Situação Geral dos Tribunais

A tomada de declarações para memória futura quando ainda não há arguido constituído não prejudica o direito de defesa do arguido

      O Ministério Público acusou o arguido A da prática, como autor material, de onze crimes consumados de emprego, p. e p. pelo artº 16º, nº 1, da Lei nº 6/2004. Apreciado o processo, o Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base decidiu absolver o arguido por não conseguir dar por provado que o arguido tinha contratado tais onze trabalhadores devido à negação de factos pelo mesmo arguido e à impossibilidade de se proceder à leitura, na audiência de julgamento, das declarações tomadas para memória futura aos onze trabalhadores arrolados como testemunhas de acusação (faltosas na audiência), entendendo que mesmo que aquando da tomada de declarações para memória futura não tivesse havido ainda um arguido concreto, esta diligência probatória não deixaria de precisar da intervenção do defensor, em prol do princípio do contraditório.

      Inconformado, o Ministério Público recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, requerendo a nulidade da sentença. Além disso, chegou a recorrer também do despacho judicial que tinha determinado a não leitura, na audiência de julgamento então realizada, das declarações tomadas para memória futura, pedindo a revogação desse despacho.

      O Tribunal de Segunda Instância examinou primeiramente o recurso intercalar, citando o fundamento aduzido pelo Tribunal de Última Instância no acórdão do processo nº 29/2011: “O acto de tomada de declarações para memória futura regulado sobretudo no artº 253º do CPP destina-se a conservar a prova testemunhal para poder ser produzida na audiência de julgamento por ser previsível a ausência da testemunha na audiência. Por isso a lei prevê a presença do Ministério Público, do arguido e do seu defensor para assegurar a possibilidade do contraditório, que constitui um dos direitos processuais importantes (artº 50º, n.º 1, als a), b) e f) do CPP). Mas o exercício de tais direitos pressupõe a aquisição da qualidade de arguido (artº 49º, nº 1 do CPP). Uma vez que no respectivo inquérito ainda não havia arguido constituído, naturalmente não há necessidade nem possibilidade de presença de arguido neste tipo de acto. Mesmo que haja suspeito determinado, este não será notificado para estar presente nem representado por defensor, simplesmente por tal situação não lhe conferir a possibilidade de exercer os direitos inerentes ao arguido. E a constituição de arguido deve obedecer aos requisitos previstos nos artºs 46º a 48º do CPP. A tomada de declarações para memória futura quando ainda não há arguido constituído não prejudica o seu direito de defesa, pois tal prova não tem o valor absoluto e o futuro arguido pode sempre apresentar contra-prova em sua defesa.” Assim, o Tribunal de Segunda Instância concedeu provimento ao recurso intercalar, revogando o despacho supradito.

      Por outro lado, é mister anular a sentença absolutória, visto que a fundamentação concreta desse veredicto recorrido não deixou de estar logicamente dependente do sentido da decisão ínsita naquele despacho judicial, devendo, por conseguinte, o Tribunal a quo proceder ao novo julgamento sobre todo o objecto do subjacente processo penal.

      Nos termos expostos, o Tribunal Colectivo do TSI julgou providos os recursos intercalar e final interpostos pelo Ministério Público.

      Cfr. o acórdão proferido no processo nº 462/2014 do Tribunal de Segunda Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

22/10/2015