Situação Geral dos Tribunais

Foi anulada pelo Tribunal Administrativo a decisão de aplicação de multa tomada pela Administração Pública na falta de investigação

        Em 26 de Dezembro de 2013, os guardas da Polícia de Segurança Pública interceptaram o automóvel conduzido por A num dos corredores para a saída de veículos do Posto Fronteiriço do Cotai, descobrindo a bordo um passageiro B. B manifestou aos guardas policiais que o seu irmão mais novo lhe tinha arranjado o automóvel para o transportar do Hotel Wynn Macau para o Distrito de Panyu, mediante o pagamento duma taxa de MOP$1.500, segundo o seu irmão, afirmando ainda que ele não conhecia o condutor, e este não o acompanharia na sua visita. Como o dito automóvel se encontra registado a favor da Agência de Viagens X, lda., com a finalidade de turismo, suspeitaram que A tenha utilizado o automóvel em serviço remunerado com finalidade diferente da autorizada ou da constante da matrícula do mesmo, ao arrepio do disposto no art.º 52.º, n.º 14 do Regulamento do Trânsito Rodoviário, conjugado com o art.º 122.º, n.º 1, al. 5) e o art.º 123.º, n.º 2 da Lei do Trânsito Rodoviário, pelo que foi deduzida acusação contra A, ficando, ao mesmo tempo, apreendido o veículo em causa.

        O Sr. Chefe do Departamento de Trânsito do Corpo de Polícia de Segurança Pública, tendo em conta o relatório do instrutor, entendeu que o serviço de transporte de passageiros prestado por A consiste puramente num serviço ponto-a-ponto, cuja natureza não se refere minimamente aos serviços turísticos, mas antes a um serviço igual ao de veículo de aluguer e, portanto, diferente da finalidade constante da matrícula do respectivo veículo. Acrescendo a isso o facto de o passageiro a bordo precisar de pagar pelo transporte, concluiu-se que A recebeu remuneração e que a sua conduta se traduz numa infracção. Por despacho de 28 de Fevereiro de 2014, o Sr. Chefe do Departamento aplicou a A multa de MOP$30.000 pela prática da infracção administrativa.

        Da decisão supracitada A interpôs recurso contencioso para o Tribunal Administrativo, indicando, em síntese, o seguinte: No dia em que ocorreu o facto, o recorrente agiu na qualidade de trabalhador da respectiva Agência de Viagens e conforme as instruções desta, ao prestar serviço de transporte ao cliente da Agência. No entanto, face à sua defesa, a entidade recorrida não realizou as devidas diligências instrutórias, pelo que, segundo o recorrente, o acto recorrido padece dos vícios de interpretação errada da lei, de violação do princípio da boa fé e de violação do princípio do inquisitório, etc., solicitando-se, assim, a anulação do mesmo.

        O Tribunal Administrativo julgou o caso, adiantando o seguinte: Das declarações do passageiro B decorre que o recorrente não discutiu nada com ele, nem lhe cobrou directamente a taxa do serviço sob qualquer forma. Afirmou também o recorrente que, no dia da ocorrência do facto, ele só prestou o serviço de transporte por ter recebido instruções da Agência. Ora, no caso vertente, não só não ficou provado que o instrutor do processo e a entidade recorrida, antes da elaboração da proposta de decisão e da tomada da decisão punitiva, respectivamente, tenham efectuado alguma diligência ou análise em relação ao exposto pelo recorrente na sua defesa e os documentos por ele apresentados, ou tenham analisado se houve culpa da parte do recorrente, que era meramente um empregado, mas também não se deu qualquer explicação no relatório do instrutor ou na decisão punitiva relativamente à desconsideração do teor da defesa e das provas documentais. Actuação essa violou, evidentemente, a disposição do art.º 138.º, n.º 1 da Lei do Trânsito Rodoviário.

        Para além disso, pelo facto de o veículo em apreço se encontrar registado a favor da Agência de Viagens X, lda., com a finalidade de “turismo”, para determinar correctamente se tal veículo foi afectado a finalidade diferente da constante da sua matrícula ou se foi destinado à exploração de veículos de aluguer, importa saber se cabe nas actividades para cuja exploração a Agência de Viagens foi legalmente autorizada a prestação pelo recorrente do serviço de transporte com aquele veículo. Mas a entidade, na falta de análise e de apreciação das provas, sempre chegou à conclusão de que “o serviço de transporte de passageiros prestado pelo acusado com o veículo inspeccionado consiste puramente num serviço ponto-a-ponto, cuja natureza, obviamente, não se refere a qualquer serviço turístico; o comportamento do acusado tem a mesma natureza da prestação do serviço de veículo de aluguer”, o que revelou, com clareza, a insuficiência dos fundamentos de facto e de direito, além da falta de cumprimento pela entidade recorrida do seu dever inquisitório, fazendo com que o respectivo processo de infracção administrativa tivesse incorrido em vício na apreciação da prova.

        No entender do Tribunal Administrativo, a violação pela entidade recorrida dos art.ºs 136.º e 138.º, n.ºs 1 e 2 da Lei do Trânsito Rodoviário e dos art.ºs 85.º e 86.º do Código do Procedimento Administrativo ex vi o art.º 112.º, n.º 2 da referida Lei, em virtude do não cumprimento do seu dever inquisitório, fez com que o respectivo processo de infracção administrativa, devido à insuficiência de investigação, não dispusesse de dados suficientes para comprovar que o recorrente praticou, culposamente, a infracção prevista no art.º 52.º, n.º 14 do Regulamento do Trânsito Rodoviário. Nesta conformidade e à luz dos art.ºs 20.º e 21.º, n.º 1, al. d) do Código de Processo Administrativo Contencioso, conjugado com o art.º 124.º do Código do Procedimento Administrativo, deve ser anulado o acto recorrido.

        A propósito da violação do princípio da boa fé assacada pelo recorrente ao acto recorrido, considerou o Tribunal Administrativo que a não realização pela entidade recorrida das devidas diligências instrutórias não basta, por si só, para demonstrar a violação deste princípio, daí que seja de improceder este fundamento.

        Face ao exposto, o Tribunal Administrativo julgou parcialmente procedente o recurso contencioso interposto pelo recorrente, anulando, consequentemente, o acto recorrido.

        Cfr. Sentença do Tribunal Administrativo, processo n.º 1085/14-ADM.

  

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

05/10/2015