Situação Geral dos Tribunais

Prejuízos materiais não provocados pelas lesões corporais consequentes de acidentes não se enquadram no âmbito da obrigação de indemnização do Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo

      Em 9 de Junho de 2009, o ofendido B conduzia motociclo, levando como passageiro o ofendido C e circulando pela Av. do Dr. Rodrigo Rodrigues, no lado direito da faixa de rodagem, para subir o viaduto em direcção à Av. da Praia Grande. Quando B circulava pelo viaduto, o réu D conduzia veículo ligeiro pelo viaduto em direcção à Av. do Dr. Rodrigo Rodrigues. Na altura, o carro do réu ultrapassou a linha longitudinal contínua, o que resultou no embate entre a parte frontal direita do seu carro e a parte direita do motociclo e, em consequência, na queda de B e C mais a mota. O réu parou o carro e saiu para ver a situação e levantou a mota que ficou em cima de C. Como sabia bem que não tinha habilitação para conduzir, nem tinha efectuado o seguro de responsabilidade civil para o seu veículo ligeiro e pagado o imposto de circulação de 2009, o réu não ficou no local para tratar do assunto da responsabilidade do acidente por ter receio de que o facto acima fosse descoberto. Assim, o mesmo pegou no carro e foi-se embora da cena do acidente. A colisão entre os dois veículos provocou fracturas nos pés e mãos de C, como também dano na parte direita do motociclo, razões pelas quais B e C intentaram acção de indemnização civil contra D e o Fundo de Garantia Automóvel e Marítimo (FGAM).

      O Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base proferiu veredicto condenatório contra o réu. Na parte do pedido de indemnização civil, o Tribunal Judicial de Base condenou o FGAM a pagar aos requerentes civis B e C, respectivamente, indemnizações por danos patrimoniais e não patrimoniais nos valores de MOP6.490,00 e MOP246.305,00.

      Inconformado com o decidido, o FGAM recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, entendendo que não tem responsabilidade directa mas só subsidiária. Alegou que, além do recorrente, o Tribunal também deve decidir que o réu assume responsabilidade solidária. Acrescentou que, de acordo com o artº 23º do Decreto-Lei nº 57/94/M, ao FGAM compete satisfazer as indemnizações por morte ou lesões corporais consequentes de acidentes, não sendo abrangida a indemnização por danos materiais, pelo que não deve incluir a perda salarial e as despesas da reparação do veículo no âmbito da sua responsabilidade.

      O Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância entendeu que ao abrigo do artº 25º, nºs 1, 3 e 4 do Decreto-Lei nº 57/94/M, o FGAM é apenas um terceiro no âmbito do seguro obrigatório de responsabilidade civil automóvel, não sendo co-obrigado. Deste modo, sempre que se verifique a situação prevista no artº 23º, nº 2, al. a) do mesmo Decreto-Lei, o FGAM deve indemnizar primeiro o ofendido de acidente de viação, podendo o mesmo Fundo decidir a intenção de uma acção independente, exercendo do direito de regresso previsto no artº 25º, nº 4 do dito Decreto-Lei para demandar o devedor efectivo de responsabilidade civil pela indemnização, relativamente às quantias que tiverem pago.

      Quanto à indemnização, alegou o FGAM que “a perda salarial e as despesas da reparação da mota sofridas pelo ofendido não se enquadram no âmbito da obrigação de indemnizar a cargo doFGAM”. Primeiramente, as despesas da reparação da mota não são, aparentemente, prejuízos directos ou danos materiais causados pelas lesões corporais. Portanto, tais despesas não são abrangidas no âmbito da obrigação de indemnização do FGAM, devendo estas ser suportadas pelo requerido civil D. No que diz respeito à perda salarial, no entender do Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância, “caso a perda salarial sofrida pelo ofendido de um acidente de viação tenha sido provocada pelas lesões corporais consequentes do acidente, não há dúvida de que a indemnização pela perda salarial se enquadra no âmbito previsto no artº 23º, nº 2 do Decreto-Lei nº 57/94/M.”

      Nos termos acima expostos, o Tribunal Colectivo do Tribunal de Segunda Instância julgou parcialmente procedente o recurso interposto, condenando o requerido civil D a pagar sozinho ao requerente civil B as despesas da reparação da mota expendidas e mantendo o resto da decisão proferida pelo Tribunal a quo.

      Cfr. Acórdão do Tribunal de Segunda Instância no processo nº 835/2012.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

09/12/2015