Situação Geral dos Tribunais

Pena de censura aplicada a advogado, por falta injustificada de comparência a diligência instrutória de processo disciplinar

       A é um advogado inscrito na Associação dos Advogados de Macau. No processo disciplinar instaurado pelo Conselho Superior de Advocacia contra um outro advogado, A foi notificado pelo Instrutor daquele processo para comparecer no Conselho Superior de Advocacia, a fim de ser inquirido, como testemunha, no dia 19 de Maio de 2009, contudo, A ali não compareceu na data designada. O Instrutor designou, então, nova data para a inquirição de A no Conselho Superior de Advocacia, o dia 10 de Junho, pelas 11 horas, porém, A voltou a não comparecer no Conselho na hora marcada. Em 4 de Maio de 2012, o Conselho Superior da Advocacia aplicou a A a pena disciplinar de censura ao abrigo da alínea b) do n.º 1 do art.º 41º do Código Disciplinar dos Advogados. Em 6 de Dezembro de 2012, A foi notificado da punição.

       Inconformado, A interpôs recurso contencioso de anulação para o Tribunal de Segunda Instância, no dia 16 de Janeiro de 2013, invocando os seguintes fundamentos: 1) Existe erro sobre os pressupostos de facto na deliberação recorrida, uma vez que a primeira falta se deveu por esquecimento e a segunda falta se deveu por este se encontrar ocupado, pelo que ligou telefonicamente à Secretária do Conselho para transmitir ao Instrutor a sua impossibilidade de comparência, não se podendo, deste modo, concluir que o mesmo violasse o dever profissional; 2) As faltas de comparência à inquirição não constituem infracção do dever profissional, pelo que o Conselho só lhe pode aplicar multa ao abrigo do n.º 4 do art.º 530º do Código de Processo Civil; 3) Verifica-se a falta da fundamentação na deliberação recorrida; 4) A pena disciplinar de censura é excessiva e desproporcional, pelo que se deve aplicar a pena de advertência ou a pena de censura, com suspensão de execução da pena. A par disso, em 16 de Abril de 2013, já após o Conselho Superior de Advocacia ter apresentado contestação, A apresentou o requerimento, apontando que desde a prática da alegada infracção disciplinar até à notificação da punição disciplinar já decorreram 3 anos, pelo que o procedimento disciplinar está prescrito, sendo indevida a punição ao mesmo.

       O Tribunal de Segunda Instância analisou todos os fundamentos invocados por A. Em primeiro lugar, no que concerne à questão de erro sobre os pressupostos de facto, o Tribunal Colectivo indicou: Em relação à primeira falta, explicou o Recorrente que a mesma se deveu por esquecimento, ou seja, aceitou que a falta foi dada por negligência sua; No que respeita à segunda falta, a Secretária do Conselho negou peremptoriamente ter recebido a chamada telefónica do Recorrente e existe divergência entre as declarações prestadas pela testemunha apresentada pelo Recorrente no âmbito do processo disciplinar e no âmbito do recurso contencioso, pelo que o Tribunal Colectivo não apurou que o Recorrente tivesse comunicado antecipadamente, por via telefónica, a sua impossibilidade de comparência, não se verificando, portanto, erro no pressuposto de facto.

       Em segundo lugar, relativamente ao fundamento 2), apontou o Tribunal Colectivo que o Conselho Superior de Advocacia é um órgão disciplinador dos Advogados da R.A.E.M., daí que o Recorrente, como advogado, tem o dever de colaborar com o mesmo. Se todos os advogados não colaborassem com o Conselho, faltando injustificadamente às diligências instrutórias de processo disciplinar, o Conselho não conseguiria exercer o poder disciplinar legalmente conferido. O Recorrente faltou injustificadamente duas vezes à inquirição, pelo que violou os deveres profissionais previstos no n.º 1 do art.º 12º e na alínea a) do art.º 14º do Código Deontológico dos Advogados. Nesta conformidade, improcedeu-se este fundamento.

       Em terceiro lugar, face ao teor da deliberação que aplicou ao Recorrente a pena de censura e ao parecer integrante, averigua-se que o acto recorrido é muito claro, sendo suficiente para dar a conhecer o processo de avaliação feita pelo Conselho na determinação da pena concreta, pelo que deve considerar-se que foi plenamente cumprido o dever de fundamentação.

       Em quarto lugar, quanto à questão do excesso e desproporcionalidade da pena, indicou o Tribunal Colectivo que, nos termos do n.º 1 do art.º 41º do Código Disciplinar dos Advogados, aos advogados são aplicáveis as seguintes seis penas: Advertência; Censura; Multa até cem mil patacas; Suspensão de 10 a 180 dias; Suspensão de 6 meses a 5 anos; e Suspensão de 5 a 15 anos. O Recorrente faltou injustificadamente duas vezes à diligência instrutória, não confessou os factos, nem se mostrou arrependido, pois, sempre defendeu da não verificação de infracção disciplinar, pelo que não se afigura que a aplicação da pena de censura seja excessiva ou desproporcional. Além disso, a natureza do recurso contencioso é de mera legalidade dos actos administrativos e o tribunal só pode anular os actos administrativos ou declarar a sua nulidade ou inexistência jurídica, e não alterar a pena.

       Enfim, no que concerne à questão de prescrição do procedimento disciplinar, indicou o Tribunal Colectivo que o que releva para efeito de prescrição do procedimento disciplinar é a data da deliberação da pena, e não a da notificação da respectiva deliberação, pois, o procedimento extingue-se pela tomada da decisão final. As faltas de comparência do Recorrente à diligência instrutória ocorreram em 19 de Maio e 10 de Junho de 2009 e a deliberação punitiva foi proferida em 4 de Maio de 2012, não ultrapassando 3 anos.

       Pelos fundamentos acima expostos, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso contencioso.

       Inconformado, interpôs A recurso jurisdicional para o Tribunal de Última Instância, entendendo que o acórdão recorrido enferma de omissão, por não ter apreciado a questão de prescrição, bem como viola o artigo 11º do Código Disciplinar dos Advogados ao considerar que, proferida a decisão final no processo disciplinar, a prescrição suspende se for interposto recurso contencioso.

       O Tribunal de Última Instância conheceu da causa, considerando que, realmente, em 16 de Janeiro de 2013, o Recorrente, ao apresentar o requerimento de recurso, já tinha condições para invocar a questão de prescrição, no entanto, esta questão só foi suscitada em 16 de Abril de 2013, já após a entidade recorrida ter apresentado contestação, pelo que o acórdão recorrido não devia conhecer da questão de prescrição. Assim sendo, só há excesso de pronúncia, mas não omissão de pronúncia. Efectivamente, é improcedente o fundamento invocado pelo mesmo. O procedimento disciplinar extingue-se com a aplicação da pena disciplinar, mas o prazo de prescrição do procedimento disciplinar continua a correr até à formação do caso decidido. Se o procedimento disciplinar for prescrito antes da aplicação da pena disciplinar e o órgão decisor não tiver conhecido oficiosamente desta questão, o advogado punido pode suscitar a questão no recurso contencioso, alegando a omissão. Contudo, se o procedimento disciplinar for prescrito depois da aplicação da pena disciplinar e antes da formação do caso decidido, tal como o presente caso, tendo-se esgotado a competência dispositiva do órgão decisor com a aplicação da pena, cabe ao interessado suscitar activamente a respectiva questão ao órgão que toma a decisão disciplinar, e não pode interpor directamente recurso contencioso para pedir decisão ao Tribunal.

       Face aos fundamentos acima expostos, o Tribunal de Última Instância negou provimento ao recurso, confirmando a deliberação do Conselho Superior de Advocacia que aplicou a A a pena de censura.

       Cfr. os acórdãos do processo n.º 46/2013 do Tribunal de Segunda Instância e do processo n.º 37/2015 do Tribunal de Última Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

23/06/2015