Situação Geral dos Tribunais

Prescrito o procedimento criminal, os ofendidos deixam de poder responsabilizar os arguidos criminalmente

      Em 1990, D (1º ofendido) negociou com A (1º arguido) sobre projecto de investimento de imobiliário. E no dia 3 de Julho de 1993, D conjuntamente com os seus conterrâneos G (2º ofendido) e H (falecido) estabeleceram a “Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau, Lda.”, cada um deles possuía 1/3 da quota-parte da companhia, tendo os três conseguido angariar um montante total de HKD$13.000.000,00. Posteriormente, A sugeriu que se transferisse o referido capital para a “I Industries Company Ltd.”, a fim de adquirir um determinado terreno para desenvolvimento predial. Após negociações, D, G e H concordaram unanimemente com o projecto de investimento proposto por A. D exigiu a A que fosse celebrada Carta de Intenção sobre os Termos de Acordo de Cooperação, tendo, na altura, A dito que B (2º arguido) era empregado da Companhia I, o qual responsabilizava pela aquisição do terreno supramencionado, assim sendo, bastava B assinar o respectivo acordo. Assim, D, como representante da Companhia C, assinou o acordo com B. D, respectivamente, nos dias 22 de Julho de 1993, 9 de Agosto de 1993 e 27 de Setembro de 1993, em nome da Companhia C, efectuou o pagamento, em prestações, da quantia de HKD$13,000,000.00 à Companhia I. No início do ano de 1994, A mentiu a D que o mercado imobiliário em Macau estava em crise, não tinha possibilidade de revender ou construir prédio no respectivo terreno, tinha de esperar até a situação económica de Macau melhorar para poder revendê-lo. De facto, A, com o dinheiro proveniente da Companhia C, adquiriu, em nome duma outra companhia, o terreno em causa e, depois disso, pediu ao banco um crédito de USD$8,000,000.00, garantido pela hipoteca desse terreno. No princípio do ano de 1995, dado que a Companhia I ainda não conseguiu vender o supracitado terreno, houve negociação entre D, G e H, que no final decidiram retirar o projecto de investimento e solicitar à Companhia I a restituição dos HKD$13,000,000.00. No ano de 2005, por ainda não terem recebido essa quantia, os três ofendidos propuseram acção em nome da Companhia C no tribunal do Interior da China. Mais tarde, D tentou entrar em contacto com A e B, mas sem êxito. Só em Setembro de 2012, D e G ficaram a saber que tinham sido enganados, pelo que vieram participar o caso à Polícia Judiciária de Macau no dia 14 de Novembro de 2012.

      Por Acórdão do Tribunal Judicial de Base, de 9 de Janeiro de 2015, declarou-se prescrito o procedimento criminal em relação a um crime de burla de valor consideravelmente elevado, p. e p. pelo art. 211º, n.º 4, al. a) do Código Penal de Macau, cuja prática foi imputada aos arguidos A e B. Quem cometer este crime é punido pena de prisão até 10 anos. Nos termos do art.º 110.º, n.º 1, al. c) do Código Penal, tratando-se de um crime punível com pena de prisão cujo limite máximo não excede 10 anos, o prazo de prescrição do seu procedimento criminal é de 10 anos. Entendeu o Tribunal Judicial de Base que o crime de burla imputado aos arguidos se consumou no dia 27 de Setembro de 1993, data em que a Companhia C entregou aos arguidos a última fracção monetária. Como a Companhia C só apresentou a queixa em 14 de Novembro de 2012, está prescrito o procedimento criminal.

      A Companhia de Desenvolvimento Predial C Macau, Lda., inconformada, interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância, assacando ao acórdão do Tribunal Judicial de Base os vícios de “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada” e de “errada aplicação de direito”.

      O Tribunal de Segunda Instância apreciou o caso, considerando que no caso inexiste “insuficiência para a decisão da matéria de facto provada”, pois que o Tribunal a quo emitiu pronúncia sobre todo o objecto do processo, já que deu como provada toda a matéria constante da acusação pública, fundamentando, adequadamente tal decisão.

      Ademais, na óptica do Tribunal de Segunda Instância, a questão crucial neste caso concreto consiste na aferição do momento da consumação do crime de burla imputado aos arguidos, visto que só com isso se sabe se está prescrito o procedimento criminal relativamente a tal crime. Conforme adiantou o mesmo Tribunal, constituindo o crime de burla em causa um crime de dano ou de resultado, cujo bem jurídico protegido consiste no património do ofendido, impõe-se considerar que o mesmo se consuma com a ocorrência do prejuízo no património do sujeito passivo da infracção, ou dito de outro modo, quando a coisa objecto da burla sai da esfera patrimonial do defraudado e entra no círculo de disponibilidades do agente do crime. Por isso, o Tribunal de Segunda Instância confirmou a decisão do Tribunal Judicial de Base, entendendo que o aludido crime de burla se consumou com a entrega efectiva da última fracção monetária em 27 de Setembro de 1993, pelo que, não ocorrendo causa de suspensão ou interrupção, o prazo de prescrição do procedimento criminal, de 10 anos, já se completou em 26 de Setembro de 2003. Depois dessa data, já não pode a recorrente responsabilizar os arguidos criminalmente.

      Face ao exposto, o Tribunal de Segunda Instância decidiu rejeitar o recurso.

      Vide a Decisão Sumária do TSI, processo n.º 294/2015.

 

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

15/09/2015