Situação Geral dos Tribunais

Uniformização de jurisprudência: O assistente não tem legitimidade para recorrer, a menos que tenha um interesse próprio na impugnação

      Do Acórdão proferido em 25 de Setembro de 2014 pelo Tribunal de Segunda Instância (adiante, TSI) no processo de recurso penal n.º 160/2014, o arguido nos mesmos autos interpôs recurso extraordinário para fixação de jurisprudência para o Tribunal de Última Instância (adiante, TUI), alegando que esta decisão judicial se encontrava em oposição, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão de direito, com o Acórdão proferido em 23 de Julho de 2014 pelo TUI nos autos de recurso penal n.º 43/2014.

      O referido Acórdão do TSI, transitado em julgado em 9 de Outubro de 2014, julgou improcedente a arguição de nulidade do Acórdão por si proferido em 31 de Julho de 2014 nos mesmos autos, que por sua vez negou provimento ao recurso do arguido e concedeu provimento parcial ao recurso interposto pela assistente, revogando a decisão de 1.ª instância que suspendeu a execução da pena de prisão aplicada ao arguido.

      Por Acórdão de 28 de Janeiro de 2015, o TUI determinou o prosseguimento do presente recurso para fixação de jurisprudência, por ter considerado preenchidos todos os pressupostos para que o TUI proferisse acórdão de uniformização de jurisprudência.

      Seguem-se os entendimentos do recorrente: 1. Deverá ser uniformizada jurisprudência nos termos do disposto no art.º 427.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, no sentido de que o assistente não poder recorrer quanto à escolha e medida da pena, a menos que demonstre, concretamente, um interesse próprio nessa impugnação; 2. Nos termos do disposto no art.º 427.º, n.º 2 do Código de Processo Penal, deverá ser revogado o Acórdão recorrido e substituído por outro que declare nulo o Acórdão proferido em 31 de Julho de 2014 por falta de legitimidade e interesse em agir da Assistente e por falta de promoção do Ministério Público ao abrigo do disposto no art.º 106.º, al. b) do Código de Processo Penal, repristinando-se a condenação penal do recorrente em 1.ª instância, ou seja, a condenação numa pena de prisão de 1 ano suspensa na sua execução por 2 anos.

      No processo n.º 160/2014 do TSI, inconformada com a decisão de 1.ª instância, tanto na parte penal como naparte civil, a assistente recorreu para o TSI, sendo que o recurso do segmento penal da decisão se restringe à pena concreta aplicada ao arguido, pretendendo a assistente a agravação da pena ou, pelo menos, a execução imediata da pena.

      No Acórdão dos autos de recurso penal n.º 43/2014 proferido em 23 de Julho de 2014, o TUI decidiu o seguinte: O assistente não pode recorrer quanto à escolha e medida da pena, a menos que demonstre, concretamente, um interesse próprio nessa impugnação, como nos casos em que o assistente tenha deduzido acusação, aderido à acusação do Ministério Público ou pretendido que a suspensão da execução da pena aplicada deve ser decretada com a condição de pagamento da indemnização.

      No Acórdão ora recorrido, o TSI decidiu em sentido oposto:Uma vez que a assistente considerou demasiado leve a pena de prisão aplicada pelo Tribunal a quo ao arguido e a execução de tal pena não devia ter sido suspensa, a decisão do Tribunal a quo neste sentido foi proferida necessariamente contra a assistente, afectando-a, tem a assistente legitimidade e interesse para recorrer quanto à medida da pena e à suspensão da execução da pena. A legitimidade e o interesse da assistente não dependem da dedução da acusação penal na anterior fase judicial ou da adesão à acusação pública deduzida pelo Ministério Público, pois tais pressupostos não são enumerados no art.º 391.º n.º 1, al. b) e n.º 2 do Código de Processo Penal.

      Verifica-se, assim, a divergência das soluções vertidas nos dois Acórdãos sobre a mesma questão de direito.

      Após o julgamento, manifestou o Colectivo do TUI o seguinte: Não se vislumbra nenhuma razão para alterar tal posição já assumida pelo TUI, reiterando-se que o direito de punir pertence ao Estado, fazendo parte do núcleo punitivo do Estado a escolha e a determinação da medida concreta da pena, cuja defesa cabe ao Ministério Público, que tem sempre legitimidade e interesse em agir para recorrer de quaisquer decisões judiciais, ainda que no exclusivo interesse do arguido (art.º 391.º n.º 1, al. a) do CPP), daí que a decisão na parte respeitante à espécie e à medida da pena não afecte, em geral, o assistente, não podendo este recorrer só para agravar a pena já aplicada ou para ver, sem mais, imediatamente executada a mesma.

      Não resulta dos autos que a assistente tenha mostrado algum interesse concreto próprio que fundamente o seu recurso, para o TSI, do segmento penal da decisão de 1.ª instância no tocante à medida da pena e à suspensão, ou não, da execução da pena, limitando-se a formular o pedido cível de indemnização, sem que tenha deduzido acusação nem aderido à acusação do Ministério Público. E a execução da pena aplicada fica suspensa com a condição de pagamento da indemnização fixada. Os pedidos formulados pela assistente em sede do recurso dirigido ao TSI revelam apenas a sua pretensão, de ver agravada a pena e imediatamente executada a mesma. Assim sendo, é de concluir que a assistente não pode interpor recurso para o TSI.

      Face ao expendido, acordaram no TUI que: A) Concedem provimento ao recurso, revogando o Acórdão recorrido, na parte impugnada, e consequentemente o Acórdão proferido pelo TSI em 31 de Julho de 2014 que conheceu do recurso interposto pela assistente, na parte penal, o que implica necessariamente a manutenção da decisão de 1.ª instância, nesta parte. B) Nos termos do art.º 427.º do Código de Processo Penal, fixam a seguinte jurisprudência, obrigatória para os tribunais: “O assistente não tem legitimidade para recorrer, quanto à espécie e medida da pena aplicada, a menos que demonstre, concretamente, um interesse próprio nessa impugnação.” C) Ordenam o cumprimento do disposto no art.º 426.º do Código de Processo Penal.

      Vide o Acórdão do TUI, processo n.º 128/2014.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

17/04/2015