em Macau o centro da sua vida profissional e familiar ou, quem não exercendo profissão em Macau, possui meios de subsistência estáveis), quem paga os seus impostos em Macau, com intenção de aqui permanecer definitivamente.

        Tendo como pano de fundo o disposto no artigo 1.º, n.º 1, alínea 9) da Lei n.º 8/1999, o domicílio permanente aludido na conclusão supracitada traduz-se num conceito indeterminado: Relativamente à parte do conceito que se refere ao centro da vida doméstica, não se confere à Administração nenhuma margem de discricionariedade. Já quanto a saber se o interessado tem intenção de permanecer definitivamente em Macau, parece haver uma intenção de conferir à Administração uma margem de livre apreciação, por estar em causa um juízo de prognose, fundamentalmente, mas não exclusivamente, com suporte nos elementos mencionados no artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 8/1999.

        Ao abrigo da Lei sobre Residente Permanente e Direito de Residência da RAEM, o requerente deve, em primeiro lugar, prestar “Declaração em como tem o domicílio permanente em Macau”, e depois, apresentar documentos comprovativos concernentes, a saber: a prova de que Macau é local da sua residência habitual; a prova de que Macau é local de residência habitual de familiares próximos; a prova da existência de meios de subsistência estáveis ou do exercício de profissão em Macau; e a prova do pagamento de imposto nos termos da lei.

        Relativamente a um indivíduo casado, separado de facto, a circunstância de o seu cônjuge e filhos menores não residirem em Macau, não obsta a que ele tenha domicílio permanente em Macau, desde que ele, além de residir habitualmente em Macau, tenha aqui centrada a sua economia doméstica, tenha em Macau o centro da sua vida profissional e familiar (ou, não exercendo profissão em Macau, possua meios de subsistência estáveis), pague os seus impostos em Macau, com intenção de aqui permanecer definitivamente.

        Já na parte em que se trata de apurar se o interessado tem intenção de permanecer definitivamente em Macau, o legislador conferiu à Administração uma margem de livre apreciação. Assim, só fundamentando a Administração, com base em factos concretos, que o recorrido não teria intenção de permanecer definitivamente em Macau, fundamentalmente, mas não exclusivamente, com suporte nos elementos mencionados no artigo 8.º, n.º 2, da Lei n.º 8/1999, poderia ter sido indeferido o requerimento (sempre sujeito à sindicância do Tribunal quando se configure erro manifesto ou manifesta desrazoabilidade na utilização da margem de livre apreciação), o que não foi o caso.

        O acto recorrido violou o disposto nos artigos 8.º, n.º 2, alínea 2) e 1.º, alínea 9) da Lei n.º 8/1999 e 24.º, alínea 5) da Lei Básica ao negar o estatuto de residente permanente ao ora recorrido por este estar separado de facto e o cônjuge e filha menor não residirem em Macau.

        Nesta conformidade, entendeu o Tribunal Colectivo do TUI que o acórdão recorrido fez correcta aplicação da lei, não merecendo censura, razão pela qual negou provimento ao recurso jurisdicional.

        Cfr. Acórdão do TUI, processo n.º 21/2014.

  

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

07/01/2015