Situação Geral dos Tribunais

Consuma-se o crime de auxílio à entrada ilegal, desde que se verifique a entrada nas “tradicionais áreas marítimas” da R.A.E.M.

       Em 15 de Abril de 2014, B pretendia entrar ilegalmente em Macau para jogar em casino, pelo que contactou telefonicamente com um indivíduo desconhecido do sexo masculino, pedindo-lhe prestar auxílio para entrar clandestinamente em Macau, e, por seu turno, o indivíduo pediu-lhe uma quantia de RMB5.000,00 como custos de auxílio à entrada ilegal. No meio-dia da mesma data, um outro indivíduo desconhecido do sexo masculino recebeu de B a quantia de RMB5.000,00 como custos de auxílio à entrada ilegal, e pediu-lhe que voltasse a um hotel em Zhuhai para aguardar novas informações. Em 16 de Abril de 2014, B recebeu o telefonema do referido indivíduo, no qual ficou combinado o encontro na entrada do hotel. Posteriormente, um motociclo conduzido por um outro indivíduo desconhecido do sexo masculino levou B até à costa próxima a Hengqin em Zhuhai. Passados cerca de 20 minutos, ao local em causa chegou um bote rápido conduzido pelo 1º réu F e 2º réu A e, naquele momento, o indivíduo que conduzia o motociclo orientou B a embarcar no bote para deslocar-se ilegalmente a Macau. Depois de ter navegado 10 minutos, o bote foi interceptado pelo bote dos Serviços de Alfândega na superfície do mar adjacente ao Edf. Hou Un – I em Coloane em Macau.

       Em 31 de Outubro de 2014, o 2º réu A foi condenado pelo Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Base, pela prática, em co-autoria e na forma tentada, de um crime de auxílio à entrada ilegal, p. e p. pelo art.º 14º, n.º 1 da Lei n.º 6/2004, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva.

       Inconformado, A recorreu para o Tribunal de Segunda Instância, considerando que a sentença do Tribunal a quo padece do vício de erro notório na apreciação da prova previsto no art.º 400º, n.º 2, al. c) do Código de Processo Penal, e que o Tribunal a quo violou o disposto no art.º 48º do Código Penal, por não ter suspendido a execução da pena de prisão que lhe foi aplicada.

       O Tribunal de Segunda Instância conheceu do caso, indicando que, embora o réu A alegasse que não conhecia B e, só por F ter recebido, naquele dia, o telefonema de B, A recolhia B no barco para praticar actividade de pesca no mar, e que não sabia que F prestava auxílio à entrada clandestina de B em Macau, B alegou que, naquele dia, tinha embarcado no bote conduzido pelos réus F e A para entrar ilegalmente em Macau e jogar em casino, por este motivo, tendo combinado anteriormente com o organizador da actividade de prestação de auxílio à entrada ilegal que os custos de auxílio à entrada ilegal eram de RMB10.000,00, B pagava antecipadamente RMB5.000,00 e a quantia remanescente, no valor de RMB5.000,00, seria paga depois da chegada a Macau. Ademais, um dos verificadores alfandegários lembrou-se que o bote em causa não estava equipado com instrumentos de pesca. Por conseguinte, conforme os critérios da livre convicção e as regras da experiência, tendo analisado rigorosamente o processo da entrada ilegal em Macau descrito pelo passageiro clandestino, em conjugação com os depoimentos do pessoal dos Serviços de Alfândega, o Tribunal a quo concluiu que a aclaração do recorrente era inacreditável. As supracitadas provas apuraram, objectiva, directa e razoavelmente, o cometimento do aludido crime pelo recorrente e a inexistência do erro na apreciação da prova feita pelo Tribunal a quo, tal como referido pelo recorrente.

       A par disso, o Procurador-Adjunto assinalou no seu parecer que o crime cometido pelo recorrente devia ser definido como um crime consumado de auxílio qualificado, p. e p. pelo art.º 14º, n.º 2 da Lei n.º 6/2004. De antemão, o Tribunal de Segunda Instância concordou com a opinião do Procurador-Adjunto, considerando que existia contradição no entendimento do Tribunal a quo, já que esse Tribunal, por um lado, provou que o bote conduzido pelo recorrente entrou nas “tradicionais áreas marítimas” da R.A.E.M. e, por outro lado, provou que o indocumentado não entrou efectivamente em Macau e, em consequência, concluiu que o crime praticado pelo recorrente ainda se encontrava em fase de tentativa. Entendeu o Tribunal de Segunda Instância que não se devia considerar a “entrada na R.A.E.M.”, descrita no art.º 14º da Lei n.º 6/2004, como simplesmente a entrada no território terrestre, uma vez que, no ponto de vista da administração regional, as “tradicionais áreas marítimas” são, obviamente, parte integrante da jurisdição administrativa e judicial exercida pela R.A.E.M. Nesta conformidade, o acto praticado pelo recorrente deveria ser definido como consumado, visto que o indocumentado já foi transportado para as “tradicionais áreas marítimas” de Macau. Todavia, na opinião do Tribunal de Segunda Instância, mesmo que fosse apurado o pagamento efectuado pelo passageiro clandestino, não se provou o recebimento de qualquer retribuição em dinheiro do passageiro clandestino ou do terceiro pelo próprio recorrente ou por outro réu, nem existia facto relativo à comparticipação pelo recorrente, por outro réu e pelas demais pessoas que receberam o dinheiro em causa, pelo que o acto do recorrente não satisfazia elemento constitutivo do supracitado crime de auxílio qualificado. Portanto, o recorrente seria punido com pena de prisão de 2 a 8 anos, pela prática, em co-autoria e na forma consumada, de um crime de auxílio à entrada ilegal, p. e p. pelo art.º 14º, n.º 1 da Lei em apreço. Porém, nos termos do art.º 399º do Código de Processo Penal, o recurso foi interposto só pelo réu, não podendo o Tribunal de Segunda Instância agravar a pena imposta ao recorrente, mas sim apenas manter a pena de 1 ano e 6 meses de prisão efectiva aplicada ao recorrente pelo Tribunal a quo, pela prática do crime tentado de auxílio.

       Na determinação da pena, o Tribunal de Segunda Instância considerou que o crime de auxílio à entrada ilegal era um crime grave, a par disso, o problema de imigração ilegal trazia dificuldades consideráveis para as autoridades de Macau na defesa da ordem pública e jurídica, bem como causava também impactos negativos severos à paz social. Assim sendo, entendeu o Tribunal de Segunda Instância que a suspensão da execução da pena aplicada ao recorrente não realizava de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, mormente não satisfazia a exigência da prevenção geral.

        Nestes termos, acordaram em negar provimento ao recurso interposto pelo recorrente.

        Cfr. o acórdão do processo n.º 10/2015 do Tribunal de Segunda Instância.

 

Gabinete do Presidente do Tribunal de Última Instância

11/01/2016