Situação Geral dos Tribunais

Empregador que prolongou o período de trabalho do empregado sem dar aumento salarial foi condenado a multas e indemnizações

        A trabalhadora B foi contratada pela A de Macau, S. A. (doravante designada simplesmente por sociedade A) no período de 23 de Julho de 2007 a 12 de Outubro de 2010, para exercer as funções de lavadora de pratos no refeitório. A trabalhadora C foi contratada pela sociedade A desde 16 de Julho de 2007 até ao presente, para exercer as funções de empregada de limpeza. As duas trabalhadoras inserem-se na Categoria F - Grupo de Exploração, e prestam 6 dias de trabalho por semana, ou 48 horas por semana (incluindo os intervalos para refeições). No período compreendido entre 23 de Julho de 2007 e 12 de Outubro de 2010, a sociedade A, sem o consentimento da trabalhadora B, determinou unilateralmente que esta trabalhadora prestasse 9 horas de trabalho por dia, incluindo um intervalo de 1 hora para refeição. Assim sendo, ao período normal de trabalho no referido período acresceu diariamente uma hora. Por sua vez, a trabalhadora C, na altura da contratação, tinha conhecimento de que as “48 horas (incluindo os intervalos para refeições) ou 6 dias de trabalho por semana” se referiam a 8 horas de trabalho diário, incluindo meia hora remunerada mais meia hora não remunerada para refeição. A partir de 14 de Julho de 2008 até 31 de Março de 2011, aproximadamente, a sociedade A, sem o consentimento da trabalhadora C, determinou, unilateralmente e através do seu Departamento de Housekeeping, que esta trabalhadora prestasse diariamente 9 horas de trabalho, incluindo um intervalo de 1 hora para refeição. Por isso, no período supramencionado, houve um acréscimo diário de 30 minutos relativo ao período normal de trabalho. Todavia, a dita sociedade não aumentou os salários das duas trabalhadoras, nem lhes deu remunerações do trabalho ordinário. Ainda por cima, no dia 3 de Agosto de 2007, a mesma sociedade, sem o consentimento prévio das trabalhadoras supra aludidas, actualizou unilateralmente o Guia de Benefícios para os trabalhadores da Categoria F - Grupo de Exploração, alterando o clausulado do contrato referente às “48 horas por semana (incluindo os intervalos para refeições)” para as “48 horas por semana”.

        O Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base julgou o caso, condenando a sociedade A pela prática de duas contravenções de “negação do direito à remuneração do trabalho extraordinário”, p. e p. pelo art.º 85.º, n.º 1, al. 6), conjugado com o art.º 59.º, n.º 1, al. 2) e o art.º 62.º, n.º 3, todos da Lei n.º 7/2008 (Lei das Relações de Trabalho), a multas de MOP$25.000,00 e MOP$24.000,00, respectivamente, perfazendo o montante total de MOP$49.000,00. Mais condenou a sociedade A no pagamento às trabalhadoras B e C de, totalmente, MOP$40.524,70 a título de indemnização correspondente à remuneração em dívida (MOP$29.450,70 e MOP$11.074,00 respectivamente), acrescido de juros legais fixados nos termos do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido pelo Tribunal de Última Instância em 2 de Março de 2011 no processo n.º 69/2010.

        Inconformada, a sociedade A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, assacando à sentença do Tribunal a quo três nulidades processuais: Em primeiro lugar, a Acusação é nula por falta de inquérito e violação do direito de defesa da sociedade recorrente. Em segundo lugar, na omissão da descrição na Acusação de todos os elementos que levaram à subsunção da conduta da recorrente à contravenção p. e p. pelo art.º 85.º, n.º 1, al. 6), conjugado com o art.º 59.º, n.º 1, al. 2) e o art.º 62.º, n.º 3, todos da Lei das Relações de Trabalho, o Tribunal, só depois da produção de prova, é que comunicou à recorrente que teria ela praticado contravenções por negação do direito das trabalhadoras à remuneração do trabalho extraordinário, actuação essa que violou o disposto no art.º 340.º do Código de Processo Penal. Por último, o Tribunal, antes de condenar oficiosamente a recorrente no pagamento de indemnizações às trabalhadoras à luz do art.º 74.º do diploma legal acabado de referir, não deu cumprimento ao princípio do contraditório para que a recorrente se pudesse defender cabalmente.

        Conforme manifestou o Tribunal de Segunda Instância, por um lado, a recorrente, notificada da data designada para a audiência de julgamento, apresentou defesa escrita, defendendo-se cabalmente das contravenções que lhe foram imputadas. Por outro lado, antes de finda a audiência de julgamento, o Tribunal já comunicou à recorrente que não se excluía a hipótese de os factos por ela praticados constituírem a contravenção prevista no art.º 59.º, n.º 1, al. 2), art.º 62.º, n.º 3 e punida pelo art.º 85.º, n.º 1, al. 6), todos da Lei n.º 7/2008. Tendo recebido tal comunicação, a recorrente também apresentou a sua defesa por escrito, pelo que é de improceder a invocada violação do seu direito de defesa. Para além disso, no decorrer do julgamento, o Mm.º Juiz proferiu um despacho em que deixou claro que “poderá haver alteração da respectiva qualificação jurídica dos factos ora imputados à arguida”. Por isso, não está em causa a alteração substancial dos factos, mas sim a alteração da qualificação jurídica, à qual se aplica já o disposto no art.º 339.º do Código de Processo Penal, tal como efectivamente fez o Tribunal. Depois disso, o defensor da recorrente não deixou de apresentar defesa escrita, no exercício do direito de defesa, daí que o Tribunal a quo não violou qualquer preceito legal. Por fim, alegou a recorrente que o Tribunal a quo violou o princípio do contraditório ao condená-la oficiosamente no pagamento de indemnizações às trabalhadoras. Acerca disso, asseverou o Tribunal de Segunda Instância que o Tribunal, por despacho, solicitou à recorrente que entregasse ao Juízo, no prazo de dez dias, os elementos atinentes aos acordos de prestação voluntária de trabalho extraordinário celebrados com as duas trabalhadoras, dada a relevância de tais elementos e factos para a decisão da causa. Logo depois, veio a recorrente entregar os elementos solicitados e a sua defesa escrita, ficando, obviamente, assegurado o respeito pelo contraditório imposto pelo art.º 100.º, n.º 2 do Código de Processo do Trabalho, razão pela qual improcede também nesta parte o recurso interposto pela recorrente.

        Face ao exposto, o Tribunal de Segunda Instância julgou improcedente o recurso interposto pela recorrente, mantendo a decisão recorrida.

        Vide o Acórdão do TSI, processo n.º 352/2013.

  

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

07/09/2015