Tribunal de Última Instância
- Votação : Unanimidade
- Relator : Dr. José Maria Dias Azedo
- Juizes adjuntos : Dr. Sam Hou Fai
- Dra. Song Man Lei
Crime de “burla informática”.
Vícios da decisão da matéria de facto.
Insuficiência da matéria de facto provada para a decisão.
Contradição insanável da fundamentação.
Elementos (e características) do tipo de crime de “burla informática”.
Erro no enquadramento e qualificação jurídico-penal da matéria de facto provada.
Absolvição.
1. O vício de “insuficiência da matéria de facto provada para a decisão” apenas ocorre quando o Tribunal não se pronuncia sobre “toda a matéria objecto do processo”.
O aludido vício apenas existe se houver “omissão de pronúncia” sobre “factos relevantes”, e os “factos provados” não permitirem uma boa e sã aplicação do direito ao caso submetido a julgamento.
A dita “insuficiência” não tem a ver, e não se confunde, com as provas que suportam ou devem suportar a matéria de facto, em causa estando antes, o “elenco” desta, que poderá ser insuficiente, não por assentar em provas nulas ou deficientes, mas por não encerrar o imprescindível núcleo de factos que o concreto objecto do processo reclama face à equação jurídica a resolver.
Nenhuma “insuficiência” existe se o Tribunal emitiu expressa e clara pronúncia sobre todos os “factos” constantes da acusação pública deduzida (e do pedido civil pela assistente enxertado nos autos), pronunciando-se, assim, como lhe competia, sobre todo o “objecto do processo”, justificando os motivos da sua convicção e decisão, evidente se mostrando que nenhuma “matéria de facto (relevante)” ficou por apurar.
2. Apenas existe “contradição insanável da fundamentação” quando, fazendo um raciocínio lógico, for de concluir que a fundamentação leva precisamente a uma decisão contrária àquela que foi tomada, ou quando, de harmonia com o mesmo raciocínio, se concluir que a decisão não é esclarecedora, face à colisão entre os fundamentos invocados.
Há assim “contradição entre os fundamentos e a decisão” quando haja oposição entre o que ficou provado e o que é referido como fundamento da decisão tomada, e há “contradição entre os factos” quando os provados e os não provados se contradigam entre si ou por forma a excluírem-se mutuamente.
Verificando-se que a “decisão condenatória” com a qual não se conforma o ora recorrente é totalmente “inteligível”, não padecendo, em parte alguma, de juízos ou afirmações antagónicas ou inconciliáveis, nenhum reparo, por “contradição”, merece.
Pode-se, como é óbvio, discordar do decidido…
Porém, como cremos que nenhuma dúvida suscita, tal “discordância” não se identifica com nenhum dos “vícios da decisão da matéria de facto” a que se refere o art. 400°, n.° 2, al. a), b) e c) do C.P.P.M..
3. O crime de “burla informática” caracteriza-se como um crime de “execução vinculada”, no sentido de que a lesão do património se produz através da “intrusão, interferência e utilização (em certos termos) dos sistemas e meios informáticos”, sendo também um crime de “resultado parcial ou cortado”, “exigindo-se que seja produzido um prejuízo patrimonial de alguém”.
Esta “dimensão típica”, remete, pois, para a realização de actos e operações (específicas) de “intromissão e interferência” em “programas ou utilização de dados” (nos quais está presente), e aos quais, está subjacente algum modo de “engano”, “fraude” ou “artifício” que tenha a finalidade (ou através da qual se realiza) a intenção de obter enriquecimento ilegítimo, causando prejuízo patrimonial a terceiros.
4. Se percorrendo e analisando toda a decisão da “matéria de facto dada como provada” se vier a verificar, (relativamente ao ora recorrente), que em parte alguma dela se descreve, de forma minimamente concreta e objectiva, qualquer tipo de “intervenção” ou “participação” do mesmo no “projecto criminoso” consistente na prática de qualquer dos actos materialmente tipificados nas várias alíneas do n.° 1 do art. 11° da Lei n.° 11/2009 – que prevê o crime de “burla informática” – para que se possa decidir no sentido da sua condenação a título de “co-autor”, (ou “cúmplice”), impõe-se revogar a decidida condenação com a sua consequente absolvição.
A mera referência – em abstracto – à sua “ajuda” e ao “prejuízo que causou”, sem a mínima concretização (e densificação) em “actos concretos e materiais”, (com explicitação do que a mesma consistiu), apresentam-se (tão só e unicamente) como “juízos (meramente) conclusivos”, insusceptíveis de servirem para a subsunção dos elementos objectivos e subjectivos do tipo de crime de “burla informática”.
Negado provimento ao recurso do 3.º arguido, absolvido do 4.º arguido, declarando-se também extintas as medidas de coação a que se encontra sujeito.
