Situação Geral dos Tribunais

Tendo satisfeito a indemnização a favor da lesada, o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo fica sub-rogado no direito de regresso contra a proprietária do veículo que não efectuou seguro

       Em 30 de Agosto de 2007, por volta das 10h00, E conduzia o automóvel ligeiro de matrícula MK-XX-XX e transportava F, circulando pela faixa de rodagem esquerda da Avenida da Praia Grande em direcção do Pavilhão Octogonal para a Avenida do Infante D. Henrique. Quando chegou às proximidades do n.º 602 da Avenida da Praia Grande, E parou o veículo por se encontrar na luz vermelha o semáforo. Por estar com pressa, F decidiu sair do veículo. Na altura em que F abriu a porta traseira do lado direito do veículo para sair, a porta colidiu descuidadamente com o ciclomotor de matrícula CM-XXXXX que estava a passar pelo lado direito do automóvel, causando a queda da condutora do ciclomotor C juntamente com o seu veículo, bem como a lesão da mesma. Na ocorrência do facto, o automóvel de matrícula MK-XX-XX não beneficiava de seguro de acidente sobre o terceiro válido.

       Por acórdão proferido pelo 3º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base no processo-crime n.º CR3-09-0006-PCC que transitou em julgado em 6 de Maio de 2013, o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo e o responsável F, como 1º e 2º demandados civis do caso, foram condenados solidariamente, no pagamento à lesada C a quantia de MOP248.655,20, a título de indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais.

       Em cumprimento da decisão, tendo pagado integralmente à lesada C a quantia da indemnização em 13 de Maio de 2013, o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo intentou acção junto do Juízo Cível do Tribunal Judicial de Base contra a proprietária do veículo de matrícula MK-XX-XX B, solicitando a condenação de B a reembolsá-lo da quantia da indemnização, bem como dos juros, dos honorários dos mandatários e das demais despesas administrativas que tinham sido despendidos pelo mesmo. Findo o julgamento, o Tribunal Judicial de Base julgou procedente a acção.

       Inconformada, B interpôs recurso para o Tribunal de Segunda Instância.

       O Tribunal de Segunda Instância conheceu do caso e decidiu com base nas seguintes razões:

       Visando à protecção dos sinistrados em acidente de viação contra o risco de insolvência dos responsáveis, o legislador criou o regime do seguro obrigatório no Decreto-Lei n.º 57/94/M. Todavia, tendo em conta que o aludido regime não irá conseguir alcançar o efeito de protecção dos interesses lícitos dos sinistrados em acidente de viação caso hajam pessoas que, estando sujeitas à obrigação de segurar, não tenham efectuado seguro obrigatório, pelo que o legislador criou ainda outro regime de garantia na alínea a) do n.º 2 do art.º 23º do Decreto-Lei em apreço, no qual se prevê que o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo responsabiliza-se pela satisfação das indemnizações a favor dos lesados, quando o responsável seja desconhecido ou o veículo não beneficie de seguro válido ou eficaz. A companhia seguradora e o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo têm a responsabilidade de indemnização de natureza diferente: à companhia seguradora é transferida, enfim, a responsabilidade de indemnização quando o veículo beneficie de seguro válido, enquanto o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo, como garante de indemnização, apenas assegura transitoriamente a satisfação do direito de regresso dos lesados e, logo após a satisfação, permite-lhe exercer o direito em que ficou investido, de demandar, em lugar dos lesados, os verdadeiros responsáveis para reaver o dinheiro que tenha adiantado no pagamento da indemnização, inexistindo, portanto, a verdadeira relação solidária da responsabilidade por dívidas entre eles.

       Indicou o Tribunal Colectivo que, in casu, é certo que o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo pode intentar acção de regresso contra o responsável F e deixar em paz a proprietária do veículo B, contudo, isso não deve ser a única alternativa disponível com vista ao reembolso do dinheiro que adiantou. Por razões de justiça e equidade, ao Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo deve ser assegurada a opção de demandar a proprietária do veículo. Devido ao incumprimento culposo da obrigação legal de segurar obrigatoriamente o seu veículo por parte da proprietária do veículo B, o risco de insolvência do responsável do acidente deve recair, enfim, sobre a proprietária do veículo B e não sobre o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo. B só poderá exercer o seu direito de regresso contra os outros responsáveis quando tenha reembolsado o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo da quantia despendida a título de indemnização (n.º 4 do art.º 25º do Decreto-Lei n.º 57/94/M).

       Nos termos e fundamentos acima expostos, o Tribunal de Segunda Instância negou provimento ao recurso interposto pela proprietária do veículo B, mantendo da sentença do Tribunal Judicial de Base.

       Ademais, o Tribunal de Segunda Instância conheceu anteriormente dum recurso relativo a uma acção de indemnização civil interposta pela lesada em acidente de viação contra a proprietária do veículo que não tinha efectuado seguro e o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo, concluindo que: se o valor dos danos sofridos pela lesada não for superior ao limite mínimo do seguro obrigatório, e se o veículo em causa não estiver coberto por seguro, a lesada só poderá intentar acção contra o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo, entretanto, poderá o Fundo requerer, nos termos dos n.ºs 2 e 3 do art.º 45º do Decreto-Lei n.º 57/94/M, a citação dos outros responsáveis civis para intervirem na acção não como parte principal, mas sim como coadjuvante na defesa. Nesta acção, o Tribunal não podia condenar o interveniente no pagamento (solidário) de qualquer indemnização, mas fez-se caso julgado o que foi decidido na sentença, quanto aos factos provados demonstrativos da culpa do interveniente no acidente de viação e ao direito a aplicar no que concerne à sua responsabilidade, circunstâncias que permitirão ao Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo exercer, posteriormente, o direito de regresso sub-rogatório contra o interveniente.

       Cfr. os acórdãos dos processos n.ºs 395/2014 e 749/2013 do Tribunal de Segunda Instância.

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

21/09/2015