Acórdãos

Tribunal de Última Instância

    • Data da Decisão Número Espécie Texto integral
    • 02/03/2022 3/2022 Recurso em processo civil
    • Assunto

      Direito da Propriedade Industrial.
      Marca.
      Registo.
      Requisitos.
      Capacidade distintiva.
      Marca enganosa.
      “Slogan”.
      (“It’s like milk but made for humans”).

      Sumário

      1. A “Propriedade Industrial” é a área do Direito que garante a inventores ou responsáveis por qualquer produção do intelecto – nos domínios industrial, científico, literário ou artístico – o direito de obter, por um determinado período de tempo, uma recompensa resultante da sua criação ou manifestação intelectual.

      2. Não obstante de um ponto de vista “económico”, a uma marca caiba essencialmente desempenhar as funções de “indicação da origem” dos produtos ou serviços, de “garantia de qualidade” e ainda a função “publicitária”, atento ao preceituado no art. 197° do R.J.P.I., é de se concluir que a “função jurídica” da marca é a de identificar a proveniência de um produto ou serviço ao consumidor para, assim, permitir a sua “distinção” de outros produtos ou serviços produzidos ou postos no mercado, devendo assim ser entendida como “um sinal distintivo na concorrência de produtos e serviços”.

      3. Podem existir os seguintes tipos de “marcas”:
      - nominativas (ou denominativas): compostas apenas por elementos verbais, sejam palavras, letras ou números;
      - figurativas: compostas apenas por elementos figurativos, como desenhos ou imagens;
      - mistas: compostas por elementos verbais e figurativos; e,
      - tridimensionais: compostas pela forma do produto ou da respetiva embalagem; (havendo ainda as “marcas de posição”, de “padrão”, de “cor”, de “movimento”, de “holograma”, assim como as “sonoras”, compostas por sons, e as “olfativas”, compostas pelo odor).

      4. Um “slogan” pode o ser registado como “marca” desde que tenha “capacidade distintiva”.

      5. Para se aferir de tal “capacidade distintiva” deve-se ponderar se o aludido sinal, (slogan):
      - constitui um “jogo de palavras”; e/ou,
      - introduz “elementos de intriga ou surpresa conceptual”, (com “duplo sentido”, para que possa ser considerado imaginativo, surpreendente ou inesperado); e/ou,
      - tem uma “originalidade ou ressonância particular”; e/ou,
      - desencadeia na mente do público relevante um “processo cognitivo”, suscitando a imaginação e exigindo um “esforço de interpretação”; e/ou,
      - integra “estruturas ou combinações sintáticas originais/ invulgares”; e/ou,
      - utiliza e recorre a “figuras de linguagem”, podendo integrar figuras de “semântica”, de “sintaxe” e de “som/fonética”, como v.g., sucede com o “paradoxo”, a “metáfora”, a “rima”, a “aliteração” e a “assonância”, (ou seja, repetição das mesmas letras ou sílabas numa frase, explorando o som das consoantes ou das vogais para gerar efeitos no texto), etc…

      6. Na verdade, se dúvidas não há que uma frase (descritiva), com características “promocionais”, e que se limita a elogiar as qualidades dos produtos ou serviços não é passível de registo, o mesmo já não sucede com “frases” (ou expressões) que contenham as atrás aludidas “características”, e que, ainda que se possam considerar “simples”, não são “comuns”, ao ponto de, à partida, e de imediato, se (poder) excluir qualquer (necessidade de) análise e reflexão ou “esforço de interpretação”, desencadeando, por sua vez, um “processo cognitivo na mente do público” ao qual se dirige, e, sendo, por isso, de “fácil memorização”, o que as torna capaz de “distinguir os produtos a que dizem respeito dos produtos de empresas concorrentes”.

      7. O motivo (absoluto) de recusa de registo relacionado com a “marca enganosa” constitui um fundamento de recusa de “ordem pública”, para defesa de diversos valores e interesses da sociedade como um todo.

      8. Para determinar se um sinal pode provocar um risco de engano devem conjugar-se dois critérios básicos: o primeiro, consiste em relacionar o sinal solicitado como marca com os produtos ou serviços para as quais se haja apresentado a correspondente solicitação; o segundo, consiste em fixar a plataforma subjectiva, (ou público), a partir da qual se deverá apreciar se um sinal é enganoso.

      O conceito de “público” tem contornos muito amplos que devem ser adaptados para cada caso concreto” de acordo com a “espécie de produtos ou serviços para os quais se solicita a marca.

      Resultado

      - Julgado procedente o recurso.

       
      • Votação : Unanimidade
      • Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
      • Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
      •   Dra. Song Man Lei