Situação Geral dos Tribunais

TSI: Retenção no exterior devido à pandemia e deslocação para fora de Macau para fins de estudo não constituem fundamentos para o cancelamento da autorização de residência

A, de sexo feminino e de nacionalidade mongol, foi adoptada por uma residente de Macau B como filha adoptiva. Em 3 de Fevereiro de 2016, a A foi concedida a autorização de residência temporária em Macau, com fundamento na convivência em Macau com a mãe adoptiva, a qual, posteriormente, foi renovada sucessivamente por duas vezes, com o prazo de validade até 2 de Fevereiro de 2021. Em 3 de Setembro de 2020, antes ir estudar para o estrangeiro, A requereu com antecedência a renovação da autorização de residência temporária. Ao apreciar o seu requerimento, o Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do Corpo de Polícia de Segurança Pública descobriu que no período de Fevereiro a Setembro de 2020, A e B permaneceram em Macau apenas 79 dias e 90 dias respectivamente, o que demonstrava que A e a sua mãe adoptiva não coabitavam em Macau, e, por isso, exigiu explicação a A. A apresentou a sua justificação por escrito, alegando que ela e a sua mãe adoptiva se tinham deslocado em 20 de Fevereiro de 2020 à Mongólia e que devido à pandemia da COVID-19 o voo de regresso, agendado para dia 29 de Fevereiro de 2020, foi cancelado, razão pela qual as duas ficaram retidas na Mongólia, apenas conseguindo voltar a Macau em 4 de Julho. Além disso, A informou que estava nesta altura em Portugal a frequentar um curso de Licenciatura em Marketing e Publicidade com a duração de três anos.

Analisando a situação de A, o Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do Corpo de Polícia de Segurança Pública considerou: primeiro, a detenção no exterior não pode servir de pretexto, porque durante a pandemia, o governo de Macau apelou ao público para a redução de saídas da RAEM, prevendo-se a existência de determinados riscos em movimentos fronteiriços e disseminação da pandemia nas viagens ao exterior, mas a insistência na deslocação foi da escolha individual de A e B; o governo de Macau nunca recusou a entrada dos residentes de Macau e A e B, sendo titulares de bilhete de identidade de residente de Macau, podem entrar e sair da RAEM livremente sob a condição de cumprimento das respectivas medidas de prevenção da epidemia; entretanto, se A e B encontrassem efectivamente dificuldades no regresso a Macau, podiam procurar apoio junto da embaixada da China na Mongólia. Segundo, A deslocou-se a Portugal para frequentar um curso de Licenciatura em Marketing e Publicidade, mas actualmente também existem em Macau cursos relacionados/semelhantes ao referido curso que são ministrados em inglês e que servem como alternativa, e, portanto, isto não é suficiente para constituir fundamento da necessidade de estudar fora de Macau; é razoável inferir que A não vai ficar em Macau durante a maior parte do tempo nos próximos três anos da frequência do curso universitário para coabitar com a sua mãe adoptiva e a referida situação afasta o pressuposto inicial pelo qual lhe foi concedida a autorização de residência temporária em Macau (convivência com a mãe adoptiva em Macau). Nestes termos, o Departamento para os Assuntos de Residência e Permanência do Corpo de Polícia de Segurança Pública propôs o indeferimento do pedido da renovação de autorização de residência de A.

O Secretário para a Segurança proferiu despacho em 5 de Janeiro de 2021, pelo qual concordou com a dita proposta do Corpo de Polícia de Segurança Pública e decidiu pelo indeferimento do pedido de A. Inconformada, A interpôs recurso contencioso do despacho para o Tribunal de Segunda Instância.

O TSI conheceu do caso.

Conforme asseverou o Tribunal Colectivo, a questão fundamental trazida aos autos reside em saber se A continua a manter a sua residência habitual em Macau quando esteve ausente de Macau devido à epidemia e quando vai ausentar-se também nos próximos anos para fins de estudo. A doutrina entende por residência habitual o local onde a pessoa vive normalmente, onde costuma regressar após ausências mais curtas ou mais longas. Porém, a presença física prolongada de uma pessoa ou pernoitar num determinado local não são critérios únicos e exclusivos para determinar a sua residência habitual, visto que em certas situações especiais (por exemplo, por motivo de formação ou reciclagem profissional; ou quando por motivo profissional, o interessado é destacado para uma companhia filial situada fora de Macau; ou por motivo de doença prolongada e hospitalização em estabelecimento fora Macau para receber tratamentos adequados; ou porque tem filhos menores que carecem de cuidado especial fora de Macau por causa de doença ou saúde), o/a interessado/a pode ausentar-se de Macau por um período relativamente longo ou, até mesmo, por mais de seis meses, sem que, no entanto, tenha deixado de residir habitualmente em Macau.

Considerando todo o circunstancialismo factual dado por provado nos autos, entendeu o Tribunal Colectivo que não ficou demonstrado que a recorrente deixou de ter o seu centro de vida em Macau, mas que, pelo contrário, tem ela mantido sempre o seu centro de convivência com a mãe adoptiva em Macau, não obstante se ter ausentado temporariamente de Macau devido à epidemia, o que não lhe é imputável. Tendo em conta a situação da extensão da epidemia em todo o mundo, não parece que a decisão da recorrente, e conjuntamente com a sua mãe, foi uma decisão ilógica ou anormal, porque nestas circunstâncias é perfeitamente normal que as pessoas pensem em primeiro lugar na saúde e na sua segurança. Por isso, está justificada a ausência da recorrente de Macau naquele período. Em relação à sua opção de ir estudar para fora de Macau, segundo o Tribunal Colectivo, está em causa o direito de acesso ao ensino superior por parte dos residentes. Cada um tem a liberdade e o direito de escolher, não podendo, pois, dizer-se que por existirem em Macau cursos que servem como alternativa, devem, então, as pessoas prosseguir estudos aqui. Tendo em vista que a recorrente tem a sua vida estabilizada em Macau desde os 10 anos de idade, concluiu os seus estudos secundários na Escola Portuguesa de Macau, e está integrada na comunidade de Macau, mostram-se, assim, preenchidos todos os elementos subjectivos e objectivos do conceito de residência habitual, o que é razão bastante para renovar a sua autorização de residência temporária em Macau.

Em face do exposto, acordaram no TSI em julgar procedente o recurso, anulando-se a decisão do Secretário para a Segurança que indeferiu a A o pedido de renovação da autorização de residência temporária em Macau.

Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância, proferido no processo n.º 268/2021.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

28/03/2022