Situação Geral dos Tribunais

A suspensão da execução da pena não obsta à efectivação de cúmulo jurídico

      A, pela prática de um crime de reentrada ilegal, p. e p. pelo art.º 21º da Lei nº 6/2004, e um crime de uso de documento falso, p. e p. pelo art.º 18º, n.º 3 da mesma Lei, foi condenado no dia 31 de Outubro de 2014, na pena única de 9 meses de prisão, suspensa a sua execução pelo período de 2 anos. A sentença foi transitada em julgado no dia 20 de Novembro de 2014. A par disso, A também foi condenado em 4 de Junho de 2014, na pena de 9 meses de prisão, pela prática de um crime de resistência, p. e p. pelo art.º 311º do Código Penal. O acórdão foi transitado em julgado no dia 24 de Junho de 2014.

      O Juiz do Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base proferiu despacho em 21 de Janeiro de 2015, indicando que num dos processos supracitados foi suspensa a execução da pena aplicada ao réu, pois entendeu o Tribunal que o cúmulo das penas dos dois processos seria desfavorável ao réu, pelo que decidiu não fazer o cúmulo das penas dos supramencionados processos.

      Inconformado, o Ministério Público entendeu que o despacho supracitado padece do vício de erro na aplicação da lei previsto no art.º 400º, n.º 1 do Código de Processo Penal e, em consequência, interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

      O Tribunal de Segunda Instância conheceu da causa, apontando que, aquando da prolação do despacho recorrido, ambas as decisões em questão tinham já transitado em julgado e, nos termos dos artigos 71º e 72º do Código Penal, se, depois de uma condenação transitada em julgado, mas antes da execução da respectiva pena, se provar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro crime, são aplicáveis as regras da punição do concurso. Pelas informações existentes, reuniu-se neste caso o aludido requisito. Ademais, no entendimento do Tribunal de Segunda Instância, o cúmulo superveniente de penas deve incluir as penas parcelares suspensas na sua execução, na medida em que estas não são de diferente natureza, aliás, o Tribunal deve atender à avaliação global da conduta e da personalidade do réu na tomada da decisão do cúmulo de penas. Daí que a suspensão da execução da pena de prisão não possa ser vista como uma pena definitiva e imutável, pelo contrário, esta tem o carácter duma “decisão provisória”, sendo revogável ou extinguível. Por conseguinte, em comparação com a decisão da suspensão da execução da pena, a decisão do cúmulo de penas não viola o princípio do “caso julgado”, pois que a dita violação só se forma com a alteração da natureza ou medida da pena e não com a suspensão da execução da pena. A decisão de englobar na pena conjunta do concurso as penas parcelares de suspensão de execução da prisão não viola o “princípio do ne bis in idem”, porque não é efectuado um novo julgamento da matéria de facto.

      Em face do exposto, o Tribunal Colectivo concedeu provimento ao recurso, anulando a decisão recorrida para ser substituída por outra que o Tribunal Judicial de Base operasse o cúmulo jurídico das penas aplicadas nos identificados processos.

      Cfr. o acórdão do processo n.º 326/2015 do Tribunal de Segunda Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

10/08/2015