Situação Geral dos Tribunais

A não desocupação de ponte-cais em caso de não renovação da licença de ocupação da mesma só pode desencadear o despejo

       Em 12 de Outubro de 1993, por trespasse, a empresa A adquiriu a licença de ocupação a título precário da Ponte N.º 25 do Porto Interior. Em seguida, a Capitania dos Portos concedeu o direito de exploração da referida ponte-cais à Parte. Desde então, a Parte tem explorado, em forma de ocupação a título precário, o aludido local, aí se encontrando atracadas embarcações e instalado um estabelecimento de venda de marisco. Em 14 de Outubro de 2010, a Parte apresentou, como normal, requerimento de renovação da licença, entretanto, tendo em conta a concretização da ideia do governo no sentido que foi com vista à construção de corredores exclusivos para autocarros entre as Portas do Cerco e a Barra que se justificava a necessidade de reservar a Ponte N.º 25 como terreno destinado à construção de vias públicas, consequentemente, no dia 5 de Julho de 2011, o Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferiu despacho, sob proposta da Capitania dos Portos, indeferindo o requerimento de renovação da licença de ocupação a título precário da Ponte N.º 25. Posteriormente, o Chefe do Executivo proferiu despacho em 13 de Março de 2012 que ordenou a desocupação, no prazo de 15 dias a partir da recepção da respectiva notificação, da Ponte N.º 25, a remoção dos bens que nela ainda permaneciam bem como a devolução do terreno ao Governo da RAEM, sem direito a indemnização.

       Inconformada, ao Tribunal de Segunda Instância a empresa A interpôs recurso contencioso de anulação do despacho do Chefe do Executivo que ordenou a desocupação da ponte-cais, mas foi negado provimento ao recurso.

       Ainda inconformada com a decisão, a empresa A recorreu para o Tribunal de Última Instância, apontando que o acórdão proferido pelo Tribunal de Segunda Instância padece de erro de julgamento consubstanciado na violação dos princípios da igualdade, proporcionalidade, justiça e razoabilidade.

       O Tribunal de Última Instância conheceu do caso. Antes de mais, no que concerne à violação do princípio da igualdade, indica o Tribunal Colectivo que só há violação do princípio da igualdade se tratar de modo desigual as situações iguais. Se as situações forem diferentes, o tratamento desigual não viola o princípio da igualdade. No caso vertente, embora as pontes-cais n.ºs 25, 26 e 29 se encontrem de um modo geral alinhadas entre si, não tem nada a ver com o espaço disponível para a faixa de rodagem. Dos factos provados se vislumbra que existem à frente de cada uma das ponte-cais, estrangulamentos diferentes subordinados a condicionantes diversas, pelo que as situações geográficas das pontes-cais n.ºs 25, 26 e 29 não são exactamente iguais. Além do mais, são desiguais as situações jurídicas da Ponte N.º 25 e das restantes, uma vez que não foi renovada a licença de ocupação da Ponte N.º 25 enquanto foram renovadas as das pontes-cais n.ºs 26 e 29. Face às situações desiguais, não se pode exigir o tratamento igual por parte da Administração.

       A par disso, no que concerne à violação dos princípios da proporcionalidade, justiça e razoabilidade, indica o Tribunal Colectivo que a ocupação a título precário dos terrenos se faz por emissão da licença, que se baseia em contrato de arrendamento que pode ser denunciado a todo o tempo por qualquer das partes e a licença de ocupação é outorgada pelo período de um ano e considera-se caducada no caso de não ser requerida a sua renovação no prazo legal. Nos termos do art.º 174º, n.º 1, al. c) da Lei de Terras, então vigente, o despejo será ordenado por despacho do Chefe do Executivo quando se verifique a não desocupação do terreno por locatário ou ocupante no momento em que devem operar-se os efeitos da denúncia do contrato locativo ou não renovação da licença de ocupação a título precário. In casu, não se renovou a licença de ocupação de ponte-cais a título precário da recorrente, por conseguinte, o Chefe do Executivo só pode emitir a ordem de despejo, não tendo qualquer margem dentro da qual possa exercer uma liberdade de decisão. Assim sendo, não é necessário falar sobre a questão da violação dos princípios da proporcionalidade, justiça e razoabilidade, todos vigentes no domínio do exercício de poderes discricionários. Ademais, mesmo que o poder exercido pelo Chefe do Executivo não seja vinculado, não se verifica a violação dos princípios da proporcionalidade, justiça e razoabilidade, já que os interesses públicos que pretende prosseguir a Administração com a prática do acto administrativo impugnado prevalecem sempre sobre os interesses particulares da recorrente, tendo em consideração a finalidade visada pela desocupação da Ponte N.º 25.

       Face ao expendido, o Tribunal Colectivo negou provimento ao recurso jurisdicional.

       Cfr. o acórdão do processo n.º 25/2014 do Tribunal de Última Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

06/03/2015