Situação Geral dos Tribunais

Despesas da educação dos filhos no montante de um milhão que um casal de classe média custeou durante dois anos não constituem encargos normais da vida familiar

      Em Agosto de 1989, C (esposa) e D (marido) casaram entre si sob o regime de comunhão geral de bens. Do casamento, ambos têm três filhas que nasceram respectivamente em Novembro de 1989, Outubro de 1993 e Julho de 1997. Em Outubro de 2007 ou mais cedo, C saiu da casa, levando consigo as três filhas de ambos. Desde então, C e D mantiveram-se separados de facto. Após a separação do casal, C enviou as duas filhas mais velhas para estudarem na Inglaterra e na Suíça, respectivamente, deixando a filha mais nova continuar a estudar em Macau. Entre Janeiro de 2008 e Outubro de 2009, C pediu a A, B e E vinte e três empréstimos, num valor total superior a um milhão de patacas, a fim de pagar as despesas da educação das filhas, as passagens aéreas, as rendas e as despesas de condomínio, etc.. Em Novembro e Dezembro de 2009, A, B e E, enviaram duas vezes carta registada a C e D para que lhes devolvessem o dinheiro emprestado, mas não obtiveram qualquer resposta, pelo que, intentaram uma acção contra os dois no Tribunal Judicial de Base, pedindo a condenação dos mesmos à restituição da quantia em dívida.

      Em 3 de Setembro de 2012, o Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base proferiu a sentença, absolvendo os réus dos pedidos formulados por E, mas condenando-os solidariamente no pagamento a A das quantias de 307.546,00 dólares de Hong Kong, 28.375,00 francos suíços, 30.154,72 libras esterlinas e 800,00 euros e no pagamento a B a quantia de 164.765,70 patacas, mais condenando C no pagamento a A a quantia de 74.000,00 dólares de Hong Kong e no pagamento a B a quantia de 238.696,30 patacas, e absolvendo os réus dos restantes pedidos formulados por B.

      Inconformado com o assim decidido, recorreu D. O Tribunal de Segunda Instância julgou parcialmente provido o recurso, e por isso, anulou a sentença da primeira instância na parte em que o tinha condenado, juntamente com C, no pagamento a A da quantia de 307.546,00 dólares de Hong Kong, 28.375,00 francos suíços, 30.154,72 libras esterlinas e 800,00 euros, e em consequência, absolveu-o do pedido condenatório nos valores acima referidos, mais anulando a sentença na parte em que, dentro da quantia global ali fixada de 164.765,70 patacas, o tinha condenado a pagar a quantia de 8.070,00 dólares de HK (8.312,10 patacas) e 1.812,10 patacas, e em consequência, absolveu-o do respectivo pedido de pagamento dessa quantia, e no mais, manteve a sentença recorrida.

      Inconformados, A, B e C recorreram para o Tribunal de Última Instância, pedindo a confirmação total da sentença da 1.ª Instância, entendendo que as quantias mutuadas a C, após separação do casal, para custear as despesas da educação das duas filhas de C e D no estrangeiro (Inglaterra e Suíça), constituem encargos normais da vida familiar, devendo tais quantias ser restituídas conjuntamente por dois.

      O Tribunal de Última Instância procedeu ao julgamento da causa, entendendo que os “encargos normais da vida familiar” referidos no artigo 1558.º n.º 1 alínea b) do Código Civil de Macau significam as dívidas do casal, normalmente de montante não elevado, não só relativas às despesas do governo doméstico, como também outras, como a renda de casa, despesas escolares dos filhos, transportes diários, intervenções cirúrgicas dos membros do agregado familiar, férias da família, tudo de acordo com o padrão de vida do casal, a sua situação económica e os usos. Quando nos referimos a despesas escolares dos filhos queremos, evidentemente, significar as despesas normais e correntes em estabelecimento de ensino no local onde habita o casal, sem prejuízo de que, para casais de elevados rendimentos, mesmo as despesas escolares e estadia dos filhos no estrangeiro, em escolas de prestígio e com propinas de montante apreciável, se possam englobar no conceito de encargos normais da vida familiar.

      No caso em apreço, os salários dos réus eram de MOP$80.000,00 a MOP$90.000,00 por mês. Com base nestes rendimentos, podemos qualificar os réus como um casal de classe média. Ora, para um casal de classe média, com estes rendimentos, as despesas com o estudo e estadia de dois filhos na Europa, são um encargo da vida familiar, mas não um encargo normal da vida familiar, de tal sorte que, contraída a dívida, no montante de um milhão, pela esposa mas não pelo marido, e sem que este deu o seu consentimento nem se provou que os membros do casal já tivessem decidido tais despesas e que as filhas já tivessem iniciado o estudo no estrangeiro, não pode responsabilizar este último.

      Pelas razões acima expostas, o Tribunal Colectivo negou provimento aos recursos interpostos por A, B e C.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Última Instância, Processo n.º 11/2015.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

20 de Abril de 2015