Rejeitado o recurso contencioso por falta deliberada de indicação dos contra-interessados
Em 1 de Março de 2004, A e B intentaram a Acção Ordinária no Tribunal Judicial de Base contra, entre outros, C e D, pedindo que fosse declarado que A e B adquiriram por usucapião a propriedade do prédio com o número 26 da Praça X. Em 31 de Dezembro de 2004, C e D formularam ao Director dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes o pedido da aprovação do projecto de arquitectura da obra de construção a realizar em Macau, num terreno consistente nas duas parcelas situadas na Praça X, n.ºs 26-28, instruído com a certidão do registo civil do qual consta que C e D são proprietários daquelas duas parcelas de terreno. Para o efeito, apresentaram em fases sucessivas o projecto de arquitectura e os projectos de especialidade; todos os projectos, o de arquitectura e os de especialidade, foram aprovados dentro dos prazos legais estabelecidos no art.º 40º do Regulamento Geral da Construção Urbana. De 13 de Outubro de 2006 a 25 de Fevereiro de 2011, C e D, várias vezes, solicitaram à Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes a emissão de licença de obra, mas não lhes foi emitida a licença.
Em 4 de Junho de 2012, com fundamento na verificação de um conflito de natureza privada relativo à propriedade do prédio em causa e na existência de um litígio referente à titularidade do direito de propriedade sobre o mesmo prédio, a Senhora Subdirectora, enquanto Directora Substituta, da Direcção dos Serviços de Solos, Obras Públicas e Transportes, proferiu o despacho que determinou a suspensão do procedimento de licenciamento da obra em causa. Inconformados, C e D vieram interpor recurso hierárquico necessário para o Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas. Por despacho do Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas proferido em 15 de Novembro de 2012, foi rejeitado o recurso hierárquico necessário.
C e D interpuseram recurso contencioso de anulação para o Tribunal de Segunda Instância contra o despacho em apreço.
Em 15 de Maio de 2014, acordaram no Tribunal de Segunda Instância em conceder provimento ao recurso, anulando o despacho impugnado.
Inconformado, veio o Secretário para os Transportes e Obras Públicas recorrer para o Tribunal de Última Instância.
Recorreu também A para o Tribunal de Última Instância, alegando que tinha qualidade de contra-interessada no recurso contencioso, e que os dois recorridos não cumpriram a obrigação legal de indicar a identidade dos contra-interessados e requerer a sua citação, o que implica uma situação de falta de citação dos contra-interessados, acarretando a nulidade de todo o processado posterior à petição inicial, que é de conhecimento oficioso pelo Tribunal, cuja consequência é a anulação de todo o processado posterior à citação da entidade recorrida.
Tendo apreciado o caso, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Última Instância entendeu que deveria conhecer, em primeiro lugar, do recurso interposto por A, já que o provimento deste recurso implica a desnecessidade do conhecimento do recurso interposto pelo Senhor Secretário para os Transportes e Obras Públicas. Nos termos do art.º 39.º do Código de Processo Administrativo Contencioso, tem legitimidade para intervir no processo como contra-interessado as pessoas a quem o provimento do recurso possa directamente prejudicar. Ademais, ao abrigo do disposto no art.º 46.º n.º 2, al. f) do Código de Processo Administrativo Contencioso, a falta manifestamente indesculpável de identificação dos contra-interessados é uma das causas de rejeição liminar do recurso contencioso.
No caso em apreciação, constata-se nos autos que está ainda pendente no Tribunal Judicial de Base uma acção ordinária intentada pela recorrente A e por B, já falecido, contra os recorridos C e D, entre outros, em que aqueles pediram que fossem declarados proprietários do prédio com o n.º 26 da Praça X, uma das parcelas do terreno sobre o qual pretendiam, e continuam a pretender, os recorridos a emissão de licença de obras de construção, na qualidade dos proprietários do terreno inscritos como tal no respectivo registo predial. Tendo em conta a pendência da respectiva acção cível referente à titularidade do direito de propriedade do prédio em causa, entendeu o Tribunal Colectivo que a ora recorrente A era efectivamente contra-interessada, tendo interesse directo na manutenção do acto administrativo impugnado, a quem o provimento do recurso poderia directamente prejudicar, pois se o recurso contencioso fosse procedente, determinando-se a cessação da suspensão da emissão de licença de obras de construção, poderiam os recorridos construir no terreno de que a recorrente reivindica ser proprietária.
Ora, decorre dos elementos constantes dos autos que a mencionada acção de reivindicação foi intentada em 1 de Março de 2004, data muito anterior à interposição do recurso contencioso, e os dois recorridos tomaram conhecimento da pretensão da recorrente, tendo até sido notificados em 21 de Dezembro de 2006, no respectivo processo administrativo com vista ao licenciamento da obra para esclarecer “a existência de acção judicial intentada por A e seu marido B” e informados que “o pedido de emissão de licença de obras só poderá ser apreciado após o parecer que vier a ser emitido pelo Tribunal Judicial de Base”. Daí que foi sempre de conhecimento dos recorridos a pretensão da recorrente bem como a pendência da acção judicial, que determinou a suspensão do procedimento de licenciamento da obra. Neste circunstancialismo do caso concreto, deveriam ter os recorridos indicado e identificado, na petição do recurso contencioso, a recorrente como contra-interessada, sendo de considerar erro manifestamente indesculpável a respectiva omissão. O recurso contencioso devia ter sido liminarmente rejeitado, podendo e devendo sê-lo a todo o tempo enquanto não houver ainda decisão final transitada em julgado. Merece assim provimento o recurso interposto por A, que prejudica o conhecimento do recurso do Secretário para os Transportes e Obras Públicas.
Pelo exposto, acordaram em conceder provimento ao presente recurso jurisdicional e em rejeitar o recurso contencioso.
Cfr. o acórdão do processo n.º 121/2014 do Tribunal de Última Instância.
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
06/11/2015