Situação Geral dos Tribunais

Não é considerado como tendo residência habitual em Macau quem, por longo período de tempo, não pernoita em Macau por motivos alheios à sua actividade profissional

O Tribunal de Última Instância (TUI) proferiu decisões, recentemente, em dois recursos atinentes à autorização de residência temporária em Macau de uma dirigente e de um técnico especializado.

O primeiro caso (Processo n.º 190/2020) refere-sea uma residente de Hong Kong A, empregada por uma companhia de materiais de construção, registada em Macau. Em 17 de Junho de 2010, foi-lhe concedida, na qualidade de quadro dirigente, pela primeira vez, a autorização de residência temporária em Macau. Em 11 de Outubro de 2017, A pediu ao IPIM uma carta de confirmação da validade da respectiva autorização de residência temporária. Após receber o pedido, o IPIM solicitou ao CPSP o registo dos movimentos fronteiriços de A; conforme a sua resposta, em 2016 e de Janeiro a Novembro de 2017, A permaneceu em Macau só por 31 dias e 27 dias. Com base nisso, o IPIM considerou que A não residia habitualmente em Macau e propôs ao Secretário para a Economia e Finanças a declaração de caducidade da autorização de residência temporária de A. Em 23 de Março de 2018, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu despacho que deferia a proposta, declarando a caducidade da autorização de residência temporária de A.

A interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância que negou provimento ao recurso. Inconformada, A recorreu para o TUI. O TUI julgou procedente o recurso e anulou o acórdão recorrido, decretando para o TSI proceder a novo julgamento depois de apurar se A trabalhava no exterior, para a sua entidade patronal de Macau, nos anos de 2016 e 2017 em que ela esteve ausente de Macau. Em 16 de Julho de 2020, o TSI conheceu novamente do caso e considerou não fazer prova que A tivesse de pernoitar no exterior de Macau, nos períodos referidos, por causa de trabalho, pelo que julgou improcedente o recurso contencioso.

Inconformada, A recorreu, mais uma vez, para o TUI.

O TUI indicou que, atento ao preceituado no art. 9.°, n.º 3, da Lei n.° 4/2003, a residência habitual do interessado na RAEM é condição para a manutenção da autorização de residência. Essa “residência habitual” é um conceito indeterminado sindicável pelos Tribunais. A mera ausência temporária de Macau não implica a necessária conclusão que tenha deixado de residir habitualmente em Macau, devendo-se apurar os motivos das ausências de Macau. Como não está provada que a ausência de A de Macau nos anos de 2016 e 2017 se justificava por razões ligadas à sua actividade profissional, o seu recurso contencioso não merecia, assim, provimento. Pelo exposto, o TUI julgou improcedente o recurso interposto por A, mantendo a decisão do Secretário para a Economia e Finanças que declarou a caducidade da sua autorização de residência temporária.

O segundo caso (Processo n.º 182/2020) refere-se a um residente do Interior da China B, empregado de uma companhia aérea em Macau. No dia 13 de Agosto de 2012, a B foi concedida, pela primeira vez, autorização de residência temporária sob a modalidade de técnico especializado. Em 23 de Março de 2018, B requereu ao IPIM a renovação da autorização de residência temporária. Por despacho, de 29 de Março de 2019, o Secretário para a Economia e Finanças proferiu a decisão de indeferimento do pedido de B, durante o período em que lhe foi concedida a autorização de residência temporária, por regressar diariamente à sua residência em Zhuhai; vindo apenas a Macau para trabalhar, não tem residência habitual em Macau.

B interpôs recurso contencioso para o Tribunal de Segunda Instância que julgou procedente o recurso. Inconformado com a decisão, o Secretário para a Economia e Finanças recorreu para o TUI.

O TUI conheceu do caso. Indicou o Tribunal Colectivo que a “residência habitual” não pode ser um local de passagem, de permanência ocasional ou esporádica, mas um local que, com a necessária e imprescindível estabilidade, constitua o centro de interesses de uma pessoa e da sua família. Isto não se traduz numa absoluta impossibilidade de ausência, como pode suceder, por determinados períodos, como, por exemplo, em resultado de compromissos profissionais, para férias ou visita a familiares e amigos. Entretanto, no caso dos autos, B deslocava-se apenas para trabalhar, ainda que várias vezes por semana e pelo período indispensável para esse efeito, mas, de passagem, sempre na perspectiva de regressar a casa, ou seja, de regressar ao local onde estava assente a sua vida pessoal, familiar e social e que funciona como núcleo estável das suas ligações vivenciais e existenciais mais relevantes e que não se situa em Macau, mas na cidade vizinha de Zhuhai.

O Tribunal Colectivo salientou que “residência habitual” mostra exigir, não só uma presença física, como a mera permanência num determinado território (“corpus”), mas que seja esta acompanhada de uma verdadeira intenção de se tornar residente deste mesmo território (“animus”), e que pode ser aferida com base em vários aspectos do seu quotidiano pessoal, familiar, social e económico e que indiquem uma efectiva participação e partilha da sua vida social; nada disto se verifica in casu.

Faco ao exposto, acordou o Tribunal Colectivo do TUI em conceder provimento ao recurso, anular o acórdão recorrido e manter a decisão do Secretário para a Economia e Finanças de indeferir o pedido de renovação da autorização de residência temporária de B.

Vide Acórdãos dos Processos n.º 190/2020 e n.º 182/2020, do Tribunal de Última Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

03/02/2021