Os empregados ao serviço do segurado são excluídos da garantia de seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel
No dia 21 de Agosto de 2012, pelo meio-dia, B, condutor da Sociedade de Transportes Públicos Reolian, S.A. (doravante designada por Reolian), conduzia o autocarro n.º 3 desta Sociedade, circulando na faixa de rodagem subterrânea da Praça das Portas do Cerco e estando a preparar-se para encostar à paragem de autocarro. Naquele momento, encontrava-se parado em frente do referido veículo um outro autocarro n.º3 da mesma Sociedade, que estava em tomada de passageiros. Após a encosta do autocarro conduzido pelo B à paragem, o chefe de estação, C, caminhou para a frente do autocarro, verificando a placa de itinerário. Naquele momento, B saiu do assento do condutor, caminhando para a porta dianteira, e, por este não ter puxado bem o freio de mão, de repente, o autocarro escorregou para frente e bateu na parte direita do corpo do C, empurrando-o contra o autocarro n.º 3 que estava à sua frente, tornando-o preso entre os dois autocarros. Devido ao acidente de viação em causa, o B foi diagnosticado pelo médico com rompimento pulmonar acompanhado neumotórax na cavidade torácica de dois lados, rompimento no lobo direito frontal do fígado, fractura do meio da clavícula esquerda, fractura linear da parte inferior da escápula esquerda, fractura múltipla das costelas, fractura cominutiva das partes superior e inferior do lado esquerdo do púbis, laceração na pele do dorso da mão direita e hemorragia na parte inferior da conjuntiva bulbar de dois lados.
No processo penal intentado pelo Ministério Público contra B, o ofendido C (autor do pedido cível) deduziu pedido de indemnização civil contra B (1.º réu), Reolian (2.ª ré, a sua posição processual foi substituída pela administradora de bens de Reolian depois de declarada a sua falência) e seguradora do 2.º réu, Companhia de Seguros de Macau, SARL (3.ª ré).
O Tribunal Judicial de Base, por acórdão de 24 de Abril de 2015, decidiu, quanto à parte civil, absolver na totalidade o 1.º réu e a 2.ª ré do pedido cível, e condenar a 3.ª ré, no pagamento ao autor do pedido cível, a quantia de MOP$2.314.133,00., acrescida dos juros legais.
Em recurso interposto pela vencida para o Tribunal de Segunda Instância (TSI), decidiu este, por acórdão de 1 de Junho de 2017, aplicando o que resulta da interpretação literal da alínea d) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M, decidiu que o lesado, no exercício de funções ao serviço da empresa segurada, transportadora de passageiros, como chefe de estação, não estava coberto pelo seguro de responsabilidade civil automóvel da sua entidade patronal, pelo que veio a absolver do pedido a 3.ª ré e condenar, solidariamente, o 1.º réu e a 2.ª ré a pagar ao autor a mencionada quantia de MOP$2.314.133,00, acrescida dos juros legais.
Inconformada, a 2.ª ré recorreu para o Tribunal de Última Instância (TUI), alegando que a interpretação correcta da norma referida não resulta da letra da lei, dado que subjacente à exclusão da garantia do seguro pela mencionada alínea, está a ideia de co-responsabilidade patrimonial daqueles que poderão vir a responder concomitante ou subsidiariamente com o condutor, o que não seria o caso do lesado, que era mero funcionário da empresa, tal como o lesante, também funcionário na mesma empresa.
O TUI conheceu do caso.
Indicou o Tribunal Colectivo que, argumento utilizado pela recorrente é baseado numa norma do direito vigente em Portugal que não vigora em Macau. No entanto, esta norma é diferente do direito vigente em Macau, na medida em que não prevê a exclusão da garantia do seguro dos empregados, assalariados e mandatários ao serviço do segurado. Logo, fica sem nenhum apoio a opinião da recorrente.
O Tribunal Colectivo salientou que, o artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 57/94/M vigente em Macau só pretende garantir os danos sofridos por terceiros, alheios ao veículo, ao condutor do veículo, seus proprietários e usufrutuários e detentores legítimos, incluindo aqui os cônjuges, familiares e empregados destes. Mesmo os danos sofridos por terceiros são excluídos em consequência de operações de carga e descarga. Prevaleceu aqui a ideia de que nestes casos não se estende a obrigação de cobertura do seguro, cabendo a responsabilidade civil ao causador do acidente e ao que tiver a sua direcção efectiva e utilizar o veículo no seu próprio interesse.
Por outro lado, ainda no que concerne aos empregados do segurado, a lei ao excluí-los da garantia do seguro automóvel obrigatório, teve certamente em atenção que eles beneficiam, em regra, do seguro por acidentes de trabalho, pelo que não faria sentido uma duplicação de indemnizações para ressarcir os mesmos danos. Aliás, no caso dos autos, o lesado já recebeu, a título de indemnização por incapacidade permanente calculada em 38%, proveniente do acidente de trabalho, a quantia de MOP$528.247,00.
Pelo exposto, o Tribunal Colectivo do TUI negou provimento ao recurso.
Vide o Acórdão do TUI, Processo n.º 53/2017.
Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância
12/11/2017