Situação Geral dos Tribunais

Ao condenado que sem dolo não cumpriu o dever de indemnizar por difíceis condições económicas e de vida não se deve revogar a suspensão da execução da pena concedida

      Por acórdão de 9 de Julho de 2010, o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base condenou o arguido A pela prática de um crime de abuso de confiança p. e p. pelo art.º 199.º, n.º 1 e n.º 4, al. a) do Código Penal, na pena de 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por 18 meses, sob condição de pagamento ao ofendido C do montante total de MOP$57.800, que deveria ser feito em prestações mensais de MOP$5.000 cada uma, até integral pagamento da respectiva indemnização. Mais tarde, tendo em conta as difíceis condições económicas e de vida do arguido, o Juiz do Tribunal a quo autorizou que se alterasse o dever imposto como condição da suspensão da execução da pena para o de pagar MOP$2.000 por mês, e que se prolongasse o período de suspensão por mais um ano. No entanto, o arguido não cumpriu o dever de indemnização condicionante da suspensão apesar das várias advertências que lhe foram feitas, tendo pago apenas MOP$32.000. Perante isso, o Juiz do Tribunal a quo proferiu despacho em 4 de Março de 2014 no sentido de, à luz do art.º 54.º, n.º 1, al. a) do Código Penal, revogar a suspensão da execução da pena de prisão concedida ao arguido A, devendo este cumprir a pena de 9 meses de prisão efectiva que lhe foi aplicada.

      Discordando do assim decidido, o arguido interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância. No período do recurso, o recorrente depositou, em duas prestações, a quantia total de MOP$20.000 a título de indemnização, estando ainda em dívida apenas MOP$5.800. Manifestou o recorrente que não foi com dolo que ele incumpriu o dever condicionante da suspensão da execução da pena, pelo contrário, ele fez todos os esforços para cumprir esse dever de indemnizar. Entendeu o recorrente existir vício na decisão do Tribunal a quo que revogou a suspensão concedida, já que, conforme ele alegou, o mesmo Tribunal, antes de tomar tal decisão revogatória, não teve em plena consideração as condições económicas e de vida dele, concluindo, assim, que tutelaria melhor o interesse do ofendido uma decisão que mantivesse a suspensão da execução da pena e ordenasse ao recorrente o pagamento ao ofendido do montante indemnizatório em dívida no prazo de 6 meses.

      O Colectivo do Tribunal de Segunda Instância pronunciou-se nos termos seguintes: O próprio recorrente sofre de epilepsia, que indubitavelmente gera influências negativas no rendimento do recorrente que se dedica ao trabalho laboral (indústria de decoração). Além disso, o filho do recorrente sofre de hemofilia A grave. Tanto o recorrente como o seu filho são doentes crónicos, daí sobre a família do recorrente impenderem necessariamente intensas pressões económicas e de vida. Apesar disso, desde Julho de 2010 até Dezembro de 2011, o recorrente persistiu em cumprir o dever de indemnizar. Assim, do facto de o recorrente se ter esforçado para pagar a indemnização, pode deduzir-se que o seu incumprimento iniciado em Janeiro de 2012 não é doloso. Como se sabe, um dos requisitos materiais da suspensão da execução da pena de prisão reside em que o tribunal forme um juízo de prognose favorável ao condenado quanto ao seu futuro comportamento, esperando que o mesmo se reinsira na sociedade e conduza a sua vida de forma lícita e socialmente responsável. É verdade que o recorrente, no prazo fixado, não conseguiu cumprir integralmente o dever de indemnizar determinado pelo Tribunal a quo. Mas, atendendo às condições económicas do recorrente e aos esforços que este veio a fazer, a situação concreta do mesmo demonstra que não deixa de ser possível alcançar a finalidade acima referida, razão pela qual não se deve revogar a suspensão da execução da pena concedida ao recorrente.

      Face ao exposto, o Tribunal Colectivo julgou procedente o recurso interposto pelo recorrente A, revogando a decisão a quo que revogou a suspensão da execução da pena, e prolongando o período de suspensão por mais um ano, mas sob condição de pagamento pelo recorrente do montante indemnizatório em dívida (MOP$5.800) durante o período de suspensão.

      Vide o Acórdão do TSI, processo n.º 275/2014.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

09/07/2015