Tribunal de Última Instância
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
- Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
- Dra. Song Man Lei
Procedimento disciplinar.
“Ne bis in idem”.
Nulidade.
1. Ainda que se possa dizer que o princípio “ne bis in idem” não tem “consagração expressa” no sistema jurídico da R.A.E.M., inegável é que o mesmo se deve ter como (plenamente) reconhecido (e estatuído), nomeadamente, por força do art. 14°, n.° 7 do “Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos” – onde se prescreve que: “Ninguém pode ser julgado ou punido novamente por motivo de uma infracção da qual já foi absolvido ou pela qual já foi condenado por sentença definitiva, em conformidade com a lei e o processo penal de cada país” – pela Lei Básica da Região Administrativa Especial de Macau tido como aplicável através do seu art. 40°, constituindo uma das suas evidentes manifestações o disposto no art. 6° e 65°, n.° 2 do C.P.M., quanto à matéria da “restrição à aplicação da lei penal de Macau” e no que toca à “determinação da medida da pena”.
2. De acordo com o princípio «ne bis in idem» – em língua chinesa, “一事不二審/不得重複審理/一罪不二罰”, e em língua inglesa, “double jeopardy” – “ninguém pode ser julgado/condenado mais do que uma vez (ne bis) pelo mesmo (idem) facto/crime”; (possível sendo a consideração no sentido de se tratar de um “conceito processual” ou “material jurídico”, o que pode, por sua vez, dar origem à sua vertente “processual” ou “substantiva”, respectivamente).
Isto é, o “princípio «ne bis in idem»” proíbe, assim, que na actividade sancionatória, se proceda a uma dupla (ou segunda) valoração do mesmo substrato material atenta a “paz jurídica” que ao arguido se deve garantir finda a perseguição de que foi alvo, evitando pronúncias díspares sobre factos unitários.
3. Atento o estatuído no art. 277° do E.T.A.P.M., onde se prescreve que “Aplicam-se supletivamente ao regime disciplinar as normas de Direito Penal em vigor no Território, com as devidas adaptações” – dúvidas não existem da aplicabilidade do referido “princípio «ne bis in idem»” ao “procedimento disciplinar”.
4. Verificando-se que com o 2° processo disciplinar (n.° 03/PD/2014) se efectuou uma “recuperação e reapreciação da (mesma) matéria de facto” que já tinha sido objecto de pronúncia em decisão (de fundo) que a deu como não provada em sede de anterior processo (n.° 02/04/ST/DSAL/2009) instaurado ao mesmo arguido, violado foi o “princípio «ne bis in idem»”, sendo de considerar que a “situação” integra a “nulidade” prevista no art. 122°, n.° 1, al. d) do C.P.A., onde se prescreve que são nulos os actos que “ofendem o conteúdo essencial de um direito fundamental”.
- Concedido provimento ao recurso.
